Apesar das críticas ao plano de Ottawa de espalhar seus recursos militares e policiais canadenses de manutenção da paz durante os próximos cinco anos, o tenente-geral aposentado e ex-senador canadense Roméo Dallaire diz que o plano fará do Canadá um líder mundial para acabar com o uso de crianças-soldados em conflitos.
O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau anunciou numa cúpula de manutenção da paz em Vancouver recentemente que o Canadá não disponibilizaria as 600 tropas militares e 150 policiais que prometeu no ano passado para as missões de paz das Nações Unidas (ONU).
Em vez disso, a gestão Trudeau ofereceu uma “promessa inteligente”, incluindo o treinamento qualificado de 200 soldados, helicóptero e apoio aéreo, um aumento na implantação de tropas femininas e um foco na desmilitarização de crianças-soldados, embora possa levar seis meses ou mais para começarem as discussões sobre quando e onde esses recursos são necessários.
É uma ação que os críticos têm dito que o governo não só quebrou sua promessa mas prejudica qualquer chance de ter um impacto significativo em levar a paz e a segurança para regiões como Mali, Congo, República Centro-Africana e Sudão do Sul, todas estas zonas de conflito onde se especulava há meses que o Canadá enviaria uma força militar e policial considerável.
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Mas Dallaire, que serviu como Comandante de Forças das Nações Unidas na Ruanda, diz que essa crítica é míope, observando que a manutenção da paz mudou drasticamente nos últimos anos e, em vez de colocar “botas no chão” nas zonas de conflito, é mais eficaz para os militares canadenses oferecerem sua sabedoria e habilidades.
“O que estamos vendo agora é uma geração recente, adaptativa e nova de capacidades, competências, habilidades e conhecimentos dedicados às forças de paz”, disse ele numa entrevista por telefone.
“Os países em zonas de conflito querem o treinamento e as habilidades, e não batalhões, para poder melhor lidar com os conflitos, e é exatamente isso o que estamos fazendo e isso nos eleva a um patamar mais alto do que simplesmente fornecer botas no chão.”
A Iniciativa das Crianças-Soldados de Roméo Dallaire, baseada na Universidade Dalhousie no Canadá, juntou-se à ONU e ao governo canadense para criar os Princípios de Vancouver, uma estratégia internacional para acabar com o uso das crianças-soldados que deve ser adaptada por todas as nações que contribuem para a ONU.
Dallaire e a comunidade internacional têm trabalhado numa estratégia global para proteger crianças em zonas de conflito há algum tempo. Mas não foi até o outubro recente, a caminho do anúncio oficial dos Princípios de Vancouver, que muitos países se apressaram para se inscrever, disse ele.
“Há agora 58 países, e nenhum outro envolvimento internacional teve tantos países aderindo tão rápido em um mês e meio. Isso está fora da escala do que pareceria normalmente possível.”
A estratégia significa que, pela primeira vez na história, haverá um guia para os países sobre como abordar e resolver certos cenários envolvendo crianças-soldados, um conjunto de soluções táticas para prevenir os combates armados e um manual de treinamento que mudará como os militares e policiais usam suas táticas.
Ele disse que o exército canadense já reescreveu sua doutrina e está preparando novos programas de treinamento para incluir as diretrizes dos Princípios de Vancouver.
“Antes, as crianças eram frequentemente consideradas beligerantes e os resultados eram crianças morrendo ou soldados não reagindo e perdendo terreno”, disse Dallaire. “Se as crianças acabam morrendo, isso tem um efeito horrível sobre os soldados psicologicamente.”
Ele acrescentou que as crianças-soldados estão sendo usadas “ainda mais impiedosamente” nos conflitos do que nunca.
“Uma das coisas que vemos nas áreas de missões é o recrutamento extensivo de crianças como instrumentos de guerra.”
Indo para trás?
Walter Dorn, um especialista em manutenção da paz no Colégio das Forças Canadenses em Toronto, elogiou a Iniciativa das Crianças-Soldados de Dallaire e a abordagem dos Princípios de Vancouver para ajudar a reduzir o número de crianças-soldados, mas acredita que “isso é apenas uma pequena fatia” dos esforços da paz.
“Não podemos usar as nossas habilidades e conhecimentos se não tivermos experiência no terreno. Não podemos nos tornar acadêmicos de torre de marfim sem experiência de campo nas operações da ONU e ter a pretensão de que estamos oferecendo treinamento”, disse ele.
“Levou tanto tempo para chegarmos a esse ponto e agora estamos indo para trás. Há menos pessoal militar canadense na manutenção da paz da ONU do que em qualquer momento desde a criação das forças de manutenção da paz.”
Mas Dallaire disse que, mesmo que a promessa do governo pareça pequena, tudo o que é necessário é 10 a 20 tropas com este treinamento para entrarem em zonas de conflito e capacitarem as forças armadas de outros países com sua inteligência e estratégia.
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Recentemente, Dallaire voltou de uma visita a cinco nações africanas acompanhado do ministro da defesa canadense Harjit Sajjan, e ele disse que esses países estão sedentos pelas habilidades e conhecimentos do Canadá.
Ele citou o Sudão do Sul como um exemplo onde 10 tropas foram implantadas para oferecer assistência tática, o que ele diz que ajudará a reduzir o número de crianças-soldados ao treinarem o exército do país.
“O que estamos fazendo é levar a comunidade internacional e os países contribuidores ao âmbito de terem uma nova capacidade e forma de manutenção da paz”, disse Dallaire.
“Eu estou totalmente convencido de que finalmente não só estaremos envolvidos no resgate de crianças que sobrevivem depois de terem sido desmobilizadas para serem reabilitadas e integradas, mas de fato reduziremos o número de crianças que são introduzidas em conflitos. E isso não acontece desde que eles têm observado o problema no início dos anos 90.”
Jared Gnam é um repórter freelance baseado em Vancouver, Canadá.