Nova lei que proíbe uso de burcas em público acende debate na Dinamarca

Medida reacendeu o debate político sobre uma lei aprovada em maio com o apoio do governo liberal-conservador, o Partido Popular Dinamarquês (seu aliado externo) e o Partido Social Democrata, líder da oposição

14/08/2018 17:32 Atualizado: 14/08/2018 17:32

Por Anxo Lamela, Agência EFE

A recente entrada em vigor na Dinamarca de uma nova lei que proíbe o uso em locais públicos das vestimentas islâmicas burca e niqab, mexeu com o panorama político do país e provocou reações em forma de manifestações.

A nova legislação, vigente desde 1º de agosto e inspirada em outras similares da França e Áustria, pune com multas o uso em público de qualquer peça que cubra o rosto, desde a veste integral aos véus, a não ser que tenha um propósito reconhecido (roupa de inverno ou proteção para trabalhos).

As multas são de 1.000 coroas dinamarquesas (aproximadamente R$ 600), que sobem para 10 mil (R$ 6 mil) a partir da quarta vez, e já foram aplicadas a uma mulher que usava um niqab (véu que deixa apenas os olhos descobertos) na semana passada na cidade de Hørsholm.

“Esta é a nossa mensagem à polícia: cada vez que uma mulher for punida com uma multa por escolher se vestir segundo suas convicções religiosas, faremos uma manifestação”, gritou ontem uma jovem com niqab em um protesto em frente à delegacia de Bellahøj (Copenhague).

“Minha roupa, minha escolha”, dizia um dos cartazes na manifestação de ontem (13) e nas duas da semana passada em Copenhague e Aarhus (segunda maior cidade do país) ao entrar em vigor a lei, organizadas por grupos como o Mulheres pelo Diálogo (que reúne jovens muçulmanas) e a Frente Juvenil Socialista.

“É a primeira vez que saio de casa em dias, cada vez que cruzo a porta sou a princípio uma criminosa. Violo a lei, e há um risco de a polícia me parar e me multar, além de poder ser vítima de um crime de ódio ou que alguém faça justiça com as próprias mãos”, denunciou ontem Sabina, de 21 anos e que vestia niqab.

A rejeição à nova lei teve mais formas: a cantora dinamarquesa MØ (vocalista no sucesso mundial “Lean On”, do grupo Major Lazer em parceria com o DJ Snake), usou um capuz durante sua atuação em um festival local nesta semana.

O estilista de origem iraniana Reza Etamadi vestiu em um desfile várias modelos com niqab e outras como policiais durante a semana da moda em Copenhague, rejeitando a punição a mulheres “que nem ameaçam nem fazem mal a ninguém, apenas por suas roupas”.

E o empresário e ativista argelino Rachid Nekkaz anunciou que viajará em setembro à capital dinamarquesa para pagar a multa de qualquer pessoa que tenha sido multada por usar o véu integral, uma iniciativa que já tinha colocado em prática anteriormente em países como França, Áustria, Bélgica e Suíça.

A medida reacendeu o debate político sobre uma lei aprovada em maio com o apoio do governo liberal-conservador, o Partido Popular Dinamarquês (seu aliado externo) e o Partido Social Democrata, líder da oposição, embora não sem tensões dentro das próprias legendas que a apoiam.

Os populares defenderam modificar a norma para introduzir penas de prisão de sete dias — 14 no caso de reincidência -, algo que estava incluído no projeto de lei inicial, mas que foi eliminado durante a sua tramitação.

“Talvez alguém possa pagar as multas de outros, mas não pode ir para a cadeia no seu lugar”, disse há alguns dias o porta-voz desse partido em imigração, Martin Henriksen.

O Partido Liberal do primeiro-ministro, Lars Løkke Rasmussen, se mostrou receptivo à mudança e sugeriu uma pena de prisão “leve” ou uma sanção em forma de serviços à comunidade por violar uma lei que o governo defende por punir uma prática que vai contra os valores da sociedade dinamarquesa.

O jornal conservador “PostJyllands-em”, defensor de uma linha dura em imigração e muito crítico com o islã, qualificava em um editorial a norma de “paródia” e considera que viola valores fundamentais como o direito de escolher vestimenta e de manifestar as convicções religiosas.

Vozes do exterior também se somaram à polêmica, como a do ex-ministro das Relações Exteriores do Reino Unido Boris Johnson, que em um artigo de opinião publicado há alguns dias no jornal “Daily Telegraph” comparava mulheres de burca com uma “caixa de correio” e “ladrões de bancos”.