Norte-coreanos indicam que preferem ser sul-coreanos

21/12/2017 20:07 Atualizado: 21/12/2017 20:12

As empresas estatais de impressão da Coreia do Norte estão tendo de imprimir uma gama mais ampla de calendários de 2018 à medida que despencam as vendas dos calendários que glorificam o regime da família Kim.

“Você pode ver uma mudança na atitude pública em relação aos calendários. À medida que os anos passam, calendários que retratam a propaganda da Avenida Ryomyong, orfanatos e a montanha Paektu tornam-se cada vez menos populares”, disse uma fonte em Pyongyang ao Daily NK em 19 de dezembro.

Com a diminuição das vendas, os chamados calendários de glorificação da família Kim também caíram de preço, enquanto calendários com estrelas de cinema, comida, cerâmica e paisagens ganharam popularidade.

A fonte disse que acredita que as preferências na mudança dos calendários refletem o sentimento público em relação ao líder Kim Jong-un e a predileção por assuntos mais interessantes ao invés da “propaganda enganosa”.

Coreia do Norte, Coreia do Sul, ideologia, socialismo, liberdade - O líder norte-coreano Kim Jong-un assiste a um desfile militar que comemora o 85º aniversário do estabelecimento do Exército Popular da Coreia, nesta foto divulgada pela mídia estatal KCNA em 26 de abril de 2017 (KCNA via Reuters)
O líder norte-coreano Kim Jong-un assiste a um desfile militar que comemora o 85º aniversário do estabelecimento do Exército Popular da Coreia, nesta foto divulgada pela mídia estatal KCNA em 26 de abril de 2017 (KCNA via Reuters)

Esse sentimento forçou as editoras estatais, como a Foreign Languages Publishing House e a Korea Stamp Company, a solicitarem aprovação para produzir calendários livres da propaganda para que pudessem ganhar mais dinheiro para o governo.

“Hoje em dia, inclusive a Pyongyang Publishing House deve responder à demanda dos clientes ou correr o risco de se ficar atrás na competição”, disse a fonte.

A mudança é pequena, mas significativa quando considerada em conjunto com outras indicações de que algo começou a mudar no isolado reino.

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A Coreia do Norte faz todo o possível para bloquear a entrada de informações externas no país, mas, apesar das punições severas, incluindo o encarceramento, os filmes e programas de televisão sul-coreanos contrabandeados estão tendo um impacto profundo na sociedade.

Os programas de TV podem até derrubar o regime, disse um especialista.

“Os cidadãos não se preocupam com a propaganda estatal, mas veem cada vez mais filmes e dramas sul-coreanos importados ilegalmente. O sistema interno de controle está enfraquecendo dia a dia”, disse o desertor Thae Yong-ho, ex-vice-chefe da embaixada da Coreia do Norte em Londres, ao Congresso estadunidense em novembro.

Coreia do Norte, Coreia do Sul, ideologia, socialismo, liberdade - Thae Yong-ho, ex-vice-chefe da embaixada da Coreia do Norte em Londres que desertou para a Coreia do Sul no ano passado, testemunha perante a Comissão das Relações Exteriores da Câmara dos EUA, em Washington, D.C., em 1º de novembro de 2017 (Samira Bouaou/The Epoch Times)
Thae Yong-ho, ex-vice-chefe da embaixada da Coreia do Norte em Londres que desertou para a Coreia do Sul no ano passado, testemunha perante a Comissão das Relações Exteriores da Câmara dos EUA, em Washington, D.C., em 1º de novembro de 2017 (Samira Bouaou/The Epoch Times)

Thae disse que uma maneira de derrubar o frágil regime norte-coreano é simplesmente romper seu bloqueio de informações e fazer programas de entretenimento projetados para desfazer a lavagem cerebral na Coreia do Norte.

“Agora sabemos que os sistemas comunistas da União Soviética e dos países do Leste Europeu caíram como resultado da disseminação de informações do estrangeiro”, disse Thae ao Comitê das Relações Exteriores da Câmara em Washington, D.C., em 1º de novembro.

“Na verdade, o muro de Berlim não teria colapsado facilmente se o povo da Alemanha Oriental não assistisse regularmente a TV da Alemanha Ocidental.”

De acordo com as próprias autoridades norte-coreanas, as mídias e ideias estrangeiras são tão tóxicas que podem dissolver rapidamente o Estado socialista.

Num longo artigo publicado em junho, dois estabelecimentos de propaganda norte-coreanos apelaram à Coreia do Norte, “Rejeitemos a intoxicação ideológica e cultural imperialista!” O artigo advertiu os norte-coreanos contra o “envenenamento ideológico e cultural imperialista” e pediu uma “ofensiva ideológica revolucionária” que transformaria a “frente cultural” em “uma fortaleza inexpugnável”.

Coreia do Norte, Coreia do Sul, ideologia, socialismo, liberdade - Uma mulher se protege do frio num porto em Rason, no extremo nordeste da Coreia do Norte, na fronteira com a China e a Rússia, em 21 de novembro de 2017 (Ed Jones/AFP/Getty Images)
Uma mulher se protege do frio num porto em Rason, no extremo nordeste da Coreia do Norte, na fronteira com a China e a Rússia, em 21 de novembro de 2017 (Ed Jones/AFP/Getty Images)

“Na sociedade socialista, a ideologia e a cultura imperialistas, a corrupta ideia capitalista, não devem ser toleradas em nenhuma circunstância. É uma verdade comprovada pela história que, se a menor manifestação da corrupta ideia capitalista for tolerada, a própria sociedade socialista não pode existir.”

“As ideias corrompidas espalhadas pelos imperialistas são mais perigosas do que as bombas atômicas para os países no processo de construção socialista”, continuou.

O artigo afirma que essas ideias destroem a fé no socialismo e deixam as pessoas “desarmadas ideologicamente”. Para combater essa ameaça, esse artigo exige que a “corrupta ideologia burguesa” seja “totalmente eliminada da Terra”.

“É imperativo estabelecer uma rede fina como um mosquiteiro em todos os domínios da vida social. É importante bloquear completa e principalmente os canais por meio dos quais o veneno ideológico e cultural imperialista pode se infiltrar.”

Mas, apesar da forte ênfase do regime na pureza ideológica, os sinais crescem de que a cultura sul-coreana importada já penetrou na sociedade.

Coreia do Norte, Coreia do Sul, ideologia, socialismo, liberdade - A banda pop sul-coreana Infinite, cujos membros ostentam cabelos levemente tingidos, numa conferência de imprensa sobre sua 1ª Turnê Mundial, em Seul, em 10 de junho de 2013 (Starnews/AFP/Getty Images)
A banda pop sul-coreana Infinite, cujos membros ostentam cabelos levemente tingidos, numa conferência de imprensa sobre sua 1ª Turnê Mundial, em Seul, em 10 de junho de 2013 (Starnews/AFP/Getty Images)

Parte disso é porque a Coreia do Norte teve de tolerar um mercado livre limitado depois que a fome reivindicou milhões de vidas na década de 90. Nos mercados locais, ou jangmadang, que formam grande parte da economia informal do país, revendedores vendem de tudo, desde comida até calendários.

Os mercados introduziram um novo nível de escolha na Coreia do Norte e se tornaram o elemento determinante da geração nascida durante a fome, agora conhecida como a “Geração Jangmadang“.

Esta geração adoptou audazmente tendências aparentemente inócuas da Coreia do Sul, como clarear e tingir os cabelos, relatou o Daily NK.

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“Um número cada vez maior de jovens prefere os penteados capitalistas ao invés do antigo estilo Joseon (norte-coreano) de cabelo”, afirmou uma fonte na província de Hamgyong do Norte ao Daily NK em 21 de abril.

“Já havia pessoas que clareavam levemente os cabelos há alguns anos, mas recentemente esse número aumentou dramaticamente”, disse ela.

O regime norte-coreano vê o tingimento do cabelo como um comportamento antissocialista e proíbe-o oficialmente, mas os jovens ignoram o regulamento, uma mudança expressiva de atitude em relação à autoridade do Estado de partido único.

Coreia do Norte, Coreia do Sul, ideologia, socialismo, liberdade - Uma vista do crepúsculo na cidade de Seul, a capital da Coreia do Sul (Sean Pavone/iStock)
Uma vista do crepúsculo na cidade de Seul, a capital da Coreia do Sul (Sean Pavone/iStock)

A mídia sul-coreana também inspirou novos estilos de dança e uma mudança no uso da palavra sul-coreana “geonbae” para “Saúde!”, e não a norte-coreana “chukbae“, quando fazendo um brinde.

Mas embora o regime não tenha tomado medidas duras a respeito das mulheres norte-coreanas estarem adotando ideias de beleza dos dramas da Coreia do Sul, há maior preocupação com a popularidade da mídia sul-coreana entre as forças de segurança.

“Existe um ditado na Coreia do Norte que os agentes de segurança ‘têm dois corações’”, disse uma fonte ao Daily NK.

“Eles têm que rastrear e punir os indivíduos culpados de se engajar numa atividade que eles também apreciam.”

“A popularidade da mídia estrangeira entre a elite das forças de segurança, a primeira linha de defesa que protege o regime da família Kim, é um claro sinal de fraqueza no sistema ideológico do país.”