WASHINGTON—É fácil esquecer que, apesar da queda do comunismo na União Soviética em 1989 e em seus Estados satélites da Europa Oriental, o totalitarismo comunista ainda reina na China, Laos, Vietnã, Coreia do Norte e Cuba. Para nos lembrarmos deste fato e dos mais de 100 milhões de vítimas do comunismo, a Fundação Memorial das Vítimas do Comunismo realiza anualmente em junho uma cerimônia para lembrar e homenagear as vítimas.
A Fundação Memorial das Vítimas do Comunismo (VOC) é uma organização educacional e de direitos humanos sem fins lucrativos com sede em Washington, D.C. A VOC assume a posição de que “a extensão da desumanidade do comunismo é pouco compreendida”. Uma de suas principais missões é educar o público sobre o comunismo e o enorme número de pessoas que foram mortas por sua causa.
Em 10 de junho, o presidente da VOC, Dr. Lee Edwards, presidiu a cerimônia em que o Prof. Paul Goble, um consultor, pesquisador, escritor e especialista em questões étnicas e religiosas na Eurásia, recebeu a Medalha Truman-Reagan da Liberdade. Esta distinção é concedida a indivíduos que dedicaram suas vidas opondo-se ao comunismo e à tirania.
Lee evocou o filósofo francês André Gluckman que disse que era um dever “ouvir atentamente as palavras dos poderosos, prestar-lhes atenção, alertar sobre seus perigos e proclamar as implicações terríveis ou o mal que eles podem invocar”. Ouvir com cuidado, ser vigilante, alertar e vociferar têm sido a missão de vida de Paul Goble como professor nos Estados Unidos e no exterior.
“Nenhum sistema político ou econômico tirou tantas vidas quanto o comunismo”, disse o Dr. Goble em seu discurso ao receber o prêmio.
A comemoração foi ao ar livre, na intersecção das avenidas Massachusetts e Nova Jersey, em Washington, D.C., onde há uma réplica em bronze da “Deusa da Democracia”, criada por estudantes chineses na Praça da Paz Celestial em Pequim em 1989. O Memorial das Vítimas do Comunismo, autorizado por um ato do Congresso americano, foi assinado em lei pelo Presidente Bill Clinton.
Desvantagens da mudança da política norte-americana em relação a Cuba
Na comemoração deste ano, Cuba recebeu foco especial com um painel de discussão um dia antes do evento na sede da VOC, que fica a poucos quarteirões da estátua memorial.
Marion Smith, diretor-executivo da VOC, não escondeu sua decepção com a política da administração Obama por restaurar no ano passado as relações diplomáticas com a Cuba comunista. Como introdutor do painel, ele disse que, contrariamente às suposições de algumas pessoas, a realidade em Cuba não se alterou. Num artigo de opinião em agosto passado que apareceu no Washington Post, Smith escreveu:
“O reconhecimento dos EUA ao regime dos Castro legitima o regime do partido comunista e favorece a continuidade do controle do partido em Cuba após a aposentadoria ou morte de Raul. As vítimas do regime castrista sentem que perderam seu principal aliado, os Estados Unidos.”
História de uma vítima de perseguição em Cuba
O que quer que se possa pensar dos méritos da mudança na política dos EUA, há muito sobre a Cuba comunista que o público não tem conhecimento, especialmente a brutalidade do governo dirigida ao povo cubano. Estes problemas não são comumente relatados na grande mídia, mas discuti-los está em harmonia com o propósito desta comemoração.
Sirley Ávila León, da aldeia de Limones, no município de Colômbia, Las Tunas, foi eleita em junho de 2005 para o órgão legislativo oficial em Cuba, que supostamente governa o país, mas na verdade é controlado pelo Partido Comunista de Cuba, disse ela. Ela tentou trabalhar pelo interesse dos agricultores pobres, os quais ela representa, mas descobriu que o partido era corrupto e antipático à situação deles.
As três escolas primárias que existiam em seu distrito foram demolidas devido a um projeto hidráulico do governo para a construção de um reservatório, o que deixou alguns moradores locais sem teto. As crianças tinham de andar mais de nove quilômetros por caminhos difíceis para ir à escola mais próxima. Com o apoio de seus eleitores e pressionando o governo local, ela conseguiu que uma escola fosse construída em 2007.
“O líder provincial nunca me perdoou pela construção [da escola]”, disse ela.
Numa reunião com outros funcionários do governo, “eu fui acusada pelo presidente [da reunião] de ser uma líder”, disse ela. “[O presidente] disse que minha conduta teria de ser analisada pela sede provincial do Partido Comunista de Cuba.”
Depois de três anos, o governo fechou a escola, sem levar em conta que o caminho para a próxima escola mais próxima estava intransitável, que a distância era bem longa e as dificuldades que isso trazia para os pobres locais. Quando ela e os pais se queixaram, o governo ameaçou tomar-lhes as crianças e abrigá-las numa escola para crianças com deficiência caso eles se recusassem a enviá-las para a escola designada.
Ela também estava determinada a representar sua comunidade em outras questões, mas depois de três mandatos, seu distrito foi eliminado e ela foi forçada a deixar o cargo.
“À medida que o regime aumentava sua campanha contra mim, a confiança do povo em mim crescia”, disse ela através de seu tradutor.
“Eu não tinha conhecimento da falta de direitos e da ditadura que existe em Cuba, uma ditadura que é capaz de qualquer coisa para se manter no poder e cuja reivindicação de que seu poder tem o apoio do povo é uma mentira perene,” disse Ávila,
Ela começou a falar contra a injustiça em Cuba no rádio e a colaborar com grupos de oposição do governo.
Um fim de semana, enquanto ela estava fora, sua casa foi vandalizada, seu poço d’água foi envenenado e todos os seus animais foram mortos. Ela recebeu várias ameaças de morte e foi alertada por um amigo (que posteriormente foi assassinado) “que a polícia política tinha oferecido recompensa a criminosos altamente perigosos para assassiná-la”.
Em 24 de maio de 2015, ela foi atacada em sua casa com um facão por alguém que ela identificou pelo nome e que foi enviado pelo segurança do Estado para assassiná-la, disse ela. Seu ombro, clavícula, braço direito e ambos os joelhos foram retalhados e sua mão esquerda foi decepada. Agora ela usa cadeira de rodas e seu braço esquerdo termina num toco. Além disse, ela não pôde obter ajuda da polícia ou do governo cubano, que gozam de impunidade. Ela está atualmente nos Estados Unidos para tratamento médico e disse que pretende voltar a Cuba depois de sua recuperação.
Sirley Ávila León recebeu o Prêmio VOC de Direitos Humanos no dia de sua fala e foi congratulada na manhã seguinte na cerimônia do evento.
Migração cubana dispara
Maurício Claver-Carone, diretor-executivo dos Defensores da Democracia Cubana, falou do perigo de esquecer. “Cem milhões de vítimas fatais do comunismo, mas você não ouve sobre isso”, disse ele. Isso não é história passada como o genocídio armênio, isso está ocorrendo hoje.
John Suarez, secretário do Diretório Internacional da Democracia Cubana, disse que mais de 70 mil cubanos emigraram este ano para os Estados Unidos, o que “coincidiu com os esforços para normalizar as relações com a ditadura castrista”.
Num artigo do Huffington Post, Claver-Carone escreveu que o número de cubanos que entraram nos Estados Unidos em 2015 foi de cerca de 51 mil, quase o dobro de 2014. Já com 70 mil este ano, o número de cubanos fugindo do regime comunista está aumentando. Alguns cubanos podem estar preocupados que seu status especial como exilado com direito a asilo possa desaparecer em breve com a nova relação entre os Estados Unidos e o regime dos Castro.
Suarez observou que o aumento migratório também ocorreu durante as presidências de Carter (1979-1980) e Clinton (1994-1995), quando também houve tentativas de “normalização” diplomática, e agora isso está se repetindo na administração Obama.
“A ditadura quer exportar aquelas pessoas que estão descontentes”, disse Suarez.
Suarez também observou que durante esses esforços de détente com o regime castrista, o “agravamento das condições de direitos humanos no país” se torna “um padrão comum”.
Claver-Carone, que faz lobby no Congresso dos EUA em nome de sua organização, disse que este ano já houve mais de seis mil detenções por motivos políticos, o que “quebrou todos os recordes em uma década”. No ano passado, houve 8.616, escreveu ele no artigo do Huffington Post. Em comparação, em 2010, houve 2.074 prisões e 4.123 em 2011.
Investigações da Anistia Internacional chegaram à mesma conclusão. Marion Smith, no artigo de 2015 do Washington Post, disse que a Anistia Internacional revelou que “o número de detenções de curto prazo aumentou de forma acentuada e que processos criminais politicamente motivados continuam.”
Claver-Carone também disse que mais de 250 igrejas foram demolidas este ano.
Caminho para a democratização
Julio Shiling, cientista político, escritor, conferencista e diretor do “Patria de Marti”, fórum político e empresa de publicação digital, também vê os esforços atuais da administração Obama sem qualquer perspectiva de promover a democratização e os direitos humanos em Cuba.
Shiling disse que ele distingue entre ditaduras autoritárias e ditaduras totalitárias. Casos bem sucedidos de democratização evoluíram a partir de ditaduras autoritárias, como Taiwan, Coreia do Sul, Grécia e Brasil, mas não em ditaduras totalitárias como China, Vietnã, Cuba e Laos. Para promover a democratização, o foco deve estar na política e ética, e não na economia, argumentou ele.
“É por isso que a détente [dos EUA] com o regime castrista é totalmente sem sentido se o objetivo é a democracia”, disse ele.
A principal diferença entre um regime totalitário e uma ditadura autoritária é que a sociedade civil não tem permissão para existir e florescer sob o totalitarismo. O poder político da ditadura totalitária é mantido por uma série de organizações, “projetadas para simular uma sociedade civil”.
O sistema comunista inteiro deve ser desmontado, a fim de haver a transição para a democracia, disse ele. A impunidade não pode ser tolerada como na Cuba comunista, e como exemplificado pela premiada de direitos humanos Ávila.
Shiling mencionou a influência que o comunismo cubano desempenha no cenário internacional.
“Não é possível falar hoje sobre Venezuela, Nicarágua, Equador, Bolívia e Brasil sem compreender o papel que o comunismo cubano tem desempenhando. A Venezuela é uma colônia cubana”, disse ele.
Suarez chamou a atenção para o papel de Cuba na África nas décadas de 1970 e 1980, particularmente na Etiópia. Ele disse que mais de um milhão de pessoas morreram de fome, o que foi “facilitado pelas tropas cubanas”.