Por Martin Pánek, Instituto Mises Brasil
Dois anos e cinco meses atrás, no dia 23 de junho de 2016, o Reino Unido votou para sair da União Europeia. A data de saída está atualmente marcada para 29 de março de 2019, quase três anos após a votação. Mas pode ser postergada ainda mais, pois há um arranjo de transição que pode durar até pelo menos o fim de 2020.
Pior: ainda há uma chance de que a coisa seja postergada até além das eleições gerais de 2022.
Isso seria uma enormidade: seis anos após a votação histórica.
Tanto a alta hierarquia da União Europeia quanto os medalhões do governo britânico irão dizer que tem de ser assim mesmo, pois a relação entre o Reino Unido e a União Europeia é excessivamente complexa e não pode ser desfeita muito rapidamente.
Entretanto, a história nos oferece uma perspectiva diferente. A Primeira Guerra Mundial demorou quatro anos. A Segunda Guerra, seis. Será que é mais fácil conquistar e em seguida perder todo um continente do que separar duas jurisdições pacificamente?
Em vez disso, analisemos o que houve com a Tchecoslováquia. Nasci naquele país, mas nunca penso nele como minha terra natal. E é assim porque antes mesmo de eu ir para a escola, o país já havia se transformado completamente: não só ele havia deixado de ser uma república socialista e um satélite soviético e se transformado em uma democracia liberal, como também havia se separado em duas nações.
Sendo assim, quando me tornei criança, o país em que nasci já não existia mais. Tudo o que sempre conheci, desde então, é a República Tcheca. Toda a história turbulenta — Václav Havel eleito presidente, a Revolução de Veludo, a primeira eleição livre, o início da transformação econômica, Václav Klaus eleito primeiro-ministro, o Divórcio de Veludo — aconteceu nos primeiros seis anos de minha vida.
O realmente interessante em toda essa sequência foi o Divórcio de Veludo. A seguir, um breve resumo da cronologia.
As decisivas eleições ocorridas nos dias 5 e 6 de junho de 1992 viram o partido de Václav Klaus na República Tcheca e o de Vladimír Meciar na Eslováquia obterem a maioria dos votos em seus respectivos parlamentos estaduais, bem como no parlamento federal (a Tchecoslováquia já era uma federação há 20 anos àquela data).
Como consequência, as tensões rapidamente escalaram. Os eslovacos queriam uma federação mais solta — no caso, uma confederação entre as duas repúblicas. Já os checos eram inflexíveis: ou uma federação mais centralizada ou dois países completamente independentes. Como eram medidas irreconciliáveis, o primeiro-ministro checo Václav Klaus se encontrou com o primeiro-ministro eslovaco Vladimír Meciar em Brno no dia 8 de julho e ambos concordaram em separar a federação, dissolvendo a Tchecoslováquia e criando duas nações independentes.
O acordo foi assinado no dia 26 de agosto e Václav Havel renunciou ao cargo neste ínterim (20 de julho). No dia 13 de novembro, foi promulgada uma lei estipulando como os ativos federais seriam repartidos. Doze dias depois, aprovou-se um ato anunciando a dissolução da Tchecoslováquia para o dia 31 de dezembro de 1992.
Questões complexas como a continuidade do parlamento checo, a continuidade das leis, o arranjo dos tribunais e das supremas cortes e coisas afins foram todas rapidamente decididas até dezembro. Uma nova Constituição checa foi aprovada no dia 16 de dezembro.
A Tchecoslováquia foi dissolvida à meia-noite do ano novo. Quando as pessoas acordaram na manhã seguinte, elas já tinham novas nacionalidades, e o parlamento tcheco reelegeu Václav Havel presidente no dia 26 de janeiro de 1993.
Em um período de tempo de meros seis meses, uma abrangente solução foi acordada e colocada em prática. Ativos imobilizados foram distribuídos de acordo com a proporção populacional de aproximadamente 2 tchecos para 1 eslovaco. Emendas aos tratados internacionais assinadas pela Tchecoslováquia foram negociadas e assinadas muito rapidamente pelas duas novas repúblicas, confirmando a continuação destes tratados. Em 1996, os dois países assinaram um protocolo especificando a distribuição das responsabilidades especificadas nos tratados assinados pela Tchecoslováquia.
E tudo isso aconteceu ao mesmo tempo em que a Tchecoslováquia (no caso, seus dois países componentes) estava vivenciando uma maciça transformação econômica.
A Tchecoslováquia estava privatizando estatais e terras públicas em uma escala sem precedentes e a um ritmo nunca antes visto na história do mundo. De certa forma, foi como uma combinação de Brexit com as privatizações da década de 1980 no Reino Unido, só que muito mais complicado. Ao passo que o Reino Unido da década de 1980 privatizava duas empresas por ano, a Tchecoslováquia do início da década de 1990 estava privatizando duas empresas por hora. Somadas, o valor contábil dessas empresas representava uma enorme fatia do PIB. A privatização por meio de vouchers (houve outros métodos de privatização), sozinha, englobou empresas que valiam um terço do PIB da Tchecoslováquia. Tudo isso ocorreu exatamente ao mesmo tempo em que as repúblicas estavam se separando.
E não nos esqueçamos do fato de que a Tchecoslováquia também era uma união monetária. A ideia original era que a moeda, a coroa tchecoslovaca, seria mantida pelos dois países, mas, após a separação, ela não durou nem dois meses, sendo então substituída pela Coroa checa e pela Coroa eslovaca.
Onde há vontade, há um jeito. Duas coisas tornaram possível a separação pacífica do país: a insistência de Václav Klaus de que tudo tinha de acontecer rapidamente, antes que os grupos de interesse e os poderosos lobbies tanto empresariais quanto de funcionários públicos pudessem se organizar e criar uma bem-sucedida defesa do status quo; e o fato de que os dois recém-criados governos, apesar de toda a tensão entre eles, trabalharam conjuntamente para impingir, de boa fé, todos os acordos atuais e antigos. Sempre que surgiam diferenças ou questionamentos, eles procuravam soluções amigáveis nas quais nenhum dos lados poderia se gabar de ter saído vencedor. O objetivo sempre era manter possível a cooperação futura.
Ninguém estava propondo divórcios litigiosos ou moções ridículas, como proibir aviões de sobrevoar o espaço aéreo, reter caminhões nas fronteiras, não reconhecer licenças, ou um país continuar tendo jurisdição sobre o outro pelos próximos 100 anos. Tempo e boa fé eram a essência de tudo.
Se os checos e os eslovacos foram capazes de separar todo um país em seis meses, então certamente Londres e Bruxelas podem encontrar uma maneira de extrair uma nação-membro muito mais rapidamente do que em seis anos.
Martin Pánek é diretor do Instituto Liberal de Praga
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