Por David T. Jones
Ao longo de sua existência moderna, o Líbano frequentemente debruçou-se à beira do desastre, e mais do que ocasionalmente precipitou-se no golfo.
Com uma população dividida entre cristãos e muçulmanos sunitas e xiitas, a estrutura política reflete essa circunstância. O presidente, por exemplo, deve ser um cristão maronita; o primeiro-ministro, um muçulmano sunita; o presidente do Parlamento, um muçulmano xiita; e o vice-primeiro ministro e o vice-presidente do Parlamento, ortodoxos orientais. Até 1990, quando o Acordo de Taif encerrou a guerra civil de 1975-1990, os cristãos detinham uma maioria de 6 para 5 no Parlamento; o acordo igualou a proporção cristão-muçulmana.
O Líbano não realiza um novo censo desde 1932 por medo de descobrir oficialmente a realidade, que a porcentagem da população muçulmana aumentou significativamente. Assim, na sua base, o Líbano vive uma mentira com todas as consequências associadas a essa mendacidade.
Apesar dessas tensões inerentes, o Líbano ia bem até a guerra civil de 1975-1990. O país era relativamente calmo e reconhecido como próspero, caracterizado pelo turismo, agricultura, comércio e sistema bancário.
O poder financeiro e a diversidade granjearam-lhe a alcunha de “Suíça do Oriente” durante a década de 1960, e Beirute, como um lugar de entretenimento para os árabes relaxarem seus grilhões nacionais, foi chamada de “Paris do Oriente Médio”. Ou, “O que acontece em Beirute, fica em Beirute.”
A tensão sectária em 1975 culminou na guerra civil entre cristãos e muçulmanos. Os cristãos pediram e receberam a intervenção síria para acalmar a luta (mas conseguir a entrada dos sírios foi muito mais fácil do que fazê-los sair).
Um grande esforço foi direcionado à remoção de membros da Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Uma Força Multinacional (FMN), incluindo os Estados Unidos, França, Itália e Reino Unido, supervisionou a sua remoção em 1982. No entanto, aos olhos dos libaneses, a FMN se transformou numa oportunidade para a intervenção de Israel, e caminhões-bomba suicidas em outubro de 1983 explodiram a base da Marinha dos EUA matando 220 fuzileiros navais e outros militares estadunidenses, fazendo deste incidente o dia mais mortal para o Corpo de Fuzileiros desde Iwo Jima.
Simultaneamente, caminhões-bomba atacaram o quartel francês, matando 55 tropas francesas. Este desastre seguiu-se ao ataque de abril de 1983 contra a embaixada dos Estados Unidos que efetivamente a destruiu, matando 63 americanos e libaneses.
Compreensivelmente, o governo dos EUA não tem estado interessado numa intervenção militar adicional, unilateral ou multilateral.
A luta esporádica continuou, marcada por atrocidade, massacre, assassinato, invasão israelense e destruição contínua do país.
O Acordo de Taif de 1989 trouxe a paz, mas a um preço. Todas as milícias foram dissolvidas, exceto o Hezbollah. E o Hezbollah é considerado uma organização terrorista por muitos, incluindo os Estados Unidos, Israel, Arábia Saudita e outros Estados árabes.
O país está praticamente estagnado por 25 anos, como uma coleção de espadas empilhadas. Sem perder o drama, em fevereiro de 2005, o ex-primeiro-ministro Rafik Hariri (pai do atual primeiro-ministro) foi assassinado por um enorme carro-bomba. Pelo menos um resultado positivo foi a reação popular ao atentado que forçou a retirada há muito procrastinada das forças sírias.
A última década viu o Líbano lutando para se recuperar econômica e politicamente, enquanto seus políticos serviam como representantes do Irã (o presidente Michel Aoun) e da Arábia Saudita (o primeiro-ministro Hariri) em seus combates na Síria e em outros lugares da região.
Uma consequência foi os mais de um milhão de refugiados, agravando as tensões intercomunitárias.
Daí ao atual imbróglio. Hariri, que detém cidadania libanesa, saudita (e, muito silenciosamente, francesa), renunciou em 4 de novembro (ou talvez não), optando por fazê-lo da cidade de Riade, a capital saudita.
Essa ação gerou uma infinidade de explicações e extrapolações. Em várias iterações, considerou-se que Hariri foi sequestrado pelos sauditas e forçado a demitir-se; que Hariri estaria tentando pressionar outros elementos libaneses a forçarem o Hezbollah a deixar o poder; e/ou uma tentativa saudita de forçar a família Hariri a entregar o controle econômico de uma empresa localizada na Arábia Saudita.
Mas a liderança libanesa insistiu que Hariri deve retornar ao Líbano para se demitir oficialmente. E, num acordo aparentemente negociado pelo presidente francês Macron, Hariri (após várias datas de partida anunciadas) apareceu em Paris em 18 de novembro, encerrando o equivalente político internacional do jogo infantil “Onde no mundo está Carmen Sandiego?”
Então, o que vem a seguir? O suposto desejo de Hariri de pressionar pela remoção do Hezbollah e simultaneamente remover a influência política iraniana parece ser quixotesco na melhor das hipóteses. Felizmente, a probabilidade de outro ataque direto do Hezbollah a Israel e de um grande contra-ataque israelense agora parecem improváveis.
Talvez não fosse mais do que um ataque de nervos de alguém essencialmente não politico que temia ser assassinado (e deixou a esposa e filhos na Arábia Saudita). Teoricamente, ele planeja um retorno de 22 de novembro para comemorar o Dia da Independência do Líbano, uma data em que os americanos se lembram como o dia em que JFK foi assassinado.
David T. Jones é um oficial de carreira sênior aposentado do serviço estrangeiro do Departamento de Estado dos Estados Unidos que publicou inúmeros livros, artigos, colunas e análises sobre questões bilaterais estadunidense-canadenses e política externa em geral. Durante sua carreira de mais de 30 anos, seu foco foram questões político-militares, servindo como conselheiro de dois generais do Exército. Entre seus livros, está “Alternative North Americas: What Canada and the United States Can Learn from Each Other“