Japão luta para se definir

03/01/2018 20:43 Atualizado: 08/05/2018 11:53

Por David T. Jones

Por mais de 70 anos, o Japão luta com um legado de agressão decorrente de seus ataques contra Pearl Harbor, nos Estados Unidos, e em toda a Ásia, enquanto ao mesmo tempo professa vitimização por ser o único país atingido por armas nucleares.

Para muitos americanos, o apelo à “vitimização” é risível; nossa resposta é “Não mais Pearl Harbor; não mais Hiroshima.”

Mas, apesar do legado de agressão e da subsequente documentação de revolver o estômago sobre o tratamento por tropas japonesas de civis chineses e prisioneiros de guerra dos EUA, o Japão rapidamente se tornou um aliado inestimável. Impulsionado pela necessidade de bases japonesas durante a Guerra da Coreia, a partir de 1950, e como contramedida em relação à China comunista após a vitória comunista no país em 1949, Washington relevou Pearl Harbor e os prisioneiros de guerra para criar um contrapeso regional.

Ao mesmo tempo, num esforço para criar uma neutralização do tipo “nunca mais” a agressão japonesa, sua Constituição nacional (essencialmente escrita por autores dos EUA e rotulada como “Constituição de MacArthur”) incluiu disposições destinadas a limitar as forças armadas a ações defensivas.

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A estabilidade da “Interface Quadrilateral” de longa data para o Nordeste da Ásia (Rússia, China, Japão, Coreia) foi garantida pela presença militar dos EUA e, finalmente, por uma cobertura nuclear dos EUA que protege o Japão e a Coreia do Sul.

Durante a década passada, porém, todas as circunstâncias têm sido alteradas. Moscou optou essencialmente por recuar da ação no Extremo Oriente. Seul tornou-se um grande poder econômico, enquanto também desenvolveu forças militares suficientes para resistir ao ataque convencional de Pyongyang. Pequim tornou-se uma enorme força econômica global com capacidade militar potencialmente dominante na região. O mais surpreendente de tudo, Pyongyang, ao fazer enormes sacrifícios econômicos, juntamente com restrições sociopolíticas draconianas aos seus cidadãos, tornou-se uma potência nuclear, talvez com a capacidade de lançar mísseis balísticos intercontinentais (ICBMs) e assim ameaçando todo o território dos Estados Unidos e, mais imediatamente pertinente, Tóquio.

Tóquio não viu qualquer desses desenvolvimentos com especial entusiasmo. Seul é um concorrente econômico/comercial acirrado. Pequim reviveu as disputas territoriais sobre as Ilhas Senkaku no Mar do Leste da China e está fazendo o equivalente internacional a provocações do tipo “chutando areia” enquanto fortifica e militariza as ilhas do Mar do Sul da China. Pequim tomou o lugar de Tóquio como figura central na Ásia.

O mais inquietante, em muitos aspectos, é a ameaça de Pyongyang, que permanece implacavelmente hostil, incluindo o sequestro de japoneses para servir como instrutores de língua para potenciais espiões norte-coreanos. A realidade fria é que a queda de armas nucleares da Coreia do Norte em cidades japonesas de fato destruirá o Japão. Ao mesmo tempo, a cobertura nuclear dos Estados Unidos parece cada vez mais esburacada do que queijo suíço quando a liderança japonesa reflete sobre a credibilidade da vontade do governo dos EUA de sacrificar suas principais cidades para salvar as do Japão, se confrontados com a chantagem nuclear de Pyongyang.

E dada a retórica perniciosa que emana de Pyongyang numa base praticamente diária, ninguém na região é otimista de que seu poder nuclear de mísseis balísticos pode ser dissuadido por combinações tradicionais de diplomacia, sanções e contramedidas militares.

A discrição sendo a melhor parte do valor; o primeiro-ministro japonês Shinzo Abe, que acabou de fortalecer sua posição política ao ganhar uma “supermaioria” nas eleições de outubro, está manobrando para remover as limitações constitucionais sobre a ação militar do país. Cada vez mais honrada ou reconhecida nessa circunstância oportuna, a revisão da Constituição daria as “Forças de Autodefesa” do Japão a autoridade legal oficial para agir de forma mais agressiva e cooperar mais intensamente com as forças dos EUA.

Já operando um dos maiores contingentes de aviões de combate F-15 (mais de 200), o Japão planeja comprar mais de 40 caças F-35 e considera basear uma variante em navios de guerra criando o equivalente a mini-porta-aviões com os furtivos F-35, que seriam capazes de atingir alvos norte-coreanos.

Além disso, o Japão anunciou a compra de mísseis superfície-superfície de cruzeiro que poderiam ser usados contra os locais de mísseis de Pyongyang.

O Japão também “incrementou suas capacidades” defensivamente com uma infinidade de sistemas antimíssil, incluindo dois sistemas terrestres AEGIS (Aegis Ashore); Moscou reclamou sobre a recente decisão de compra de Tóquio (e foi ignorada). O Aegis Ashore complementará os seis cruzadores de mísseis Aegis que o Japão já opera para uma possível defesa contra um ataque de Pyongyang.

Finalmente, embora seja uma questão “a portas fechadas” e comentada apenas em tons sussurrados, quanto tempo levaria para que Tóquio desenvolva sua própria dissuasão nuclear? Estimativas privadas variam de alguns anos até apenas o tempo que levaria para tirar as armas do armazenamento seguro. Se a África do Sul pôde desenvolver armas nucleares em total sigilo, o Japão certamente poderia fazê-lo também. Tóquio tem material físsil nuclear suficiente e engenheiros sofisticados; o caminho para a capacidade nuclear está bem avançado.

Um líder japonês prudente, considerando a mutabilidade do compromisso de defesa dos Estados Unidos, pode atuar para desenvolver sua dissuasão nuclear, se é que já não o fez.

David T. Jones é um oficial de carreira sênior aposentado do serviço estrangeiro do Departamento de Estado dos Estados Unidos que publicou inúmeros livros, artigos, colunas e análises sobre questões bilaterais estadunidense-canadenses e política externa em geral. Durante sua carreira de mais de 30 anos, seu foco foram questões político-militares, servindo como conselheiro de dois generais do Exército. Entre seus livros, está “Alternative North Americas: What Canada and the United States Can Learn from Each Other