O governo de Salva Kiir, o presidente do Sudão do Sul, está usando comida como uma arma de guerra para atacar a população civil, bloqueando ajuda humanitária vital em algumas áreas, disseram os monitores das Nações Unidas ao Conselho de Segurança num relatório confidencial visto pela Reuters em 10 de novembro.
Durante 2016 e 2017, os monitores da ONU disseram que uma campanha militar conduzida tropas governamentais na cidade de Wau, no noroeste do país, e nas áreas circundantes em Bahr el-Ghazal ocidental visava civis por motivos étnicos e teria deslocado mais de 100 mil.
“Durante grande parte de 2017, o governo impediu deliberadamente que ajuda alimentar vital chegasse a alguns cidadãos”, escreveram os monitores. “Essas ações equivalem a usar a comida como uma arma de guerra com a intenção de infligir sofrimento aos civis que o governo vê como oponentes em sua agenda.”
“A proibição da ajuda [humanitária] causou insegurança alimentar extrema entre grandes setores da população, com desnutrição e morte por fome como resultado documentado, em particular na região do Grande Baggari, no condado de Wau”, disseram os monitores no relatório apresentado ao Comitê de Sanções do Sudão do Sul, que responde ao Conselho de Segurança da ONU.
Os representantes do Sudão do Sul nas Nações Unidas não responderam imediatamente a um pedido de comentários sobre o relatório dos monitores.
O Sudão do Sul entrou em guerra civil no final de 2013, dois anos após terem se tornado independentes do Sudão, e um terço de sua população de 12 milhões fugiu de suas casas. O conflito foi provocado por uma disputa entre o presidente Kiir, da etnia dinka, e seu ex-vice Riek Machar, da etnia nuer, que está detido na África do Sul.
A ONU advertiu que a violência no Sudão do Sul criava “terreno fértil” para um genocídio.
Nikki Haley, o embaixador dos EUA na ONU, visitou Juba, a capital do Sudão do Sul, no final do mês passado, quando disse a Kiir que os Estados Unidos perderam a confiança em seu governo e ele corria o risco de perder o apoio de Washington se não buscasse a paz.
“Catastrófico”
Os monitores da ONU informaram que o governo negou regularmente o acesso da ajuda humanitária a certas partes da população, em particular áreas fora da cidade de Wau, que foi visitada pelos embaixadores do Conselho de Segurança da ONU em setembro do ano passado.
“Uma dessas áreas, o Grande Baggari, é digna de nota pela natureza persistente e sistemática das negativas de acesso do governo e pelas condições humanitárias catastróficas que enfrentam”, disseram os monitores independentes da ONU.
Em agosto, o governo aliviou as restrições, permitindo que grupos de ajuda distribuíssem alimentos e ajuda vital a mais de 12 mil pessoas no Grande Baggari. Aldeias foram saqueadas e queimadas e as colheitas foram destruídas, disseram os monitores.
Uma missão humanitária disse aos monitores da ONU que 164 crianças e idosos morreram de fome e doença entre janeiro e setembro de 2017.
O relatório dos monitores descobriu que, apesar das condições catastróficas no Sudão do Sul, as forças armadas, grupos e milícias, particularmente os afiliados a Kiir e ao vice-presidente Taban Deng Gai, continuaram a “impedir ativamente as operações humanitárias e de manutenção da paz”.
As forças de paz da ONU foram implantadas no Sudão do Sul desde 2011.
Um bloco da África Oriental, a Autoridade Intergovernamental para o Desenvolvimento (IGAD), coordenou duas rodadas de diálogos de paz ao longo de dois anos, culminando num breve acordo de compartilhamento de poder assinado por Kiir e Machar em 2015. Mas mesmo enquanto a IGAD pede um novo cessar-fogo, as partes em conflito se preparam para mais lutas.
“A próxima estação de seca no Sudão do Sul, na ausência de uma mudança na atual dinâmica do conflito, verá mais combates e sofrimento civil, já que o governo continua a perseguir a vitória militar em detrimento de um compromisso político”, escreveram os monitores da ONU.