Familiares de presos políticos venezuelanos denunciam centro de tortura e maus-tratos da ditadura de Maduro

Cobertos com capuzes e sem identificação – como fazem membros de quadrilha – carcereiros da penitenciária Rodeo 1 mantêm detentos em condições desumanas, os agridem física e psicologicamente e ameaçam parentes dos prisioneiros.

Por Igor Iuan
28/05/2024 20:40 Atualizado: 30/05/2024 23:37

Após passar por reforma durante um ano, a prisão Rodeo 1 foi reinaugurada em 18 de fevereiro de 2024. Presídio de segurança máxima e com histórico de maus-tratos a detentos, vem sendo palco de crueldade e horrores contra opositores do regime ditatorial de Nicolás Maduro, na Venezuela. Um dia após a reinauguração, 45 presos políticos foram transferidos para lá, sem justificativa tampouco notificação às suas famílias e advogados.

Funcionários sem identificação, que usam capuzes diante dos quais apenas seus olhos podem ser vistos – tais como assaltantes ou sequestradores; falta de abastecimento básico; proibição do envio de água, comida ou lençóis pelas famílias dos presos; obrigação de dormir e comer no mesmo local onde fazem as suas necessidades; e tortura física e psicológica. Essas são algumas das situações desumanas sofridas pelos presos políticos que ousaram contrariar a ditadura comunista de Maduro, como é relatado na página do Instagram Realidad Helicoide – @realidadhelicoide.

Em reportagem para o veículo de notícias argentino Infobae, a jornalista venezuelana Sebastiana Barráez contou um pouco sobre as violações de direitos humanos dentro da penitenciária Rodeo 1. Ela realiza cobertura de temas militares e publica inúmeras denúncias sobre irregularidades nas Forças Armadas.

Barráez, inclusive, teve um pedido de prisão por parte do Ministério Público de seu país, através do procurador aliado de Maduro, Tarek Willian Saab, em janeiro deste ano. Na época, o Sindicato Nacional dos Trabalhadores da Imprensa venezuelana repudiou as acusações contra a jornalista. Outra que também foi perseguida judicialmente por Saab foi a advogada e defensora dos direitos humanos, Tamara Suju, como relata o site LatAm Journalism Review.

Os dois tenentes: colegas de esporte e tortura 

O cárcere de Rodeo 1 é comandado por dois tenentes-coronéis: Alexander Enrique Granko Arteaga e Carlos Enrique Rincones Serven – vulgo Tiburón e diretor do presídio. Ambos se formaram no mesmo ano, 2003, na Academia Militar da Guarda Nacional Bolivariana (GNB).

Granko comanda a Direção de Assuntos Especiais (DAE), um setor da Direção Geral de Contrainteligência Militar (DGCIM). Identificada em relatório de 2019 como um órgão de tortura pela Organização das Nações Unidas (ONU), mais precisamente no Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos, a DGCIM é ligada diretamente ao ditador Nicolás Maduro. 

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Tenente-coronel Carlos Enrique Rincones Serven, conhecido como Tiburón, diretor da prisão de alta segurança El Rodeo I (Reprodução / Redes sociais)

Em março deste ano, o veículo de notícias Crusoé denunciou um “vídeo promocional” da DGCIM, no qual a ditadura Maduro tenta convencer profissionais de imprensa venezuelanos a participarem de um “curso”, cujo objetivo seria “desestigmatizar” o órgão especializado em tortura. O vídeo tenta dar um caráter lúdico à experiência, chamada de curso de “Capacitação de Jornalismo de Guerra”.

“É um curso em que se aprende a manejar suas emoções. O pessoal da DGCIM… todos sabem que eles têm sido completamente atacados e estigmatizados – na verdade é um pessoal humano. São pais, irmãos e amigos”, diz uma das convidadas para o “treino”. 

Contudo, não é o que pensa Sebastiana Barráez. Para a jornalista investigativa, Granko tem sido um dos arquitetos da tortura psicológica e do terror contra idosos, mulheres e principalmente crianças.

Essa mesma prática é aplicada com ainda maior rigor por Rincones, enquanto diretor de Rodeo 1. O presídio está subordinado ao Ministério Penitenciário da ditadura Maduro, cuja ministra é a vice-almirante Celsa Sirley Bautista Ontiveros. Dos guardas ao diretor, todos são adeptos e executores da tortura implementada por Granko, da DGCIM.

Rincones havia sido nomeado em 7 de agosto de 2018 diretor geral do Gabinete de Gestão Administrativa, setor vinculado ao Ministério do Petróleo. Este, por sua vez, era na época chefiado por Manuel Salvador Quevedo Fernández, general da Guarda Nacional Bolivariana (GNB). Em setembro do ano passado, entretanto, Rincones deixou o cargo, até que foi nomeado diretor de Rodeo 1; onde nem todos, mas a maioria dos detentos estão lá por motivos políticos.

Carcereiros agem como assaltantes e sequestradores

Sem mostrar seus rostos, funcionários da Rodeo 1 não apresentam nenhum tipo de identificação. O que todos trazem no boné e no ombro é o nome SESMAS como sigla de algum serviço ou instituição, que não está registrado no Ministério Penitenciário. Ou seja, na prática não existe oficialmente.

Os nomes também são fictícios, tal como numa ação criminosa de quadrilheiros. O vice-diretor é conhecido como “Warlock”. O chefe do regime é “Isaac” ou “Raiden”. Dentre os carcereiros homens, estão vários codinomes: “Flokio, Denver, Rio, Igor, Carros, Mufasa, Strong, Thor, Bakurio, Troy, Centurion, CR7, Fox, Lancelot, Atom e Apolo”. Já as guardas mulheres atendem por “Merlina, Cataleya, Cruz e Miranda”. 

Presos políticos e familiares sofrem ameaças constantes

A queixa comum de todos os familiares é que, assim que seus entes queridos foram transferidos para Rodeo 1, perderam peso drasticamente. O local é extremamente quente e alguns foram atacados por mosquitos. Uma das coisas mais humilhantes e degradantes ​​é que nas minúsculas celas quase não há espaço para dormir. Além disso, está instalada uma latrina ao lado do local onde dormem e comem. Isto é agravado pelo problema de abastecimento e qualidade da água, que tem causado nos presos políticos doenças estomacais.

As idas ao pátio duram aproximadamente 45 minutos e são quase diárias. Cartas são aceitas se o conteúdo passar pela censura. A ameaça é constante. Aos presos, proibindo-lhes visitas e aos familiares, interrompendo-os caso digam algo que os guardas não gostem. Eles colocam capuzes nos parentes para que passem por um local até a sala onde possam ver e conversar com o detento através de um vidro.

Andreína Baduel, irmã do preso político Josnar Baduel, revelou à ONG Espacio Público, a imposição de uma sanção que a proíbe de visitar o irmão: “Eles deram uma palestra para os familiares e, caso disséssemos alguma coisa sobre as condições de lá, seríamos proibidos de visitar. E hoje isso é um fato”.

Em decorrência da tortura sofrida dentro da prisão política, o jovem Josnar adquiriu vários problemas de saúde: rupturas de ligamentos, hérnias e outras patologias. Devido a este tratamento cruel por parte dos carcereiros da ditadura de Maduro, Josnar precisa urgentemente de tratamento médico – o que lhe está sendo negado.

“Desde o primeiro dia ele tem sido muito ameaçado, muito torturado. E nas condições em que se encontra, há pouco que ele possa dizer. Porque, além disso, a visita não só fica registrada como também colocam guardas em cima de ti, para que não consigas sequer fazer sinais. Mas só de ver meu irmão, sei que ele não está bem. Sei que ele não aguenta a dor porque pode me dizer isso em código”, denunciou Andreína Baduel.