No início de agosto, o mundo ficou apreensivo com a troca de farpas entre os Estados Unidos e a Coreia do Norte. Toda aquela retórica agressiva terminaria em um confronto nuclear? Grande parte do público e da imprensa acreditava que, caso o presidente americano, Donald Trump, não tratasse o ditador norte-coreano com mais cordialidade, visto como um louco pelo grande público, Kim Jong-Un apertaria o botão que daria início ao pesadelo.
Como analisado pelo Epoch Times, a Coreia do Norte caminhava rumo ao isolamento caso a tensão continuasse sua escalada. Finalmente, o país seria abandonado por seus aliados: Rússia e China. Assim, em 15 de agosto, Pyongyang desistiu de incendiar a ilha de Guam com seus mísseis balísticos.
Os desdobramentos desse embate ainda não estão claros. A China passa por um momento de mudança política, e, até que o novo Comitê Permanente do Politburo seja definido, não é possível saber até onde Pequim apoiará Pyongyang.
Além disso, não se sabe ao certo o quanto o poder político de Kim Jong-Un está consolidado na Coreia do Norte, pois é desconhecido o nível de controle do ditador sobre o Departamento de Organização e de Liderança (DOL) do Partido dos Trabalhadores da Coreia, órgão que exerce de fato o poder no país. Fica, então, em aberto a pergunta de se Kim permaneceria no poder caso o cenário se dirigisse a um futuro catastrófico.
No entanto, apesar de todas as incertezas, algumas inferências podem ser feitas à luz de Clausewitz. Carl von Clausewitz foi um general prussiano e filósofo da guerra, que viveu entre os séculos XVIII e XIX. É conhecido pelo seu livro ‘Da Guerra’, o qual deixou incompleto. Faleceu de cólera, em 17 de novembro de 1831, ao comandar o exército prussiano na fronteira com a Polônia, em um esforço para conter uma epidemia da doença.
Coreia do Norte
A primeira questão que se coloca é: o que pretende a Coreia do Norte com o desenvolvimento de seu potencial nuclear? Fazer guerra, ou desenvolver os meios para obter vantagens de outras nações?
Sendo um país pequeno, sem grandes perspectivas futuras de crescimento econômico ou avanço tecnológico de ponta, é questionável que o interesse de Pyongyang seja o de fazer guerra, posto que não teria como sustentá-la sozinho, e seus aliados, China e Rússia, se mostraram desfavoráveis a que as coisas tomem esse rumo.
Uma interrupção das relações com a China seria cataclismática para a economia da Coreia do Norte. De acordo com o website World’s Top Exports, a China representa mais de 80% das exportações e importações feitas por Pyongyang. Minério e produtos da indústria têxtil compõem mais de 70% das exportações.
Tendo nada a ganhar e tudo a perder, no caso de uma iniciativa de ataque aos EUA, é possível deduzir que, para a Coreia do Norte, o uso mais provável de seu programa de desenvolvimento de armas nucleares é como meio de dissuasão: ao intimidar o mundo com seu potencial nuclear e sua retórica beligerante, Pyongyang pode fixar um valor para o resgate — e esse valor pode vir em forma de investimentos em seu país, aos moldes dos feitos na China e na Coreia do Norte por Bill Clinton, na década de 1990.
Logo, a não ser que encurralada a ponto de fazer surgir verdadeiramente uma intenção hostil na elite política do país, pode-se apostar que a Coreia do Norte não pretende iniciar uma guerra e, muito menos, usar o seu arsenal nuclear num ataque preventivo contra os Estados Unidos.
Contudo, devido ao secretismo que envolve a elite política norte-coreana, atualmente é difícil avaliar que linha, se cruzada, provocaria a intenção hostil no Departamento de Organização e de Liderança (DOL).
O DOL foi criado pelo ditador Kim Il-Sung em 1948, para supervisionar e implementar as suas decisões. Mas a partir de 1974, quando Kim Jong-Il foi empossado como chefe do departamento, a estrutura e a jurisdição do DOL foram modificadas, de forma a dar cada vez mais poder a Kim Jong-Il, filho de Kim Il-Sung.
Quando Kim Jong-Il se tornou o líder supremo da República Democrática Popular da Coreia (RDPC), em 1997, todas as decisões importantes no país já passavam pelo Departamento de Organização e de Liderança.
O atual líder do DOL é desconhecido fora da Coreia do Norte. Ao que tudo indica, Kim Jong-Un, atual ditador da RDPC, não se tornou chefe do departamento, como seu pai, nem conseguiu indicar um aliado para o posto. Apesar de antigos aliados de Kim Jong-Il terem sido eliminados do cenário político, Kim Jong-Un não conseguiu tocar na elite política que permanece no DOL.
No entanto, estes fatores não excluem a possibilidade de o país ao norte de Panmunjom direcionar a sua retórica beligerante aos países asiáticos próximos. Havendo perdido um terreno seguro para ameaçar e intimidar os EUA, Pyongyang continuará com sua tática de intimidação àqueles que ainda não encurralaram a ditadura Juche, buscando, provavelmente, obter as benesses conseguidas anteriormente em forma de doações. Kim Jong-Un se utiliza desta artimanha para jogar a imprensa internacional contra seus adversários visando a vir a ter, assim, suas chantagens atendidas.
Já os aliados da Coreia do Norte — Rússia e China — neste cenário, farão o papel de good cop, vendendo a imagem de que estão tratando a questão com sabedoria. Desta forma, pretenderão induzir a opinião pública internacional — esta quimera — para a direção de tratar Pyongyang com brandura. Manter o regime norte-coreano de pé faz parte da estratégia geopolítica traçada pelo bloco russo-chinês na Guerra Fria.
Durante o embate entre capitalismo e comunismo, durante o século XX, os soviéticos e os chineses patrocinaram insurgências em países vizinhos, para formar uma cortina de Estados satélites ao seu redor. Caso os países capitalistas quisessem invadir a União Soviética ou a China, precisariam, antes, conquistar esses territórios vizinhos — daí, a Guerra da Coreia e a Guerra do Vietnã. E é também por conta desse pensamento estratégico que a Rússia sempre criticará o aumento da presença militar da OTAN em países do Leste Europeu e a China comunista sempre se oporá ao aumento da presença militar estadunidense na Coreia do Sul.
Estados Unidos
A forma como os ex-presidentes norte-americanos lidaram com a questão da Coreia do Norte foi, no mínimo, ambígua. E, no presente momento, ainda não foi estudado em que medida assessores e os serviços de inteligência tiveram influência nessa postura permissiva por parte dos EUA. Ou em que medida a facção do ex-líder chinês Jiang Zemin, que esteve no poder por mais de uma década, exerceu pressão para que o governo norte-americano não fosse mais duro com a Coreia do Norte.
Como noticiado pelo Epoch Times, Jiang Zemin e seus aliados são suspeitos de favorecerem Pyongyang com o necessário para desenvolver o seu programa nuclear. Esse grupo possui um longo histórico de abusos e violações a tratados: em 1999, violando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, Jiang Zemin ignorou a legislação chinesa e deu início à repressão ao Falun Gong, uma prática meditativa tradicional chinesa, que ainda perdura.
O primeiro presidente americano a oferecer um acordo com a RDPC foi Bill Clinton, em 1994: foram transferidos US$ 4 bilhões em benefícios, para que Pyongyang pusesse um fim ao seu programa nuclear.
É importante ressaltar que a campanha presidencial de Bill Clinton recebeu doações de financiadores chineses em 1996. Como reportado, nessa época, a aliança entre a China e a Coreia do Norte era muito sólida, devido ao laços entre a facção de Jiang Zemin e a elite política da RDPC.
Foi apenas na administração Bush que os EUA acusaram a RDPC de possuir armas de destruição em massa. Demorou oito anos para que o acordo feito na era Clinton fosse cancelado. No entanto, o governo Bush acabou por adotar via semelhante, após criar uma espécie de fórum para debater o assunto com outras grandes potências, acordando o envio de US$ 400 milhões em comida e combustível, para que Pyongyang cancelasse o seu programa nuclear.
No governo Obama, muitos acreditaram que algum progresso estava ocorrendo, apesar de o mesmo acordo ter novamente se repetido: parar o programa nuclear, em troca do envio de comida. Em 2012, Kim Jong-Un, recém-empossado, concordou em parar as pesquisas.
Não se pode afirmar a preexistência de uma intenção hostil dos Estados Unidos para com Pyongyang. Foram-se duas décadas fazendo acordos que nunca foram cumpridos pela RDPC. Os descumprimentos nunca levaram a consequências realmente graves para a ditadura ao norte de Panmunjom. Se os americanos intencionavam desarmar o inimigo, não adotaram a melhor estratégia.
Quanto a esses acontecimentos, pode-se conjecturar dois cenários. Ou a elite do poder norte-americana possui interesses ocultados do público, e para alcançar esses objetivos abriu mão de lidar adequadamente com a ameaça apresentada por Pyongyang; ou ela se tornou decadente e pusilânime, evitando a todo custo qualquer confronto com as grandes potências.
Para Vilfredo Pareto, intelectual italiano com profundo impacto no estudo sociológico das elites, este último quadro seria sinal do fim da mobilidade social nos EUA — os mais aptos não estariam conseguido se tornar parte da elite — e de o poder estar nas mãos da ala pacifista (rentistas) do escol americano.
Contudo, aprofundando o raciocínio, nada impede que esses dois cenários ocorram em conjunto. Para o primeiro caso, temos a campanha de Bill Clinton, que recebeu financiamento da elite política chinesa, e a campanha de Hillary Clinton, que recebeu financiamento da elite política da Arábia Saudita. Já para o segundo, temos George W. Bush participando de um fórum para dialogar sobre a questão Coreia do Norte ao invés de cobrar o cumprimento do acordo que custou US$ 4 bilhões ao seu país.
Donald Trump
Até o momento, o atual presidente americano, Donald Trump, se esforça para passar a imagem de que não é como os presidentes anteriores que estavam envolvidos com o globalismo e mais propensos ao diálogo do que à ação.
Uma de suas plataformas de campanha foi dar novo vigor à economia norte-americana, trazendo de volta empresas que estabeleceram suas fábricas no exterior e combater algumas práticas abusivas no mercado internacional — como, por exemplo, as adotadas pela China — que acabam por afetar negativamente os produtos dos Estados Unidos.
Além disso, no início de abril desse ano, Donald Trump ordenou que a base área síria de Shayrat fosse bombardeada, retaliação a um ataque químico feito pelo regime de Bashar al-Assad. A base estava sob a proteção das tropas russas.
Após as declarações de Kim Jong-Un no início do segundo semestre deste ano, de que a Coreia do Norte se tornou capaz de desferir um ataque nuclear a qualquer parte dos EUA, Trump passou a adotar um discurso que indica o surgimento de uma intenção hostil e o desejo de desarmar o seu inimigo.
Tal escalada retórica de ambas as partes pode maximizar uma corrida armamentista. Os Estados Unidos irão, pelo menos, garantir que o seu sistema antimísseis seja capaz de lidar com os mísseis intercontinentais norte-coreanos. E a Coreia do Norte provavelmente acelerará o seu programa nuclear.
Contudo, para atacar a Coreia do Norte, o presidente dos EUA precisará da permissão do bloco russo-chinês, ou ter posto o bloco em uma situação tal que ajudar Pyongyang seja pior do que não ajudar. E, ao fazer isso, atuar de forma que Kim Jong-Un não ordene o disparo de seus mísseis, ou, caso os dispare, que o THAAD seja capaz de interceptá-los.
THAAD é a sigla para Terminal High Altitude Area Defense (Terminal de Defesa de Alta Altitude), sistema antimísseis projetado para destruir mísseis balísticos — mísseis que atingem as camadas mais altas da atmosfera, percorrendo uma trajetória suborbital para atingir o alvo.
Seguindo essa linha, recentemente o governo Trump aplicou sanções a 16 empresas e cidadãos chineses e russos, por ajudar a Coreia do Norte em seu programa nuclear e de desenvolvimento de misseis balísticos, e por auxiliá-los na geração de renda para a manutenção do programa.
A medida implementada pelo Departamento do Tesouro americano bloqueia qualquer bem que essas empresas e pessoas tenham ao alcance da jurisdição norte-americana, além de impedir que qualquer cidadão dos Estados Unidos faça qualquer tipo de negócio com eles.
Por fim, não será surpresa também que, doravante, no esforço de prosseguir com seu desenvolvimento bélico, a RDPC evitará fazer propaganda, para não atrair a hostilidade dos EUA. Ela alardeará o seu poderio apenas quando estiver segura de sua posição e de que fazê-lo não acarretará maiores problemas.
A derrota
“A derrota como mal transitório, a que as circunstâncias políticas ulteriores poderão fornecer um remédio”, descreve Clausewitz em seu livro. Aplicando o conceito, neste momento pré-guerra, recuar e ceder para se fortalecer e buscar uma posição mais favorável no futuro é um cenário aceitável apenas para a Coreia do Norte, não para os EUA.
A derrota para Pyongyang — ceder à pressão de Donald Trump — pode implicar destruir seu programa nuclear, mas manter a atual elite política no comando.
Contudo, para os Estados Unidos, a derrota significa que a Coreia do Norte continuará a desenvolver o seu programa nuclear. Tal cenário seria de grande risco para a América do Norte, pois se já há problemas e tensão atualmente, tende a piorar se Kim Jong-Un vir a possuir um sistema extremamente sofisticado de mísseis intercontinentais.
É do interesse dos EUA, portanto, seguir pressionando por meios econômicos, nas instâncias políticas internacionais e através de retórica beligerante na imprensa. Mas, talvez, a mesma conduta não seja do interesse de Pyongyang.
A escalada da tensão, na velocidade imposta pelo presidente Trump, torna-se um jogo extremamente perigoso para a Coreia do Norte. E, ao que tudo indica, quanto mais este jogo se prolongar, mais os Estados Unidos disporão de seus meios para isolar a ditadura comunista de seus aliados.
Nesse ritmo, será apenas uma questão de tempo até que a Coreia do Norte se veja completamente isolada. Somado ao fato de que, após anos de ameaças ao Ocidente e testes com armas nucleares condenados pela comunidade internacional e inclusive por seus aliados, Kim Jong-Un não conseguirá convencer ninguém de que eles são as vítimas.
A quinta coluna
É muito mais fácil para Pyongyang usar como objetivo político o argumento de defesa de seu território do que é para Washington. Por ser um Estado totalitário, detentor de todo o fluxo de informações no país, a Coreia do Norte pode fazer com que as massas aceitem qualquer móbil inicial alegado pelo regime ditatorial.
No entanto, o mesmo não pode ser dito sobre o presidente Donald Trump. Isto porque o establishment está contra ele, tanto o seu partido, quanto o partido rival. Mesmo que ele e seus estrategistas estejam certos em seus cálculos, a imprensa e os políticos discursarão de forma a vesti-lo com trajes de tolo.
Conforme descreve o filósofo Olavo de Carvalho em seu livro O Jardim das Aflições, as massas possuem sérios problemas para discernir a verdade em meio a uma campanha maciça de propaganda.
O establishment norte-americano acaba por atuar como inimigo de seu próprio país, pois, ao tentar impedir que o objetivo político apresentado por Donald Trump na questão não adquira a força necessária de convencimento, os EUA estarão mais propensos a abandonar qualquer disposição de agressão à RDPC.
A atuação negativa do establishment pode ser ilustrada pela forma como a maior parte da imprensa americana lidou com a declaração “fire and fury”, as respostas dadas por Trump às ameaças de Kim Jong-Un. Grande parte dos jornalistas e dos políticos condenaram a atitude do presidente americano. Contudo, como previsto pelo Epoch Times, ao responder ao alerta de Trump, Pyongyang estava apenas fazendo uso de sua retórica habitual, não levando até o fim sua ameaça de atacar a ilha de Guam.
Como já dito, no longo prazo, deixar tudo como está favorecerá o desenvolvimento do potencial bélico nuclear da Coreia do Norte, colocando em risco a população norte-americana.
Isto posto, é provável que, para evitar a manipulação midiática do establishment norte-americano e o confronto direto com Pyongyang — o que poderia gerar problemas internos para Trump ou atrair para o confronto o bloco russo-chinês — Donald Trump esteja movendo suas peças de modo a provocar uma tensão tão grande que termine obrigando os atuais aliados da Coreia do Norte a derrubar e substituir a atual elite desse país por outra, menos arredia.
Não ocorrendo tal cenário, nem o fim definitivo do programa nuclear norte-coreano, Trump e sua equipe terão de se mostrar estrategistas habilidosos para conseguir ir à guerra contra a Coreia do Norte sem que os Estados Unidos sofram os danos de um ataque nuclear e sem que a Rússia e a China saiam em defesa de Pyongyang.
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