A nova estratégia de segurança nacional do presidente estadunidense Donald Trump recebeu elogios de uma fonte improvável: um estudioso da política externa chinesa que é bem conhecido na China por seus escritos sobre a competição entre os EUA e a China. Ele diz que a nova estratégia de Trump, se implementada, poderia ajudar rapidamente a restaurar o poder dos EUA em todo o mundo e a desafiar a expansão da China.
O documento de estratégia, divulgado no mês passado, apresenta o plano da gestão Trump para enfrentar os “poderes revisionistas” da Rússia e da China. O documento foi amplamente percebido como visando especialmente o regime chinês, que o plano e vários conselheiros e funcionários de Trump percebem como a maior ameaça à segurança nacional e aos interesses dos Estados Unidos e seus aliados nas próximas décadas.
Embora a nova estratégia de Trump tenha sido elogiada por muitos especialistas em política externa, ela também recebeu algumas críticas partidárias. O New York Times, por exemplo, chamou-a de “um olhar para dentro e imprevisível”.
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Entre os que louvaram o plano está Yan Xuetong, um dos mais influentes e conhecidos pensadores de política externa da China e o diretor do Instituto de Relações Internacionais Modernas da prestigiada Universidade Tsinghua da China.
Numa entrevista recente com o China Global Times, uma mídia estatal porta-voz do regime chinês, o acadêmico veterano chinês disse que os desenvolvimentos de 2017 confirmaram parcialmente uma previsão que ele fez em 2016 que a ascensão de Trump à presidência intensificaria o crescente conflito entre os Estados Unidos e a China.
Tendo publicado numerosos escritos analisando a política externa da China e sua concorrência com os Estados Unidos pelo domínio global, Yan foi descrito como o mais influente “realista” da política externa da China, alguém que vê a ordem internacional como predominantemente moldada pela competição entre grandes poderes.
De acordo com Yan, antes de Trump, a “visão do estabelecimento” entre a comunidade de política externa dos EUA via a manutenção da liderança dos EUA existente em todo o mundo como naturalmente nos melhores interesses estratégicos do país. Essa liderança, no entanto, pode se tornar um esforço caro sem contribuições suficientes dos aliados dos EUA, como Trump argumentou repetidamente. Também poderia enganar os Estados Unidos a investirem no que Yan descreveu frequentemente em seus escritos acadêmicos como “amizade superficial” com concorrentes estratégicos, como a China, ignorando as intenções e ações que são fundamentalmente hostis aos Estados Unidos.
A principal diferença entre as estratégias de Obama e Trump, de acordo com Yan, é que Obama se concentrou em manter a “liderança política” em todo o mundo, enquanto Trump vê a dinâmica econômica e a concorrência como a consideração mais importante.
Yan disse que Trump vê o declínio no poder nacional dos EUA como o problema mais crítico e quer redefinir as prioridades da política externa dos EUA para impulsionar a economia doméstica e assim fortalecer o poder global da nação. Essa visão não é “isolacionismo”, como muitos críticos ocidentais incorretamente rotularam isso, disse Yan. Em vez disso, é uma estratégia previsível para lidar com os novos desafios enfrentados pelos Estados Unidos na era da globalização.
O último documento de estratégia de segurança nacional dos EUA representa uma tentativa de combinar a visão antiga do estabelecimento e o pensamento de Trump, disse Yan. Enquanto ele concordou com muitas críticas ocidentais que o compromisso de Trump com os aliados americanos poderia tornar-se uma “oportunidade” para a China explorar, ele argumentou que a nova estratégia poderia ser bem-sucedida se implementada.
“Se a gestão Trump realmente fizer políticas de acordo com a nova estratégia de segurança nacional, isso poderia superar rapidamente a diferença entre as duas abordagens diferentes e, portanto, levaria os Estados Unidos a restaurarem sua influência em todo o mundo”, disse Yan, numa passagem omitida na versão publicada em inglês da entrevista.
Na mesma entrevista, Yan também implicou que era inevitável que líderes como Trump emergissem no Ocidente e liderassem um impulso contra a expansão da China, porque “o surgimento de grandes poderes vem inevitavelmente com a competição estratégica e os conflitos de interesse”.
Esse impulso não se limitaria ao “aspecto material”, mas também visa a cultura, valores e pensamentos que a China procura projetar no Ocidente e em outros lugares. A recente reação global contra a influência da China, de acordo com Yan, também foi inevitável e provavelmente se espalhará para mais países no ano de 2018.
Um conto de dois Yan Xuetongs
O fato de o proeminente estudioso da política externa da China ver a nova estratégia de Trump com tanta consideração é uma indicação de que as melhores mentes entre os adversários dos Estados Unidos podem levar Trump muito mais a sério do que alguns especialistas e adversários políticos em seu próprio país.
Há pelo menos uma explicação para o porquê os observadores ocidentais da China não conseguiram tomar nota de tal declaração da voz de política externa possivelmente mais influente da China; a avaliação positiva de Yan sobre Trump não foi traduzida para o inglês, ou, mais precisamente, foi intencionalmente alterada ou censurada no processo de tradução, o que equivocaria os leitores ocidentais.
A entrevista de Yan foi originalmente publicada em 26 de dezembro de 2017 pela edição chinesa do Global Times, com uma tradução parcial em inglês publicada no mesmo dia. A tradução em inglês fez numerosas alterações às citações de Yan, além de exclusões.
Não se sabe por que o Global Times fez o esforço de censurar parcialmente a entrevista de alto calibre com Yan quando decidiu traduzir a matéria para publicação em seu website em inglês.
Há evidências, no entanto, de que Yan, como muitos outros estudiosos veteranos e intelectuais públicos, fornece mensagens propositadamente aos repórteres e leitores ocidentais que são totalmente diferentes do que ele realmente diz à sua audiência doméstica.
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Esse engano é evidente num longo artigo recentemente publicado pela revista The New Yorker, em que Evan Osnos, um escritor americano altamente crítico de Trump, descreve de forma colorida como Yan compartilhou pessoalmente com ele uma avaliação negativa sobre Trump num jantar privado de “bolinhos, tofu e carne de porco misturados e fritos” em Pequim.
De acordo com Osnos, a crítica de Yan a Trump chegou ao ponto de dizer-lhe que “os Estados Unidos sofrerão [sob Trump]” e que Trump é o “Mikhail Gorbachev americano”, que hoje em dia os chineses em geral acreditam como o líder que provocou o colapso da União Soviética.
O que Yan disse a Osnos pode ser comparado ao que Yan publica em sua página pessoal no Weibo, um serviço chinês similar ao Twitter. Lá ele publica regularmente na língua chinesa para um público doméstico. Ele não faz qualquer sugestão de que tem pensamentos negativos em relação ao presidente americano Trump, sobre outros líderes mundiais ou muito menos sobre a liderança da política externa do regime chinês.
Pelo contrário, Yan frequentemente adverte seus seguidores chineses no Weibo que o trabalho de Trump pelo ressurgimento doméstico dos EUA e sua adesão aberta aos princípios do realismo nas relações internacionais podem se tornar sérios obstáculos para a China numa ampla gama de áreas como o comércio entre os EUA e a China, Coreia do Norte, Japão, Taiwan e a região da Ásia-Pacífico em geral.
“O que, em última instância, define a relação entre um poder forte e um poder fraco?”, perguntou Yan a seus seguidores no Weibo numa postagem recente, referindo-se a uma citação famosa do antigo historiador grego Tucídides que afirma que os fortes fazem o que podem e os fracos sofrem o que devem no domínio da concorrência entre grandes poderes.
“Somente o forte define o relacionamento”, respondeu um seguidor chinês no Weibo, ao qual Yan agradeceu por apontar o óbvio.
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