Economia da imigração

11/03/2017 17:11 Atualizado: 11/03/2017 21:17

Os imigrantes transformaram os Estados Unidos numa superpotência, vindo primeiramente da Inglaterra, e posteriormente da Alemanha, Irlanda, França, Rússia e do Leste Europeu.

Os EUA tinham uma política de fronteiras abertas. Praticamente qualquer pessoa que chegasse de barco a Ilha de Ellis era registrada e depois liberada para fazer o seu caminho na nação em crescimento.

Hoje, há leis complexas que regulam a imigração, o que leva à pergunta: Se funcionou melhor no passado, deveríamos retornar ao sistema de fronteira aberta do século XIX? Infelizmente, um simples “sim ou não” não serve como resposta.

A economia da imigração é complexa e mudou desde tempos passados. Para entender suas vantagens e desvantagens é preciso entender os incentivos econômicos dos diferentes sistemas de imigração.

O mercado na Rua Mulberry em Nova York no início do século XX. A Pequena Itália em Manhattan é um exemplo clássico de como imigrantes originários da mesma nação se estabeleceram em aglomerações em seu novo país. (Biblioteca do Congresso)

Modelo de mercado livre

No passado, o mercado livre estabelecia a estrutura de incentivos e a imigração servia seu propósito, embora não sem atritos.

Hoje, os incentivos são ditados pelo governo e geram consequências econômicas não intencionais, e vencedores e perdedores.

Se o objetivo da imigração é fortalecer economicamente uma nação, então as fronteiras abertas servem bem aos Estados Unidos: isso atrai trabalhadores, empresários e cientistas de todo o mundo que agregam valor à emergente sociedade dos Estados Unidos.

No entanto, isso só foi possível devido à estrutura de incentivos da época.

No século XIX, não havia Estado de bem-estar social. Os imigrantes que chegavam de barco tinham de correr atrás para ganhar a vida, desta forma acrescentando valor econômico por definição. Se não fizessem isso, morreriam ou teriam que ir embora. A punição criminal era severa e muitos crimes resultavam em pena de morte.

Assim, os imigrantes tinham de se adaptar aos costumes, às leis e à cultura, ou não seriam capazes de criar suficiente valor econômico para ter sucesso.

“Isso funcionava como um filtro, então você desejaria vir e fazer dar certo. Pessoas fizeram grandes sacrifícios para vir aqui, aprender os costumes locais e tornarem-se capitalistas”, disse Dan Oliver, diretor do Comitê de Pesquisa Monetária e Educação, um instituto de reflexão baseado em Nova York.

O significado original do termo capitalista é alguém que possui capital, quer sob a forma de poupança bancária ou de investimentos empresariais.

“As pessoas vinham sem capital e tinham que ganhar o capital. Você se mudou para cá, ninguém lhe deu nada”, disse Oliver.

De acordo com George Borjas, professor de economia da Universidade de Harvard e especialista em economia do trabalho e imigração, uma mudança nas leis que dificultou a imigração após a década de 1920 suavizou os efeitos das ondas de imigração em massa do século XIX.

A Lei de Imigração de 1924 introduziu um sistema de quotas baseado nas origens nacionais das pessoas que já estavam nos Estados Unidos. Se houvesse 10 milhões de pessoas de origem alemã vivendo nos Estados Unidos, então um máximo de 2% desse número, ou 200.000 alemães, poderia obter um visto.

“Nós mudamos a política [de imigração] para dificultar a imigração. Com a mudança de política e a depressão na década de 1930, bem como a 2ª Guerra Mundial, tivemos um longo período com poucos imigrantes e isso deu tempo para a migração da era da Ilha de Ellis poder integrar-se ao sistema”, disse Borjas.

Os imigrantes tiveram tempo para aprender inglês, adaptar-se às leis e costumes locais e conquistar uma posição econômica. Seus filhos puderam frequentar as universidades americanas antes que uma nova onda de imigrantes, desta vez da América Latina, começasse a chegar a partir da década de 1960.

Trabalhadores agrícolas mexicanos no Colorado em 2011. Embora migrantes pouco qualificados ganhem pouco nos Estados Unidos, programas de bem-estar social e educação gratuita podem tornar mais fácil e atraente para os migrantes criarem suas famílias aqui do que em seus países de origem. (John Moore/Getty Images)

Incentivos de bem-estar social

Nos Estados Unidos de hoje, a simples estrutura de incentivos para os candidatos à imigração foi distorcida além do reconhecimento.

A imigração legal é agora administrada por meio de um sistema de vistos complicado. Os imigrantes gastam milhares de dólares em advogados de imigração, dinheiro que poderia ser usado para investir num negócio ou em educação.

Dar entrada numa petição de residência permanente custa entre 205 e 1.100 dólares apenas em taxas. O custo dos advogados de imigração pode facilmente adicionar outros 5 a 10 mil dólares.

A imigração que não cumpre estas leis complicadas, e por isso é ilegal, é tolerada pelo Estado. Cidadãos de países de baixa renda veem as oportunidades econômicas e os benefícios de bem-estar social nos Estados Unidos e estão chegando em números recordes.

Havia 11,1 milhões de imigrantes ilegais nos Estados Unidos em 2014, segundo o Pew Research Center, com pouco mais da metade proveniente do México.

Os salários que esses trabalhadores ganham podem beneficiar o país. Borjas estima que há um benefício líquido para a economia nacional dos EUA de 50 bilhões de dólares por ano, decorrente de toda a migração até o momento, tanto legal quanto ilegal, por causa do aumento da atividade econômica.

Por outro lado, há uma redistribuição da renda dos trabalhadores nativos para as empresas – no valor de 516 bilhões de dólares por ano – por meio de salários mais baixos.

“O seu empregador pode contratar pessoas muito mais facilmente. Mesmo que você esteja em pior situação, o seu empregador está em melhor situação. A sua perda é o ganho do seu empregador”, disse Borjas. De acordo com um de seus estudos, para cada aumento de 10% no número de trabalhadores, os salários nessa indústria diminuem em 3%. Imigrantes e empresas locais ganham, os trabalhadores locais perdem.

A maioria dos imigrantes ilegais trabalha por salários baixos e não é elegível para bem-estar social. Mas mesmo os salários baixos oferecidos pelo setor privado são melhores do que o que conseguiriam em seu local de origem.

Trabalhadores migrantes do México fazem fila para receberem vacinas contra a gripe numa fazenda no Colorado. Embora a maioria dos migrantes ilegais se limite a empregos pouco qualificados, muitos sentem que estão em melhor situação do que em seus países de origem, onde as gangues e a violência podem dominar o mercado de trabalho e a vida pública. (John Moore/Getty Images)

Além disso, o bem-estar social disponível para crianças nascidas nos EUA, o apoio para imigrantes financiado por fundos privados e a possibilidade de enviar dinheiro para seus países de origem incentivam milhões de migrantes pobres e sem instrução a atravessarem a fronteira ilegalmente.

“A imigração para os Estados Unidos tem sido desproporcionalmente de baixa capacitação, e o Estado de bem-estar social é projetado para prestar assistência a trabalhadores de pobre qualificação”, disse Borjas.

Porque as crianças nascidas de imigrantes ilegais são automaticamente cidadãos, mesmo que o migrante original não receba qualquer bem-estar social, suas crianças são elegíveis para acessar os recursos do Estado, incluindo vale-refeição, educação gratuita e Medicaid (assistência de saúde).

Segundo Borjas, 42% das famílias de não cidadãos (3,7 milhões no total) receberam alguma forma de benefício social em 2016.

Famílias de imigrantes, incluindo os legais e ilegais, receberam em média 6.234 dólares em benefícios federais por ano, o que é 41% maior do que a média de 4.431 dólares por domicílio nativo, segundo o Centro de Estudos da Imigração.

Diferentemente do passado, quando sustentar a família era uma obrigação do indivíduo, hoje, se o chefe da família não é capaz de prover apenar por meio de salários do mercado, o Estado assume os custos. Portanto, é economicamente benéfico para pessoas de países de baixa renda migrarem para os Estados Unidos, porque criar uma família aqui é muito mais seguro e barato.

Torna-se então uma questão de como o governo deve dividir seus recursos limitados entre a população nativa e os imigrantes e suas famílias.

Porque o Estado de bem-estar social permite que os imigrantes proporcionem uma vida melhor para si e suas famílias, mais pessoas vêm e permanecem do que sob o sistema de mercado livre do século XIX, quando cerca de 25% dos que vieram eventualmente voltaram para casa.

“Antigamente, muitas coisas eram diferente, você vinha e, se você não tinha sucesso, você voltava [para seu local de origem]”, disse Borjas.

O afluxo maciço de pessoas que competem por empregos baratos influencia então o mercado de trabalho, e a mão-de-obra local é afastada em alguns casos, embora não em todos, provocando uma reação da população nativa.

Devido à natureza da imigração ilegal, formam-se aglomerações de imigrantes. A integração com o resto da sociedade é mais difícil, e às vezes menos desejável, em comparação com tempos anteriores.

No passado, competir por recursos econômicos forçou as pessoas a adotarem a língua e os costumes locais, ou então não teriam sucesso. O Estado de bem-estar social oferece incentivos diferentes.

“Agora há evidências de que há menos integração, o Estado paga por tudo, então você não precisa se integrar”, disse Borjas.

Além disso, em contraste com o século XIX, as punições criminais são agora menos severas e não conduzem automaticamente à deportação. Assim, até os elementos criminosos podem preferir servir tempo de prisão nos EUA, em comparação com viver em comunidades violentas em seu país de origem, por exemplo.

Um inspetor de imigração realiza exames oftalmológicos em imigrantes que chegam a Ilha de Ellis em Nova York no início do século XX. (Arquivos Nacionais)

Trabalho de alta qualificação

A imigração qualificada por meio do sistema de vistos, embora complexa e dispendiosa, tem a vantagem de que os trabalhadores estrangeiros conseguem empregos altamente remunerados e começam a agregar valor à economia imediatamente.

Imigrantes da Índia, por exemplo, são agora o grupo étnico mais rico do país, ganhando uma renda média de 100.547 dólares em 2013, segundo o Departamento do Censo dos EUA. Isso foi quase o dobro da renda média de todos os americanos, 51.939 dólares.

“Os imigrantes entram, trazem habilidades, trazem conhecimento, mas também têm um impacto sobre o salário prevalecente, o que não é diferente da imigração ilegal”, disse Borjas. “Você acha que Mark Zuckerberg quer os vistos H-1B para seus trabalhadores estrangeiros por causa da bondade de seu coração?”

Nascido na Baviera, Alemanha, em 1829, Levi Strauss emigrou para os Estados Unidos aos 18 anos. Depois de trabalhar no negócio de produtos secos da família em Nova York, ele mudou-se para São Francisco em 1853 para abrir o ramo da Costa Oeste do negócio, adicionando barracas e jeans à linha de produtos que se tornou a famosa marca Levi Strauss & Co.

Depois que o presidente Donald Trump tentou proibir temporariamente a imigração de sete países, mais de 120 empresas, incluindo Airbnb, eBay, Facebook, Google, Intel, Netflix e Uber, entraram com uma ação judicial na Corte de Apelações de São Francisco enfatizando a importância dos imigrantes para a economia dos EUA.

“Os imigrantes fazem muitas das maiores descobertas da nação e criam algumas das empresas mais inovadoras e icônicas do país”, afirma o texto.

Nascido no sul da Alemanha em 1879, Albert Einstein foi para a universidade em Zurique, Suíça, e depois emigrou para os Estados Unidos para escapar à perseguição em 1933. Ele passou o resto de sua vida ensinando no Instituto de Estudos Avançados em Princeton, Nova Jersey.

De empresários como Levi Strauss até os inventores e físicos Nikola Tesla e Albert Einstein, bem como economistas como Friedrich Hayek e Joseph Schumpeter, gênios imigrantes encontraram o ambiente certo na América, e o país tem colhido os frutos.

“Os Estados Unidos nunca foram autossuficientes em ciência. Sempre houve um grande afluxo de conhecimento científico das universidades técnicas europeias”, disse James Nolt, professor de relações internacionais na Universidade de Nova York. “Sem a imigração, não temos nenhuma indústria de alta tecnologia.”

De acordo com o Instituto de Educação Internacional, quase 75% dos 124.861 professores estrangeiros no ano letivo de 2014-2015 estavam nas áreas de ciência, tecnologia, engenharia e matemática (STEM). China, Índia, Coreia do Sul e Alemanha enviam a maioria dos estudiosos estrangeiros.

Nascido de pais sérvios na atual Croácia em 1856, Nikola Tesla frequentou a Universidade Graz de Tecnologia no Império Austro-Húngaro, estudando física, mas nunca se graduou devido a um vício em jogos de azar. Em 1884, Tesla emigrou para Nova York, onde inventou o motor elétrico de corrente alternada e fez várias descobertas nos campos da engenharia elétrica e mecânica.

No entanto, também é verdade que o processo de visto H-1B, em particular, é altamente complicado e favorece empresas de grande tecnologia em detrimento de concorrentes menores e trabalhadores locais qualificados que estão enfrentando pressão salarial.

“Isso é um sintoma das empresas de tecnologia tentando mante seus custos baixos. Se a Microsoft tiver de pagar 60 mil dólares em vez de 40 mil dólares, seus lucros serão menores”, disse Robert Brusca, da empresa de consultoria Fact and Opinion Economics.

Assim, o teorema fundamental de mais trabalhadores e salários mais baixos também é válido no setor de alta tecnologia e alta qualificação, especialmente para ciências e engenharia. Os imigrantes e as grandes empresas se beneficiam, enquanto os trabalhadores locais perdem.

Por causa da globalização e da imigração, os trabalhadores altamente qualificados americanos estão agora competindo com pessoas da China, da Índia e de outras partes do mundo – uma reserva de mão-de-obra total de bilhões de pessoas.

Embora a Índia, por exemplo, ainda seja um país em desenvolvimento, os 2 milhões de imigrantes nascidos na Índia que vivem nos Estados Unidos representam alguns dos melhores e mais brilhantes de um povo de 1,25 bilhão.

O fator cultura

A competição por empregos qualificados começa antes mesmo da imigração. Os europeus, os chineses e os melhores da Índia mostram melhor desempenho em matemática e ciências do que seus colegas americanos, começando na escola primária.

“Há muito a ser feito para melhorar as escolas nos Estados Unidos. O nível é bastante baixo em muitas áreas. Algumas escolas de ensino médio nem sequer oferecem cálculo”, disse Nolt.

Segundo Nolt, o baixo nível de especialização local em ciência e engenharia também está enraizado na cultura americana.

“As pessoas não veem a engenharia como um caminho fácil de seguir na sociedade. Por exemplo, considere os programas de TV e filmes. Quantos são sobre advogados ou policiais? Quantos shows são sobre médicos? E quantos são sobre cientistas e engenheiros?”

“Quando você tem um sistema que paga demasiadamente contadores, advogados e banqueiros e paga pouco a engenheiros, então você tem que importá-los do estrangeiro”, disse Oliver, do Comitê de Pesquisa Monetária e Educação.

De acordo com a Fundação da Ciência Nacional, em 2010, 27% dos trabalhadores em ciência e engenharia eram nascidos no estrangeiro.

Outro estudo da fundação indica que a matrícula de nativos americanos em graduações de ciências e engenharia caiu 5% entre 2008 e 2014, enquanto a inscrição de estrangeiros nos mesmos cursos aumentou em 35%. Atualmente, as universidades americanas se tornaram dependentes do talento estrangeiro para preencher suas cadeiras de ciência.

Em 2015, as universidades públicas americanas arrecadaram 9 bilhões de dólares em mensalidades e taxas de estudantes estrangeiros, que representam 12% da população estudantil, mas pagaram 28% da arrecadação total, segundo uma análise da SelfScore.

Regulamentação

Além dos problemas estruturais da educação americana e das atitudes em relação aos trabalhos científicos e de engenharia, há também um problema de regulamentação do mercado de trabalho.

Porque imigrantes por vezes não são elegíveis para certos benefícios e regalias, além de ganharem salários mais baixos, é mais atraente contratá-los.

Por exemplo, porque os vistos H-1B estão ligados ao patrocinador original, o imigrante é mais dependente da empresa contratante porque ele ou ela não pode simplesmente mudar de emprego como um trabalhador local. A empresa tem poder sobre o trabalhador.

“Você transformou o mercado de trabalho numa lancheira japonesa, e isso torna difícil encontrar a pessoa certa para o posto certo. Se você varrer esses regulamentos, o mercado de trabalho fica mais dinâmico”, disse Brusca.

Por fim, quando a economia da imigração não é governada pelo mercado livre, sem a interferência do Estado de bem-estar social, qualquer regulamento criará vencedores e perdedores.

“Quem você quer ajudar? Nem todo mundo pode ser beneficiado. É um fato do governo. Quando políticas são criadas, nem todos se beneficiam”, disse Borjas.

“A imigração cria muitos problemas, mas se você se importa com os imigrantes, então estamos ajudando muitas pessoas pobres em todo o mundo. É o maior programa antipobreza do mundo.” A questão é se a população nativa está pronta para pagar o preço.