Cuba se aproxima de maior abstenção em eleições parlamentares desde 1959

Por Agência de Notícias
27/03/2023 11:54 Atualizado: 27/03/2023 11:54

As eleições parlamentares que Cuba realizou neste domingo caminham para se tornar aquelas com maior índice de abstenção desde a revolução, segundo dados provisórios divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral (CEN).

De acordo com esta instituição, às 17h (horário local, 18h de Brasília), havia votado 70,34% do censo eleitoral, o que representa 8,23 pontos percentuais a menos do que a cifra das eleições parlamentares anteriores, de 2018, nessa mesma hora.

As mesas de votação mantiveram-se abertas por duas horas a mais do que o previsto, mas não se espera a divulgação de mais dados neste domingo, segundo antecipou em coletiva de imprensa a presidente do CEN, Alina Balseiro. Os dados preliminares provavelmente serão divulgados nesta segunda-feira.

A participação nas eleições parlamentares em Cuba é historicamente alta. Entre 1976 e 2013 esteve acima dos 90% e apenas em 2018 caiu pela primeira vez abaixo dessa barreira, para 85,65%.

Em comparação, a abstenção nos pleitos do ano passado em Cuba foi maior. Nas eleições municipais de novembro do ano passado atingiu históricos 31%, enquanto no referendo sobre o Código das Família realizado em setembro situou-se em 26%.

Essas taxas de participação são altas em relação a qualquer país do Hemisfério Ocidental e a muitas democracias liberais. No entanto, a situação em Cuba é diferente – segundo os especialistas – porque se trata de um exercício limitado em que o sistema político é de alguma forma plebiscitado.

Sem oposição

Nas eleições deste domingo, se apresentaram 470 candidatos para o mesmo número de cadeiras da Assembleia Nacional do Poder Popular (ANPP), principal órgão legislativo da ilha. Nenhum deles era da oposição.

Praticamente todos são membros do Partido Comunista de Cuba, o único legal da ilha, de sua juventude ou de organizações vinculadas. Também não houve observadores internacionais.

O regime cubano, o Partido Comunista e as instituições governamentais estimularam nas últimas semanas que se votasse em bloco em todos os candidatos propostos por cada distrito em mensagens reproduzidas em loop nos meios de comunicação estatais.

Na cédula, o eleitor tinha a possibilidade de colocar um “x” na caixa de todos os candidatos (seguindo assim a convocação oficial), apenas ao lado de alguns nomes, ou mesmo deixá-las em branco.

Esse apelo ao voto em bloco levou muitos eleitores, mesmo os mais fervorosos defensores do regime, a desconhecer os candidatos em seus distritos.

“Não conhecemos todos os candidatos, mas votamos pela revolução”, disse à EFE Rafaela, uma cubana de 67 anos, na frente de um posto eleitoral em Havana.

Na tentativa de promover a votação, todos os estabelecimentos em moeda estrangeira (conhecidos como MLC, os com maior variedade de produtos em Cuba) não abriram neste domingo na capital cubana.

Da mesma forma, durante o dia, o CEN estendeu o horário de votação por mais uma hora, um movimento criticado pelos opositores, que questionaram sua legalidade.

Sem dados verificáveis

A falta de missões de observação internacional foi uma das maiores críticas da dissidência e de diferentes ONGs, como a Transparência Eleitoral.

“Os resultados divulgados pelo Conselho Nacional Eleitoral são incontroversos” e vão na contramão “da tendência abstencionista que o próprio CEN refletiu” nas eleições passadas, denunciaram à EFE fontes da entidade.

Nesse sentido, pediram “uma auditoria independente para que os resultados anunciados sejam fiáveis”.

Ativistas e opositores cubanos denunciaram neste domingo diferentes atos de repressão contra jornalistas não governamentais e dissidentes que tentaram realizar tarefas de observação nas eleições.

A ONG Cubalex está registrando incidentes desse tipo em um arquivo público na Internet. Até as 21h (horário local, 22h de Brasília) foram identificados 27 casos de repressão com cerca de 30 pessoas afetadas.

Em dias anteriores, dissidentes e comunicadores não oficiais denunciaram ter recebido pressões e ameaças por promover a abstenção ou se preparar para realizar tarefas de observação eleitoral, como o opositor Manuel Cuesta Morúa.

“Os ativistas que estão observando em várias províncias falam, em todos os casos e em diferentes momentos, de urnas vazias”, denunciou Cuesta Morúa neste domingo à EFE.

O dissidente questionou o crescimento da participação entre 9h e 11h – de 18,15% para 41,66% – e a extensão de uma hora no horário de votação “sem motivos de força maior”.

Campanha pela abstenção

Na ausência de partidos e candidatos de oposição nas eleições, a dissidência promoveu a abstenção como sinal de rejeição ao sistema político cubano.

A queda progressiva da participação desde 2018 foi interpretada pelo governo como uma resposta à crise econômica. O próprio líder do regime, Miguel Díaz-Canel, chegou a falar em “voto de punição” durante o referendo sobre o Código das Famílias.

Após a votação, o presidente cubano descartou a possibilidade de o abstencionismo continuar ganhando espaço nas eleições parlamentares.

“Alguns podem colocar a difícil situação econômica (do país) à frente da vontade de votar. Não acho que sejam a maioria porque (o atual) não foi o único momento com dificuldades, com complexidades econômicas”, afirmou Díaz-Canel à imprensa em Santa Clara, no centro do país.

Nos mesmos termos, o ministro das Relações Exteriores de Cuba, Bruno Rodríguez, garantiu que “as eleições cubanas continuarão sendo diferentes no sentido de maior participação e democracia do que a maioria que se vê no planeta”.

Por Juan Carlos Espinosa

Edição: Renato Pernambucano

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