No deserto de alta altitude que compartilham o Chile e a Bolívia, há um remoto trecho de estrada de terra que marca sua fronteira escassamente patrulhada.
Após as patrulhas militares ficarem fora do campo de visāo, os imigrantes ilegais cruzam a rodovia a qualquer hora do dia e continuam sua jornada ao norte de Pisiga, na Bolívia, ou ao sul de Colchane, no Chile.
Esta fronteira é muito frequentada pela imigração ilegal e pelo contrabando e, devido às dificuldades extremas de sobrevivência representadas pelo clima, alguns funcionários da imigração a chamam de “corredor da morte”.
“Em junho e julho deste ano, vimos um grande número de [imigrantes ilegais] passando”, disse Benjamin Choque, oficial de imigração boliviano, ao Epoch Times.
Choque explicou que aqueles que não possuem documentos têm dificuldades para entrar legalmente na Bolívia porque o país exige um teste PCR negativo que não exceda 72 horas. Ele disse que os testes são impossíveis de obter na maioria das cidades remotas do deserto do Chile, perto da fronteira.
Choque admitiu ter visto um grande número de venezuelanos e haitianos entrando na Bolívia vindos do Chile, mas esclareceu: “Todos eles têm passaporte, simplesmente não têm visto”.
Quando questionado sobre o que as autoridades bolivianas fazem ao capturar imigrantes ilegais, Choque relatou: “Nós apenas os mandamos de volta para o outro lado da fronteira”.
Em seguida, acrescentou que na Bolívia existe uma lei humanitária que restringe uma resposta mais agressiva aos venezuelanos e haitianos que cruzam a fronteira.
“A situação traz benefícios para os negócios da Pisiga, mas cria muitos problemas para nós”, acrescentou Choque.
Uma perigosa encruzilhada
Após o pôr do sol em Pisiga, um grupo de 10 imigrantes haitianos ilegais espera do lado de fora, em um gelado clima, por um ônibus. Um contou ao Epoch Times que queria ir para a cidade de Oruro.
De lá, transporte adicional poderia ser providenciado para levá-los ao norte, até a fronteira com a Bolívia e o Peru, perto da cidade de Copacabana.
Os haitianos que entram na Bolívia vindos do Chile seguem em grande parte a rota Oruro-El Alto ao norte, em sua jornada para os Estados Unidos.
Enquanto isso, nas proximidades de Pisiga, perto de um trecho não identificado da fronteira entre a Bolívia e o Chile, um grupo de três venezuelanos espera para entrar no Chile ilegalmente. “Vamos cruzar durante a noite”, afirmou Jhoel Silva, um deles, ao Epoch Times.
Silva disse que a situação na Venezuela sob o presidente socialista Nicolás Maduro se tornou terrível demais para permanecer em seu país. “Não há comida para comprar nos mercados ou nas lojas”, explicou.
A hiperinflação na Venezuela, somada à desvalorização do bolívar desde 2017, torna quase impossível obter até mesmo os elementos básicos para sobrevivência.
“Se você trabalha uma semana, só tem dinheiro para comer por três dias”, afirmou Silva.
“O salário [na Venezuela] não dá para viver. Com um dólar americano, você só consegue um quilo de farinha”, relatou Alberto Ochoa, outro venezuelano, ao Epoch Times.
Ochoa disse que o salário mensal de muitos venezuelanos é de apenas US $1.
“Procuramos um trabalho honesto [no Chile]. Queremos encontrar uma vida melhor para nossas famílias”, declarou Ochoa.
Ao viajar em qualquer direção, os imigrantes ilegais têm que atravessar terrenos difíceis e enfrentar temperaturas que variam até 100 graus durante o dia e caem para zero à noite.
A fronteira compartilhada, e o deserto subsequente, fica a uma altitude de mais de 12.000 pés e não tem abrigo contra as intempéries. Tampouco oferece água potável para quem acaba encalhado em um veículo ou se atreve a fazer a rota a pé.
Em 9 de outubro, autoridades chilenas encontraram o corpo de uma mulher haitiana que viajava para o norte, perto da cidade fronteiriça de Colchane. Ela foi a décima terceira imigrante ilegal a morrer este ano tentando cruzar o apropriadamente chamado “corredor da morte”.
Ochoa relatou que ele e seus companheiros caminharam seis dias desde Oruro para chegar à fronteira e que a altitude, junto com o ar extremamente seco, afetou sua saúde.
Alejandro Pérez, um imigrante ilegal que estava viajando com Ochoa e Silva, mostrou ao Epoch Times as solas de seus pés, que estavam rachadas e sangrando durante a caminhada de 148 milhas até Pisiga.
“Tenho amigos no Chile [que podem ajudar] e quero encontrar um emprego”, afirmou Pérez.
Como sua mãe e seus filhos dependem dele para obter renda na Venezuela, Pérez sentiu que não tinha escolha a não ser arriscar tudo e cruzar o deserto em direção ao Chile. Ele envolveu os pés machucados em duas camadas de meias, que usou junto a um par de chinelos gastos.
A Rota dos Chuteros
A linha divisória que vai de norte a sul entre o Chile e a Bolívia, onde os imigrantes cruzam ilegalmente, é comumente conhecida como a rota dos Chuteros. O que significa “ilegal” na gíria boliviana.
O contrabando pelo deserto entre as duas nações, especialmente de automóveis, é uma prática bem estabelecida.
Miguel Flores faz o percurso dos chuteros há anos e afirma que pode ocorrer a descoberta de corpos no deserto, especialmente no Salar de Coipasa: “Os chuteros matam as pessoas e deixam-nas [como aviso]. São territoriais, até entre si”.
Flores contou que alguns chuteros se estenderam para contrabando de pessoas e oferecem transporte aos imigrantes ilegais perto de áreas da fronteira que não são patrulhadas. “Os chuteros simplesmente os deixam [perto da fronteira] e os imigrantes descem e atravessam a pé”.
Em julho, a polícia boliviana prendeu três bandidos que transportavam 25 imigrantes haitianos ilegais pela rodovia Oruro-El Alto.
É como atravessar a rua
Gonzalo Santander, um empresário chileno de Santiago que compra e vende minerais comerciais, declarou ao Epoch Times que prefere simplesmente “atravessar a rua” para Pisiga quando não há onde ficar em Colchane.
“Os militares estão ocupando toda a cidade [Colchane] e não há onde dormir. Então cruzei a estrada de volta para a Bolívia para ficar em Pisiga, é fácil”, explicou Santander.
Santander costuma cruzar a fronteira entre Colchane e Pisiga em caráter oficial por causa de seu trabalho e disse que sempre vê pessoas cruzando ilegalmente. “Acho que esse problema começou quando as pessoas [imigrantes] queriam ir para o norte”.
Atribuindo a facilidade da travessia ilegal à falta de apoio do governo, Santander afirma: “Esta fronteira é vulnerável”.
No entanto, ele disse que a fronteira entre o Chile e o Peru, perto de Arica, é muito bem controlada.
Pessoas que procuram cruzar ilegalmente, norte ou sul, não têm escolha a não ser atravessar pelo alto deserto.
Santander também declarou que o Chile tem muitos imigrantes desse tipo, por isso “o sistema começou a entrar em colapso” em seu país.
O Chile tem 1,5 milhão de imigrantes – legais e ilegais – que representam 8% da população do país, segundo dados do Ministério das Relações Exteriores e Migração.
De volta à fronteira, os imigrantes ilegais emergem de uma vala íngreme cavada pelos militares chilenos em seu lado da “rua” e são imediatamente interceptados por um caminhão de soldados.
De longe, Silva e seus companheiros assistiram à ação e esperaram a chance de cruzar.
“Pode ser difícil, porém nosso único caminho é seguir em frente”, afirmou Silva.
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