Coreia do Norte aumenta ameaças nucleares enquanto se aproxima da Rússia e se afasta de Pequim

Kim Jong Un pode já não confiar na China para representar os seus interesses e vê Moscou como um melhor parceiro para promover as suas ambições nucleares, dizem os especialistas.

Por Sean Tseng
15/10/2024 16:28 Atualizado: 15/10/2024 16:28
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

Análise

O líder norte-coreano Kim Jong Un anunciou a aceleração de seu programa de armas nucleares em meio ao fortalecimento dos laços com a Rússia. Especialistas afirmam que essa medida sinaliza o interesse comum de Pyongyang e Moscou em intensificar a resistência contra o Ocidente, além de refletir a crescente impaciência de Kim com a estratégia de “guerra irrestrita” de longo prazo da China para infiltrar e subverter o Ocidente.

Enquanto Pequim lida com problemas econômicos e busca evitar novas tensões nas relações EUA-China, a Coreia do Norte e a Rússia parecem dispostas a adotar uma postura mais rígida. Kim pode não confiar mais na China para representar seus interesses e vê Moscou como um parceiro melhor para avançar suas ambições nucleares, o que pode reconfigurar alianças regionais no Leste Asiático, segundo especialistas.

Em 8 de outubro, Kim alertou, por meio da agência de notícias estatal KCNA, que se for ameaçada, a Coreia do Norte usará todo seu poder ofensivo “sem hesitação”, incluindo armas nucleares.

Esse desenvolvimento ocorre em meio a relatos de que soldados norte-coreanos estão lutando ao lado das tropas russas na Ucrânia. O ministro da Defesa da Coreia do Sul, Kim Yong-hyun, informou aos parlamentares do país que é “altamente provável” que oficiais e soldados norte-coreanos tenham sido mortos em um ataque de mísseis ucraniano perto de Donetsk em 3 de outubro. Ele acrescentou que há uma alta possibilidade de que a Coreia do Norte possa enviar mais tropas para apoiar o esforço de guerra da Rússia.

Nathan Su, especialista dos EUA em questões relacionadas à China, afirmou que o alinhamento da Coreia do Norte com a Rússia poderia levar a um confronto mais direto com os Estados Unidos e seus aliados.

“Rússia e Coreia do Norte esperam adotar uma postura mais firme contra os Estados Unidos e o Ocidente. Por outro lado, o PCCh [Partido Comunista Chinês] deseja continuar utilizando sua chamada abordagem de guerra irrestrita para infiltrar e subverter os países ocidentais”, disse Su ao Epoch Times, referindo-se a estratégias que envolvem influência econômica, financeira e cultural.

“Xi Jinping precisa de tempo [e] porque ele precisa de tempo, está jogando um jogo mais lento com o Ocidente. No entanto, Kim Jong Un e Putin estão ficando impacientes com a abordagem de Xi Jinping”, acrescentou Su.

Fortalecendo os laços com a Rússia

A crescente colaboração da Coreia do Norte com a Rússia marca uma mudança significativa na dinâmica regional. Ao estreitar os laços com Moscou, Pyongyang parece buscar maior autonomia ao diversificar suas parcerias internacionais e reduzir sua forte dependência de seu aliado tradicional, Pequim, que atualmente responde por mais de 90% do comércio norte-coreano.

Em 7 de outubro, Kim enviou uma mensagem de aniversário ao líder russo Vladimir Putin, chamando-o de seu “camarada mais próximo” e expressando confiança de que as “relações estratégicas e cooperativas” entre os dois países alcançarão um novo nível.

Em junho, Kim e Putin adotaram uma parceria estratégica abrangente que inclui um pacto de defesa mútua, formalizando meses de crescente cooperação em um momento de grande necessidade para ambos os países.

Relatórios sugerem que a Coreia do Norte forneceu à Rússia um apoio militar substancial para manter sua guerra na Ucrânia, à medida que a Rússia enfrenta estoques de equipamentos cada vez menores e uma escassez de mão de obra crescente.

Em troca, a Rússia tem trabalhado para enfraquecer as sanções da ONU contra a Coreia do Norte, oferecendo alívio para suas duradouras dificuldades econômicas, agravadas pela pandemia de COVID-19.

“Fortalecendo a cooperação com a Rússia, a Coreia do Norte espera obter apoio econômico e militar, aumentar seu poder de barganha nas negociações internacionais e lidar com preocupações de segurança regional”, disse Sun Kuo-Hsiang, professor de assuntos internacionais da Universidade Nanhua, em Taiwan.

A man watches a television screen showing a news broadcast with file footage of a North Korean missile test, at a train station in Seoul on Sept. 12, 2024.  (Jung Yeon-je/AFP via Getty Images)
Um homem assiste a uma tela de televisão que mostra um noticiário com imagens de arquivo de um teste de míssil norte-coreano, em uma estação de trem em Seul, em 12 de setembro de 2024 ( Jung Yeon-je/AFP via Getty Images)

Se alinhar com a Rússia oferece à Coreia do Norte várias vantagens estratégicas, de acordo com Sun. A Rússia pode fornecer ajuda econômica vital, recursos energéticos e tecnologia militar avançada, que são difíceis de obter devido às sanções internacionais. Essa aliança aumenta a influência de Pyongyang no cenário global ao sinalizar que possui aliados poderosos, potencialmente forçando outras nações a levarem suas demandas mais a sério. Além disso, a cooperação com a Rússia ajuda a Coreia do Norte a contrabalançar a influência dos EUA na região e a reduzir sua vulnerabilidade à pressão de qualquer país em particular, explicou Sun.

Su acrescentou mais detalhes: “O principal objetivo de Kim é manter o controle dentro da Coreia do Norte. Existem facções no país que são extremamente pró-China. Ao se aproximar da Rússia, ele visa reduzir a dependência da China e fortalecer seu controle sobre o poder”.

Tensões históricas com a China

Durante a Guerra da Coreia (1950-53), a China desempenhou um papel crucial ao apoiar a Coreia do Norte contra as forças das Nações Unidas, ajudando a preservar o regime de Kim Il-sung, avô de Kim Jong Un. Essa aliança “forjada com sangue” lançou as bases para a relação entre os dois países ao longo das décadas.

Em 1961, os dois países assinaram um tratado de defesa mútua e ajuda, no qual a China se comprometeu a fornecer apoio militar e outros meios à Coreia do Norte, caso enfrentasse um ataque externo. O acordo foi renovado em 1981, 2001 e novamente em 2021.

Apesar de décadas de comércio e ajuda da China para sustentar o regime de Kim, o relacionamento da Coreia do Norte com a China sempre foi marcado por desconfiança.

Han Gi-beom, pesquisador do Instituto Asiático de Estudos Políticos, escreveu que, em 2015, Kim teria se referido à China como um “inimigo de 5.000 anos”, destacando ressentimentos históricos profundamente enraizados.

Embora a China tenha sido o maior benfeitor econômico da Coreia do Norte, Pyongyang nunca viu Pequim como um aliado verdadeiramente confiável.

Tensões foram percebidas durante as negociações das Seis Partes entre 2003 e 2009, onde Pequim tentou usar a Coreia do Norte como uma vantagem contra o Ocidente, especialmente os Estados Unidos, para obter concessões. “China e Coreia do Norte pareciam em conflito durante as negociações das Seis Partes, mas isso era amplamente tático. Sua cooperação de longo prazo, especialmente em questões nucleares, era estratégica”, observou Su.

This undated photo provided on Sept. 13, 2024, by the North Korean regime shows its leader Kim Jong Un, center, on an inspecting visit at what they say is an institute of nuclear weapons and a facility for nuclear materials at an undisclosed location in North Korea. (Korean Central News Agency/Korea News Service via AP)
Esta foto sem data fornecida em 13 de setembro de 2024 pelo regime norte-coreano mostra seu líder Kim Jong Un, no centro, em uma visita de inspeção ao que dizem ser um instituto de armas nucleares e uma instalação para materiais nucleares em um local não revelado em Coréia do Norte (Agência Central de Notícias da Coreia/Serviço de Notícias da Coreia via AP)

No entanto, a estratégia de desnuclearização de Pequim evoluiu ao longo dos anos. Em maio, China, Japão e Coreia do Sul emitiram uma declaração conjunta apoiando esforços para desnuclearizar a região. Embora bem recebida internacionalmente, essa medida provocou a resistência da Coreia do Norte. No mesmo dia, Pyongyang tentou lançar seu “satélite de reconhecimento militar No. 2”, que falhou, mas foi visto como uma resposta clara.

“Os gestos simbólicos da Coreia do Norte servem como um aviso à China”, explicou Sun. “Pyongyang exige uma postura mais clara de Pequim sobre a desnuclearização, que esteja alinhada com seus interesses”.

A Coreia do Norte também tomou medidas para limitar a influência cultural e econômica chinesa internamente. As autoridades teriam ampliado as proibições de filmes e programas de TV chineses, confiscado dispositivos de mídia contendo conteúdo chinês e aumentado a vigilância sobre residentes chineses. “Essas ações refletem a cautela da Coreia do Norte em relação à influência chinesa”, disse Sun. “Faz parte de sua estratégia para enfatizar a independência e proteger a pureza ideológica”.

Su concorda.

“A retórica dura de Kim Jong Un e suas ações sinalizam descontentamento, mas servem principalmente ao seu objetivo de consolidar o poder e controlar facções internas”, disse ele, acrescentando que as tensões entre os dois países têm raízes em uma mistura complexa de “ressentimentos históricos, política interna e cálculos estratégicos”.

Para a China, manter influência sobre a Coreia do Norte sem parecer excessivamente intrusiva é vital; qualquer instabilidade na Coreia do Norte poderia afetar diretamente os interesses econômicos e de segurança da China, acrescentou.

Apesar das tensões aparentes, a aliança entre a Coreia do Norte e a China continua fundamentada em interesses mútuos, disse Su.

“O quadro de aliança de longo prazo deles não pode mudar. Se alguém pensa que essas três partes—Coreia do Norte, China e Rússia—eventualmente se separarão, só posso dizer que essa é uma visão muito estranha”.

Jessica Mao e Xin Ning contribuíram para este artigo.