Por David T. Jones
Durante séculos, não havia dúvida de que o comércio envolvia “benefícios mútuos”. Ele era conduzido segundo a filosofia de “mendigar o teu vizinho” (ou “beggar thy neighbor“), com a riqueza nacional voltada para a acumulação de ouro e metais preciosos.
Os Estados centrais buscaram colônias essencialmente para a exploração: extrair delas material útil com preços baixos ou sem preço e despejar na colônia o excesso de produtos industriais manufaturados na “metrópole” com altos preços. Essas atitudes podem resultar em circunstâncias desagradáveis, como quando a Grã-Bretanha decidiu que pagar por chá com prata era muito caro e empurrou o ópio goela abaixo da China. Mesmo os fracos governantes manchu acharam essa troca odiosa, mas em duas guerras do ópio, a Grã-Bretanha forçou a aceitação chinesa. A imagem britânica na China está para sempre manchada.
Ostensivelmente, a teoria econômica se modificou para “benefício mútuo” com ênfase na “vantagem comparativa” em que cada país fornece os produtos que produz de forma mais eficiente e o resultado é um equilíbrio comercial. A teoria vacila quando países sem nada efetivamente digno de comércio (ou interesse significativo) acabam emprestando daqueles países que ainda por cima empurram produtos para eles. Os encargos de dívida resultantes tiveram e continuam tendo consequências que distorcem a economia tanto para os mutuários quanto para os credores.
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Uma abordagem clássica para um país que desenvolve sua indústria e economia é impor tarifas elevadas sobre os bens importados. De forma ostensiva, uma vez que essas indústrias sejam fortes o suficiente para “firmarem-se por si só”, as tarifas podem ser reduzidas ou eliminadas. Claro, essa abordagem reduziria os lucros dos agora poderosos fabricantes que não veem interesse em aumentar a concorrência.
Durante uma geração após a 2ª Guerra Mundial, os Estados Unidos não tiveram concorrência comercial real. Era a potência global em eficiência de fabricação e inovação tecnológica. Os produtos dos EUA, em particular os automóveis, apoiaram uma vasta classe média nos EUA, na qual um trabalhador desta indústria poderia contar com um trabalho por toda a vida suficientemente bem remunerado para desfrutar de uma vida doméstica tranquila e despreocupada (a chamada “The Life of Riley“). Nenhum carro estrangeiro valia a pena dirigir (os Volkswagen ou VWs ocuparam apenas um nicho de novidade). Os Estados Unidos geraram superávits comerciais e foram o maior credor global. Os bens importados de outros países eram considerados baratos e de má qualidade, oferecendo apenas um minúsculo desafio na porção inferior dos bens adquiridos.
Mas então os Estados Unidos perderam o encanto. Ou os concorrentes, capazes de tirar proveito da construção de novas fábricas, usando novas tecnologias e mão-de-obra barata, aproveitaram as deficiências tecnológicas, os altos preços e a arrogância social dos EUA. A consequência foi tão ruim que um casal chinês-americano, cujo casamento em Chungking tinha sido bombardeado pelos japoneses e os quais eles odiavam pela destruição e massacres que haviam feito na China, acabou comprando um carro japonês. Nesse ponto, os veículos estadunidenses eram meramente aceitáveis.
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A mídia foi assediada por artigos e estudos que sugeriam que o Japão estava prestes a liderar o mundo em praticamente tudo. (E os japoneses reforçavam isso comprando uma grande variedade de propriedades de destaque nos EUA.) O governo dos EUA desautorizou a tentativa de aquisição de uma empresa-chave de informática (que evoluiu na INTEL), mas nossos esforços de comércio se concentraram em frustrar o Japão e, de maneira acessória, o México, cujos baixos preços trabalhistas (supostamente) produziam um “grande som de sucção”, segundo as palavras do magnata e ex-político estadunidense Ross Perot, absorvendo empregos dos EUA em direção ao sul do Rio Grande.
Mas enquanto nos concentramos no Japão e no México; com muita tranquilidade e eficiência, a China (praticando o dizer “esconda nossas capacidades e aguarde nosso tempo”) literalmente “comeu nosso almoço” (e boa parte do nosso jantar). A China agora tem um enorme superávit comercial, impulsionado tanto pela eficiência de fabricação quanto pela manipulação da moeda. Indiscutivelmente, hoje a fábrica do mundo, o líder chinês Xi Jinping anunciou a meta estratégica “Produzido na China 2025”, descrita como “envolvendo requisitos de conteúdo local e a eliminação de fornecedores estrangeiros”.
Para os Estados Unidos, os últimos 20 anos representaram a perda de dois milhões de empregos industriais e a grande frustração dos trabalhadores deslocados por acordos comerciais que reduzem os custos dos manufaturados importados e lhes custaram seus empregos; e para os quais a “reciclagem profissional” ou MacJobs são substitutos risíveis.
Por isso, o presidente estadunidense Donald Trump pede a eliminação ou rejeição dos acordos comerciais, como a Parceria Transpacífico (TPP), e questiona severamente acordos como o Tratado Norte-Americano de Livre-Comércio (NAFTA) e acordos bilaterais com países como a Coreia do Sul. Sua afirmação, que ressoa amplamente com os eleitores, se é que não também com os economistas, é que os Estados Unidos foram ludibriados e derrotados nesses acordos. E são necessários mais do que meros “ajustes”.
A China é um problema menos tratável. Especialmente enquanto Washington tenta com algum desespero induzir Pequim a castrar o programa nuclear de Pyongyang. Embora haja palavras fortes nos bastidores, ganhos específicos de um confronto econômico bilateral podem ser difíceis de conseguir, por exemplo, obter maior acesso seguro aos mercados chineses e o fim do roubo de propriedade intelectual seriam coisas difíceis de alcançar.
Mas, talvez, embora atualmente seja uma ideia incipiente, uma ação bem coordenada dos EUA, da União Europeia e da Organização Mundial de Comércio (OMC) pode garantir a (melhor) adesão da China às regras da OMC.
David T. Jones é um oficial de carreira sênior aposentado do serviço estrangeiro do Departamento de Estado dos Estados Unidos que publicou inúmeros livros, artigos, colunas e análises sobre questões bilaterais estadunidense-canadenses e política externa em geral. Durante sua carreira de mais de 30 anos, seu foco foram questões político-militares, servindo como conselheiro de dois generais do Exército. Entre seus livros, está “Alternative North Americas: What Canada and the United States Can Learn from Each Other”