Com o aumento das baixas, será que Moscou está pensando em uma mudança na doutrina nuclear?

Embora o vice-ministro das Relações Exteriores tenha sugerido recentemente um limite mais baixo para o uso de armas nucleares, a posição do próprio Putin tem sido inconsistente.

Por Stephen Xia e Sean Tseng
15/07/2024 22:26 Atualizado: 15/07/2024 22:26
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

Desde o início da invasão russa na Ucrânia, a verificação da verdadeira extensão das baixas militares tem sido um desafio. Análises recentes, no entanto, apontam que os números do Ministério da Defesa ucraniano são reflexos cada vez mais precisos da situação.

Essas estatísticas indicam uma tendência de aumento no número diário de mortes de soldados russos na Ucrânia, passando de uma média de 120 mortes por dia para entre 200 e 250 atualmente. É importante observar que esses números representam fatalidades e não incluem feridos.

Aumento das baixas russas e verificação independente

Em 7 de julho, o Ministério da Defesa ucraniano informou que o total de baixas militares russas — tanto de mortos quanto de feridos — chegou a 550.990. Esse número começou a se alinhar mais com as estimativas ocidentais nos últimos meses.

Por exemplo, em dezembro do ano passado, os Estados Unidos estimaram as baixas russas em 315.000, em comparação com o número da Ucrânia de quase 341.000 naquela época. Em abril deste ano, o ex-ministro das Forças Armadas do Reino Unido, Leo Docherty, citou estimativas que colocavam as perdas russas acima de 450.000, em paralelo com os dados ucranianos divulgados dois meses antes.

Fontes públicas, como obituários, postagens em mídias sociais e cobertura de notícias regionais de veículos como Mediazona, BBC e vários canais russos contribuem para uma contagem continuamente atualizada de mortes de militares russos. Uma atualização recente coloca esse número em cerca de 58.000.

Dada a natureza variada dessas fontes, é provável que os números reais sejam consideravelmente maiores. Avaliações independentes feitas por organizações como a Mediazona e a Meduza oferecem estimativas mais abrangentes.

Usando bancos de dados de casos de herança e comparando-os com dados de obituários, do escritório nacional de estatísticas da Rússia e do escritório russo de registro de testamentos, eles estimam que, até o final de junho deste ano, cerca de 120.000 soldados russos haviam perdido a vida desde o início da guerra em fevereiro de 2022. Eles alertam para o fato de que esse número é conservador, sugerindo que o número real pode ultrapassar 140.000.

Os relatórios destacam um aumento significativo nas perdas russas nos últimos meses, com o número diário de mortes quase dobrando em relação à média do último trimestre de 2023, quando cerca de 120 soldados morriam por dia, para os números atuais de 200 a 250 mortes por dia.

Nem Kiev nem Moscou divulgaram oficialmente números abrangentes de baixas, embora o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky tenha divulgado em fevereiro que aproximadamente 31.000 soldados ucranianos haviam sido mortos desde o início do conflito, sem detalhar o número de feridos.

Em contrapartida, o presidente russo, Vladimir Putin, afirmou em junho que a proporção de perdas entre as forças russas e ucranianas era de um para cinco, embora não tenha apresentado provas. Avaliações independentes e dados de fontes ucranianas e norte-americanas sugerem que as baixas russas excedem em muito as da Ucrânia.

A soldier of the Kraken Ukrainian special forces unit observes the area at a destroyed bridge on the road near the village of Rus'ka Lozova, north of Kharkiv, on May 16, 2022. (Dimitar Dilkoff/ AFP via Getty Images)
Um soldado da unidade de forças especiais ucranianas Kraken observa a área em uma ponte destruída na estrada perto da aldeia de Rus’ka Lozova, ao norte de Kharkiv, em 16 de maio de 2022. (Dimitar Dilkoff/ AFP via Getty Images)

Operações de combate e ataques estratégicos recentes

Ações militares recentes ressaltam a intensidade contínua do conflito. Em 6 e 7 de julho, as forças ucranianas executaram um ataque de drone a um depósito de munição russo em Sergeyevka, na região de Voronezh, resultando em fumaça e explosões visíveis, conforme  imagens de geolocalização capturadas perto de Morozovka. O depósito alvo supostamente abrigava uma variedade de munições, incluindo bombas de ataque terra-terra, mísseis terra-ar e munição para tanques e artilharia.

Em outras operações, em 6 de julho, os militares ucranianos lançaram ataques precisos contra ativos militares russos na região de Donetsk. Isso incluiu um ataque coordenado pela Agência de Inteligência de Defesa da Ucrânia e pelas unidades de reconhecimento aéreo da 45ª Brigada de Artilharia Independente em um centro vital de suprimentos militares russos em Debaltseve. Esse centro, essencial para o armazenamento de tanques e munições, foi significativamente danificado, interrompendo as capacidades logísticas e de combate russas na região.

Além disso, as forças ucranianas visaram uma estação de comunicação de guerra eletrônica russa R-330Zh Zhitel em Novo-Luhansk, um componente-chave dos esforços de guerra eletrônica da Rússia projetados para interromper as comunicações e os sistemas de radar ucranianos.

As operações contínuas da Força Aérea Ucraniana desde o final de junho têm se concentrado em um posto de comando russo na região de Belgorod. Utilizando bombas guiadas de precisão Armement Air-Sol Modulaire Hammer, de fabricação francesa, e outras armas fornecidas pelo Ocidente, esses ataques degradaram notavelmente as capacidades operacionais russas.

O Instituto para o Estudo da Guerra observa que esses esforços são indicativos do uso efetivo pela Ucrânia de armamentos ocidentais avançados, o que pode levar a efeitos mais significativos nas operações militares russas se as restrições ocidentais continuarem a diminuir.

Em 7 de julho, as forças ucranianas também alcançaram uma vitória tática ao derrubar um avião de ataque russo Su-25 perto de Pokrovsk, na região de Donetsk. A aeronave, derrubada pela unidade de defesa aérea da brigada mecanizada independente que leva o nome do major-general Marko Bezruchko, foi projetada para apoio direto ao solo em todas as condições meteorológicas, destacando os contínuos confrontos aéreos no conflito.

Em 8 de julho, o Ministério das Relações Exteriores da Rússia relatou um ataque a Sevastopol, a maior cidade da Crimeia, envolvendo mísseis táticos do exército, que resultou em quatro mortes e mais de 150 feridos.

De acordo com o Ministério da Defesa da Rússia, os sistemas de defesa aérea interceptaram quatro mísseis, mas um quinto desviou-se de sua trajetória após ser atingido e explodiu sobre a cidade. As autoridades russas atribuíram igual responsabilidade por esse incidente aos Estados Unidos e à Ucrânia, ameaçando retaliação em resposta.

Postura nuclear e tensões internacionais

Em meio aos desafios do conflito na Ucrânia, Moscou está pensando em fazer ajustes em sua doutrina de armas nucleares. O vice-ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergei Ryabkov sugeriu um limite mais baixo para a implantação nuclear, argumentando que as armas nucleares podem ser empregadas se a Rússia perceber ameaças à sua soberania e integridade territorial.

Ryabkov criticou a eficácia da dissuasão nuclear tradicional no conflito atual, indicando a necessidade de revisões doutrinárias para lidar com possíveis escaladas.

No entanto, a posição de Putin sobre o uso de armas nucleares tem sido inconsistente. Embora ele tenha dito anteriormente que as armas nucleares são desnecessárias para atingir os objetivos da Rússia, os recentes exercícios de armas nucleares táticas com a Bielorrússia no sul da Rússia sugerem uma disposição para demonstrar capacidades nucleares.

Além disso, no Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo, Putin deu a entender possíveis modificações na doutrina nuclear da Rússia, descrevendo-a como adaptável com base nos desenvolvimentos globais.

Dmitri Trenin, membro do Conselho de Política Externa e de Defesa da Rússia, apoiou essa opinião, defendendo uma política segundo a qual a Rússia poderia usar armas nucleares preventivamente se seus principais interesses nacionais fossem ameaçados. Essa postura tem como objetivo transmitir às nações ocidentais as sérias repercussões de se envolver em um conflito com a Rússia.

Por outro lado, Daryl Kimball, diretor executivo da Arms Control Association, uma organização sem fins lucrativos sediada nos EUA que promove políticas de controle de armas em todo o mundo, enfatizou a necessidade de diálogo entre a Rússia e os Estados Unidos para reduzir os riscos nucleares e restaurar as medidas de controle de armas.

Kimball alertou alertou contra os perigos de erros de cálculo nuclear e pediu que as nações evitem ameaçar com retaliação nuclear ou participar de exercícios nucleares provocativos, o que poderia exacerbar as tensões.

O possível uso de armas nucleares pela Rússia continua a lançar uma sombra sobre a guerra da Ucrânia, influenciando o cuidadoso equilíbrio com o qual os Estados Unidos e os aliados ocidentais fornecem apoio militar à Ucrânia, buscando evitar uma nova escalada do conflito.

O autor, Stephen Xia, ex-professor da Academia de Voo Militar da China e especialista em voo, passou a ser um analista militar profissional depois de se aposentar do serviço militar. Desde então, ele vem acompanhando de perto o desenvolvimento global de equipamentos militares.

As opiniões expressas neste artigo são as opiniões do autor e não refletem necessariamente as opiniões do Epoch Times