O céu não caiu. O Brexit, ou a saída do Reino Unido da União Europeia, aconteceu e a vida continua a todo vapor.
A revoada de “Chicken Littles” precisava de algo novo para ciscar. Isso ocorreu em 29 de março, quando a primeira-ministra do Reino Unido, Theresa May, notificou formalmente a União Europeia (UE) de que a Grã-Bretanha estava invocando o Artigo 50 e se retiraria da organização.
Agora, aqueles que “veem com alarme” a vida (e provavelmente até têm visões “alarmantes” quando dormem) podem imaginar uma nova panóplia de desastres para o Reino Unido, a Europa, o mundo – e talvez o universo:
– A Escócia realizará outro referendo e se separará do Reino Unido (PM May sugeriu o equivalente a uma “grande chance” numa reunião com a primeira-ministra da Escócia, coberta pela mídia principalmente em função do comprimento da perna que cada mulher mostrou quando sentada);
– A fragmentação do Reino Unido seria seguida pela união da Irlanda do Norte e do Sul num único país;
– A eleição da líder francesa de direita Marine Le Pen provocaria um “Frexit”, ou a saída da França da UE (e com isso o colapso da UE e a castração da OTAN). Alguns observadores descrevem a contribuição francesa para a OTAN como a necessidade de um banjo quando indo nadar;
– E quem sabe o que acontecerá na Alemanha à medida que a chanceler Angela Merkel luta com uma ala direita em ascensão e o descontentamento popular continua em relação ao milhão de refugiados que agora se alojam nos serviços sociais alemães.
O que aconteceu com o anúncio oficial da Brexit não é o “começo do fim” nem mesmo “o fim do começo”, mas sim o “início do começo”, no que se refere às relações revisadas do Reino Unido com a UE.
Para o Reino Unido, a Brexit foi incitada pela frustração: a imigração desimpedida (“os estrangeiros que tomam nossos empregos”); os burocratas do Estado-babá de Bruxelas com regulamentos picuinhas sobre a economia britânica; a subordinação da lei britânica ao Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias; etc. E uma inesperada melhoria econômica global ofuscou potenciais desvantagens financeiras/econômicas.
Pelo menos tecnicamente, as negociações enfrentam um prazo real de dois anos (até março de 2019), mas com as eleições francesas e alemãs se aproximando, as previsões são tanto para um arranque lento das negociações como para sua rápida conclusão, para permitir que todos os membros da UE aprovem um novo acordo.
As posições iniciais de negociação têm o Reino Unido exigindo negociação paralela sobre os critérios de “saída” e um novo acordo comercial. O negociador da UE rejeitou esta posição, dizendo que os acordos de saída devem ser concluídos antes de qualquer discussão de uma nova relação. O autor do Artigo 50 (Lord John Kerr) caracterizou o processo como “sobre pagar as contas, liquidar os compromissos, lidar com os direitos adquiridos, e as pensões”. “Não se trata de uma futura relação” entre os divorciados. Kerr afirmou que um divórcio “não poderia ser concluído em dois anos” e postulou um quadro para um acordo.
De fato, a realidade de que “o diabo está nos detalhes” sem dúvida afetará as negociações, quando eles começarem discussões sérias, que ainda não têm uma data definida (ou posições da UE sobre seus parâmetros). Um ponto particularmente nevrálgico promete negociar o que Londres deve sob a forma de compromissos existentes com a UE. Estima-se um ioiô entre nada e 68 bilhões de dólares.
Por sua vez, o governo do Reino Unido publicou uma “Grande Lei de Revogação”, detalhando milhares de leis da UE que seriam transpostas para a lei britânica. Isso sinaliza o “fim da supremacia do direito da UE na Grã-Bretanha”, anunciou um comentário.
A observação tradicional de “tenha cuidado com o que você deseja, pois você pode obtê-lo” se aplica aqui. As previsões para as circunstâncias nacionais e internacionais do pós-Brexit para a Grã-Bretanha são sérias. A dominação global da Grã-Bretanha ficou no passado há muito tempo. O império no qual “o sol nunca se põe” é história. Mas como um defensor da Brexit observou, eu preferiria ser um mestre pobre a um servo rico.
Quanto à UE-Europa, um dia satisfatório é um mal em si mesmo. Cada vez mais, a UE assemelha-se a um navio concebido para navegar em mares econômicos calmos e ventos políticos suaves. Mesmo antes da Brexit, a UE estava sacolejando sob fortes tempestades, tentando navegar as intermináveis crises fiscais grego-italianas e as tensões domésticas de enfrentar milhões de refugiados provenientes do Oriente Médio e Norte da África.
A Brexit é uma trombeta de “despertar” para a Comunidade Europeia/Europa. Se a UE não consegue satisfazer as exigências da quinta economia global, ela claramente falhou; e o sinal de fracasso mais óbvio é a incômoda e pesada burocracia de Bruxelas tentando construir um leito de regulamentos procrastinadores. Há um imperativo nas negociações para encontrar fórmulas que a PM May pode anunciar como positivamente reforçadores da independência do Reino Unido mas sem criar um regime tão atraente que outros membros insatisfeitos da UE não se sintam tão atraídos a seguir o exemplo da Grã-Bretanha.
David T. Jones é um funcionário aposentado sênior de carreira do serviço exterior do Departamento de Estado dos EUA. Ele publicou inúmeros livros, artigos, colunas e análises sobre questões bilaterais norte-americanas e política externa. Durante uma carreira de mais de 30 anos, ele se concentrou em questões político-militares, servindo como conselheiro para dois chefes do Estado-Maior do Exército. Entre seus livros está “Alternative North Americas: What Canada and the United States Can Learn from Each Other“.