Atentado da AMIA continua sem solução, 25 anos depois

Atualmente foi realizado um julgamento do advogado e comerciante de automóveis argentinos Carlos Telleldín, investigado pela preparação e entrega da caminhonete Trafic supostamente utilizada para o atentado

18/07/2019 18:16 Atualizado: 18/07/2019 18:16

Por Rodrigo Garcia, Agência EFE

A Argentina lembra nesta quinta-feira os 25 anos do pior atentado de sua história, o ataque ao prédio da Associação Mutual Israelita Argentina (AMIA), que deixou 85 mortos e foi atribuído pela Justiça ao então Governo do Irã e ao partido Hezbollah, do Líbano, que foi declarado grupo terrorista pelo presidente Mauricio Macri.

Como é habitual a cada ano, dezenas de parentes das vítimas, sobreviventes e autoridades do Estado se reuniram no mesmo local onde um carro-bomba mudou para sempre a história da comunidade judaica argentina – a maior de toda América do Sul – e do país.

“Nos perguntamos como é possível que 25 anos depois não haja um só responsável preso cumprindo pena por este crime contra a humanidade. A nossa sociedade pede justiça”, leu o presidente da AMIA, Ariel Eichbaum, no ato realizado diante da atual sede da instituição.

Em mais um 18 de julho, o país lembra os fatos ocorridos neste mesmo dia de 1994, no número 633 da rua Pasteur, em Buenos Aires, sempre com a mesma bandeira: pedir justiça por esse ataque, que aconteceu apenas dois anos depois da explosão de uma bomba ao lado da Embaixada de Israel, crime também ainda impune.

Com o lema “85 vidas tiradas. 25 anos de impunidade”, o ato começou às 9h53 local (mesmo horário em Brasília) – hora exata do atentado – com um toque de sirenes – replicado neste ano por carros de bombeiros e ambulâncias e sinos de igrejas em todo o país – que foi seguido por um minuto de silêncio.

Também foram lidos, um por um, os nomes de cada um dos mortos.

“Resistimos e seguimos lutando para que a impunidade não vença, para que não seja infinita”, disse Sofia Guterman, mãe de Andrea, que aos 28 anos estava na sede da AMIA, em busca de trabalho, quando a bomba explodiu.

Para a mulher, que lembrou como os gritos e sons das ambulâncias desse dia “nunca se apagaram da memória”, no Irã há homens que ordenaram matar seus parentes.

“Até o último dia das nossas vidas vamos continuar dizendo, não como pergunta, mas como acusação, ‘por que estão livres e protegidos?’ Porque os países terroristas protegem terroristas, simples assim”, disse durante seu discurso.

O papa Francisco também se manifestou, lendo uma carta enviada há poucos dias, na qual afirmou estar com as vítimas e rezar com elas. “Que Deus vos abençoe e cuide de vós”, disse Francisco na carta.

De forma especial, fez referência ao trabalho dos médicos do Hospital de Clínicas, para onde foi levado a maioria dos 300 feridos no ataque.

“O atentado à AMIA partiu em duas as nossas vidas”, contou entre lágrimas Florentino Sanguinetti, diretor em 1994 desse centro hospitalar.

A comunidade judaica e a Justiça argentina atribuem a autoria do ataque ao Irã – com o ex-presidente Akbar Hashemi Rafsanjani, falecido em janeiro de 2017, e o ex-ministro de Relações Exteriores Ali Akbar Velayati, entre os suspeitos – e a organização islâmica libanesa Hezbollah, embora a falta de colaboração do Irã tenha impedido a detenção dos acusados.

Nesta manhã, o Governo confirmou que incluirá o Hezbollah no registro de entidades vinculadas a atos de terrorismo, criado ontem por um decreto presidencial.

No ato na rua Pasteur, que contou com show dos músicos Lito Vitale e Juan Carlos Baglietto, não faltou uma menção especial ao falecido promotor Alberto Nisman, que durante anos liderou o caso da AMIA e é considerado por parte da comunidade hebraica como a vítima 86.

Em 18 de janeiro de 2015, Nisman apareceu morto com um tiro na cabeça – em circunstâncias que ainda são investigadas – apenas quatro dias depois de acusar a então presidente, Cristina Kirchner (2007-2015), de ter tentado encobrir os acusados através de um acordo com o Irã assinado em 2013.

A atual senadora, que enfrenta um processo por esse suposto encobertamento – embora não possa ser detida por ter foro privilegiado – insiste que esse acordo só buscava instaurar uma investigação bilateral do ataque.

Em memória de Nisman foi colocada hoje também uma rosa e uma vela na presença de sua mãe, Sara Garfunkel, e Iara, uma de suas filhas.

“Alberto Nisman foi assassinado por ser promotor da causa AMIA”, sentenciou Eichbaum.

O caso AMIA esteve desde a origem cheio de irregularidades: em 2001 começou um julgamento que terminou em 2004 com a declaração de nulidade de toda a investigação e a absolvição dos policiais argentinos acusados de integrar a conhecida “conexão local”.

Em fevereiro, o ex-presidente Carlos Menem (1989-1999) foi absolvido de um suposto encobertamento da investigação no marco desse processo, embora oito pessoas tenham sido condenadas – com ex-policiais, ex-promotores e ex-espiões na lista -, a entre dois e seis anos de prisão.

A suposta responsabilidade de Menem apontava ao suposto abandono deliberado da investigação sobre o cidadão de origem síria Alberto Kanoore Edul, que aparentemente tinha vínculos com a família Menem.

Atualmente foi realizado um julgamento do advogado e comerciante de automóveis argentinos Carlos Telleldín, investigado pela preparação e entrega da caminhonete Trafic supostamente utilizada para o atentado.