A arte da guerra: como Trump obteve grande vantagem com a ordem para desclassificar documentos

Essas aparentes negociações feitas nos bastidores parecem estar relacionadas com a gestão dos danos causados às instituições em consequência das ações da administração anterior

24/09/2018 14:17 Atualizado: 24/09/2018 14:17

Por Jeff Carlson

Em 20 de setembro, o presidente Donald Trump fez uma breve porém muito importante revelação em uma entrevista ao vivo com Sean Hannity durante um evento em Las Vegas. Hannity perguntou ao presidente sobre a publicação pendente dos documentos desclassificados, e foi isto o que Trump respondeu:

“Bem, estamos nos mexendo, estamos trabalhando. Também estamos lidando com países estrangeiros que têm um problema. Devo dizer que hoje me chamaram dois bons aliados e disseram: ‘por favor, podemos conversar’. Então não é tão simples. E temos de respeitar seus desejos. Mas tudo virá à tona”.

Na manhã de sexta-feira (21) o presidente Trump publicou uma série de mensagens no Twitter sobre o assunto, dando mais informações:

“Eu me reuni com o Departamento de Justiça para tratar da desclassificação de vários documentos não editados. Eles concordaram em publicá-los, mas afirmaram que fazê-lo poderia ter um impacto negativo sobre a investigação da Rússia. Além disso, aliados-chave entraram em contato pedindo para que não fosse publicado. Portanto, ao Inspetor-Geral…”

“… pediram-lhe que revisasse esses documentos rapidamente. Eu acho que ele vai ser rápido nisso (e espero que em outras coisas que ele está vendo também). No final, posso desclassificá-los se necessário. A rapidez é muito importante para mim, e para todos!”

Uma ordem de desclassificação, particularmente uma tão potencialmente ampla como esta, toca muitos aspectos diferentes.

Em um artigo anterior, salientei que o processo de desclassificação era mais complexo do que se pensava. Deixando a política de lado, existem quatro elementos diferentes em jogo, e todos eles estão diretamente relacionados com a Ordem de Desclassificação do presidente Trump.

Primeiro, está em andamento o processo da ordem de desclassificação em si mesma.

Em segundo lugar, está em andamento a elaboração do relatório do Inspetor Geral do Departamento de Justiça sobre o abuso da FISA, que foi anunciado em 28 de março de 2018.

Um terceiro elemento é a participação de certos aliados dos Estados Unidos (quase certamente Grã-Bretanha e Austrália) junto com o FBI e a CIA nos eventos que levaram ao estabelecimento da Investigação de Contraespionagem do FBI.

Finalmente, temos a investigação que está sendo conduzida pelo Promotor Especial Robert Mueller.

Além da investigação em curso do Inspetor Geral sobre eventuais abusos da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira (Foreign Intelligence Surveillance Act, FISA), ele também tem pelo menos dois subconjuntos de investigações derivadas do seu relatório de 2018 de junho: “Uma revisão de várias ações do Bureau Federal de Investigações e do Departamento de Justiça com antecedência das eleições de 2016“.

Como parte dessas investigações em andamento, a informação confidencial que está sendo utilizada ou investigada pelo Inspetor Geral deve ser protegida até a conclusão de suas investigações. Isso quase causou um conflito inerente com a ordem de desclassificação emitida pelo Presidente Trump.

A abordagem adotada pelo Inspetor Geral em sua investigação mais recente, e em andamento, é muito específica:

“Uma revisão, que irá examinar a conformidade do Departamento de Justiça e do Bureau Federal de investigação (FBI) com os requisitos legais e com as políticas e procedimentos aplicáveis do DOJ e do FBI, em solicitações apresentadas ao Tribunal de Vigilância de Espionagem Estrangeira (FISC) em relação a uma determinada pessoa norte-americana”.

Como parte dessa análise, o gabinete do Inspetor Geral (OIG) também irá revisar a informação conhecida pelo DOJ e pelo FBI, no momento em que se apresentaram as solicitações, sobre uma suposta fonte confidencial do FBI. Além disso, o OIG também irá revisar as comunicações que as agências mantiveram com a alegada fonte relacionada com as solicitações da FISA.

A “determinada pessoa norte-americana” mencionada é o ex-assessor da campanha presidencial de Trump, Carter Page. A chamada “suposta fonte confidencial do FBI” é Christopher Steele, ex-espião do MI6 que foi contratado para produzir o polêmico material sobre o então candidato Donald Trump. Outra fonte relacionada é o informante do FBI Stefan Halper, que provavelmente irá aparecer como parte da investigação do Inspetor Geral.

O próprio Inspetor Geral deve seguir o caminho da desclassificação antes de publicar qualquer relatório pormenorizado. O fato de que seus relatórios finais sejam principalmente públicos exige a desclassificação de informações publicadas (às vezes são anexados apêndices classificados).

A ordem presidencial para iniciar o processo de desclassificação interage diretamente com a investigação do Inspetor Geral sobre o abuso da FISA. Essa é a razão, pelo menos em parte, para o fato de o presidente Trump fazer referência ao Inspetor Geral em seus tuítes. Isso pode indicar ou levar a uma publicação conjunta do Relatório do Inspetor Geral, juntamente com documentos desclassificados derivados da ordem do presidente Trump.

Parece mais provável que o Inspetor Geral seja agora responsável por publicar muitos, senão todos, os elementos que o presidente Trump especificou em sua ordem de desclassificação. Como apontou Trump em seu tuíte, se ele não ficar satisfeito com os resultados, sempre se pode reverter o curso e desclassificar os documentos ele mesmo.

Aliados estrangeiros

Em relação aos nossos aliados, qualquer informação sujeita a desclassificação que pertença à inteligência estrangeira ou aos próprios aliados quase certamente levará a discussões de alto nível. Nesse caso em particular, pode parecer que essas discussões foram tão perturbadoras que causaram telefonemas de dois de nossos aliados de níveis suficientemente elevados para chegar diretamente ao presidente Trump.

Esses telefonemas são contundentes e provavelmente confirmam que a inteligência britânica e australiana estiveram envolvidas nos eventos que conduziram ao estabelecimento da investigação de contra-inteligência do FBI.

Luke Harding, do jornal The Guardian, divulgou anteriormente o envolvimento da inteligência britânica, e salientou que o Quartel General de Comunicações do Governo (GCHQ) participou da coleta de informações e de sua transmissão para os Estados Unidos:

“No final de 2015, a agência de espionagem britânica, GCHQ, estava realizando uma ‘coleta’ padrão sobre alvos de Moscou. Estes eram conhecidos agentes do Kremlin que já estavam na rede. Até aqui nada incomum, exceto que os russos estavam falando com pessoas associadas a Trump. A natureza precisa dessas conversas não foi tornada pública, mas segundo fontes dos Estados Unidos e do Reino Unido, formaram um padrão suspeito. Elas continuaram durante o primeiro semestre de 2016. A informação foi entregue aos Estados Unidos como parte de uma troca de informações de rotina”.

No verão de 2016, Robert Hannigan, então chefe do GCHQ britânico, viajou para Washington D.C. para se encontrar pessoalmente com o então diretor da CIA, John Brennan:

“Naquele verão, o então chefe do GCHQ, Robert Hannigan, voou para os Estados Unidos a fim de informar pessoalmente o chefe da CIA, John Brennan. O assunto foi considerado tão importante que foi tratado no ‘nível de diretoria’, frente a frente entre os dois chefes das agências”.

Curiosamente, a contraparte norte-americana de Hannigan não era o diretor da CIA, Brennan. O homólogo norte-americano de Hannigan era o diretor da NSA, Mike Rogers.

Brennan teria usado inteligência estrangeira para iniciar uma investigação inter-institucional.

O então Diretor de Inteligência Nacional, James Clapper, confirmou pessoalmente a participação de inteligência estrangeira durante seu depoimento no Congresso:

Feinstein: Na primavera de 2016, vários aliados europeus passaram informações adicionais para os Estados Unidos sobre os contatos entre a campanha de Trump e os russos. Isso é exato?

Clapper: Sim, é, e é também muito delicado. Os detalhes são muito delicados.

A BBC informou que a participação de Brennan pode remontar a abril de 2016:

“Em abril passado [2016], o diretor da CIA recebeu informações sigilosas que o preocuparam. Supostamente, ele teria recebido uma gravação de uma conversa sobre dinheiro do Kremlin entrando na campanha presidencial dos Estados Unidos”.

“Foi transferida para os Estados Unidos por uma agência de inteligência de um dos Estados bálticos. A CIA não pode atuar em nível nacional contra cidadãos norte-americanos, então criou um grupo de trabalho conjunto de contra-espionagem”.

“O grupo de trabalho incluía seis agências ou departamentos governamentais”.

Brennan mencionaria mais tarde essa força-tarefa durante uma entrevista com Rachel Maddow da MSNBC.

Hannigan, do GCHQ, anunciou inesperadamente sua aposentadoria em 23 de janeiro de 2017, logo depois de o presidente Trump assumir o mandato, em 20 de janeiro de 2017.

O jornal The Guardian divulgou que especula-se que a renúncia de Hannigan estava diretamente relacionada com a troca de informações com o Reino Unido:

“Sua súbita retirada — ele só a informou ao pessoal horas antes de tornar pública a decisão — gerou especulação de que estaria relacionada com as preocupações britânicas sobre a espionagem compartilhada com os Estados Unidos logo após Donald Trump tornar-se presidente.”

A participação australiana é cortesia do diplomata Alexander Downer através de sua reunião com o assessor de política externa da campanha Trump, George Papadopoulos. Foi essa reunião, supostamente transmitida ao FBI pela inteligência australiana no final de julho de 2016, que foi mencionada como o motivo que levou à investigação de contra-espionagem do FBI em 31 de julho de 2016.

Downer, que tem laços de longa data com órgãos de inteligência do Reino Unido, fez parte do Conselho Consultivo da empresa privada britânica de inteligência Hakluyt entre 2008 e 2014. Aparentemente, ele ainda mantém contato com agentes da Hakluyt.

Stefan Halper, revelado como um espião do FBI, também tem conexões com a Hakluyt através de Jonathan Clarke, com quem é coautor de dois livros. Clarke é o representante norte-americano e Diretor de Operações nos Estados Unidos para a Hakluyt.

Há muitas outras ligações entrelaçadas. Sir Richard Dearlove, ex-diretor do MI6, está associado com quase todos os membros da inteligência estrangeira mencionados.

Foi Dearlove quem aconselhou Christopher Steele e seu colega Chris Burrows, que trabalharam com uma autoridade do governo britânico, a passar informações ao FBI. Dearlove conhece Stefan Halper através de sua parceria mútua com o Seminário de Inteligência de Cambridge. Dearlove também conhece Sir Iain Lobban, diretor do GCHQ, e ex-diretor do Conselho Consultivo da Hakluyt.

Esses vínculos parecem quase infinitos e ilustram por que deve haver razões de verdadeira preocupação por parte dos atuais agentes britânicos e australianos de inteligência estrangeira.

George Papadopoulos publicou na quinta-feira (20) um tuíte alarmante:

“A tentativa dos governos britânico e australiano de sabotar a campanha presidencial de Trump está prestes a virar-se contra eles de uma forma espetacular.”

Na sexta-feira prosseguiu com este:

“Depois que finalmente se descobriu que os governos britânico e australiano estavam ativamente espionando e tentando sabotar a campanha presidencial de Trump, os dois governos telefonaram para o presidente para lhe pedir que não desclassificasse nenhum dos documentos. Estranho.”

Subjacente a todo o ruído parece haver um esforço por parte do Departamento de Justiça em controlar a maneira como a informação é tornada pública. Depois que o presidente Trump emitiu sua ordem de desclassificação, tanto o Departamento de Justiça como dois de nossos aliados insistiram para limitar ou atrasar a publicação dessa informação.

Em vez de retirar seu pedido de desclassificação imediata, o presidente Trump levou o relatório do Inspetor Geral para o primeiro plano, com um calendário acelerado para sua publicação.

No caso de o relatório do Inspetor Geral ser menos revelador, ou mais extenso do que o necessário, o presidente Trump pode voltar à sua ordem anterior de desclassificação.

Essas aparentes negociações feitas nos bastidores parecem estar relacionadas com a gestão dos danos causados às nossas instituições — e aos nossos aliados — em consequência das ações da administração anterior.

Pessoalmente, eu sou a favor de uma revelação completa agora — e a deixar os estilhaços caírem onde devem cair.

Mas também entendo o poder da vantagem. Apesar da decepção que muitos irão experimentar, o presidente Trump está atualmente em uma posição de grande vantagem sobre todos os envolvidos, incluindo Grã-Bretanha e Austrália.

Faça a si mesmo uma pergunta simples: qual é a maneira mais poderosa no que diz respeito à persuasão pública, uma desclassificação forçada de um conjunto específico de documentos pelo presidente Trump, ou um relatório honesto e convicto emitido por um Inspetor Geral independente, um que foi nomeado por Barack Obama?

O presidente Trump tomou a decisão de que um melhor curso é permitir que o Inspetor Geral Horowitz administre a divulgação de informações. Se isso não satisfaz o presidente Trump, bem, acho que tudo pode acontecer.

No entanto, tenho a impressão de que a publicação do relatório do Inspetor Geral deu uma acelerada significativa.

Jeff Carlson é membro fundador da CFA. Trabalhou durante 20 anos como analista e gerente de portfólio no mercado de títulos de alta performance. Ele gerencia o site TheMarketsWork.com

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