Por Alberto L. Zuppi y César Chelala
Um novo e generalizado escândalo de corrupção envolvendo empresários, juntamente com ex-funcionários da administração Kirchner, pode ter consequências imprevistas para o futuro da Argentina como democracia. A recente condenação do ex-vice-presidente Amado Boudou a 5 anos e 10 meses de prisão por crimes cometidos durante seu mandato pode ainda oferecer alguma esperança para o país.
A corrupção não é certamente algo novo na Argentina. Ela tem sido esculpida no cenário político argentino desde o início do século XX e adquiriu intensidade pandêmica após os governos do general Juan Domingo Perón. Adolfo Pérez Esquivel, Prêmio Nobel da Paz, falou da onipresente “doença moral” da sociedade argentina.
A decepção era uma política pública tácita nas escolas, nos impostos e nas contas a pagar e multas. Esse comportamento social infectou as raízes do sistema político do país e produziu o seu fim mais espetacular com o governo dos Kirchner. Néstor Kirchner foi presidente da Argentina de 2003 a 2007 e Cristina Fernández de Kirchner de 2007 a 2015.
No entanto, tudo isso não deveria ser surpresa para ninguém. Os germes estavam lá se espalhando no porão, apodrecendo as estruturas, preparando o colapso final. Como pode alguém explicar de outra forma a repressão sanguinária realizada pelos militares durante a década de 1970, sem considerar sua aceitação prévia pelos círculos políticos civis? Como é possível que as pessoas desaparecessem em plena luz do dia devido a comandos táticos militares, sem denúncias formais, exceto por alguns grupos de direitos humanos?
Como se explica também que o ataque terrorista contra a “Associação Mutual Israelita Argentina” (Amia), que matou 85 pessoas em Buenos Aires em 1994, pudesse ocorrer, sem considerar uma provável conivência de funcionários do governo do ex-presidente Carlos Menem? Ou como poderia explicar-se o assassinato de Alberto Nisman?
Nisman foi promotor especial no caso da Amia, e foi assassinado um dia antes de depor no Congresso para denunciar o acordo entre a administração Kirchner com o Irã. Nesse acordo, Irã e Argentina trocaram petróleo por imunidade para os iranianos suspeitos de envolvimento no ataque à Amia.
Esses eventos díspares foram simplesmente uma consequência da corrupção existente em todos os níveis da sociedade argentina. A política de cumplicidade de uma década entre políticos e juízes não só permitiu que esses eventos permanecessem impunes, como também aceitou o suborno como um canal para resolver qualquer investigação de um sistema corrupto.
No recente escândalo foi descoberto que o motorista de um dos principais funcionários do governo Kirchner escreveu oito cadernos com explicações detalhadas de reuniões, pessoas envolvidas, lugares e malas com dinheiro. Os cadernos envolveram não somente autoridades principais do governo, mas também diversos empresários importantes.
Existe alguma possibilidade de que a Argentina irá eliminar a doença crônica da corrupção em sua vida social? Afinal, parece mais fácil desistir de qualquer resistência, do que começar uma luta desproporcional contra uma doença que tem cúmplices em todos os níveis da sociedade. No entanto, como acontece quando sofremos uma injustiça, podemos abandonar toda a esperança ou manter nossa resistência acreditando que merecemos um futuro melhor.
A Itália lutou com sucesso contra um sistema corrupto semelhante através do “Mani Pulire” (Mãos Limpas). Essa foi uma investigação judicial italiana em nível nacional sobre a corrupção política que levou ao desaparecimento da chamada “Primeira República”. Vários políticos e empresários se suicidaram depois de terem seus crimes descobertos. O Brasil recentemente produziu a “Lava Jato”, uma abordagem semelhante, que proporcionou uma oportunidade de combater a corrupção generalizada no país.
Cabe agora aos juízes argentinos aproveitarem essa oportunidade para pôr um fim definitivo à corrupção endêmica na Argentina. Oportunidades como essa são raras quando a voz desesperada da população exige justiça.
Alberto L. Zuppi, é advogado na Argentina e professor de Direito, autor de “Amia: um crime em andamento” (Red Penguin, 2018). César Chelala é co-vencedor do prêmio do Overseas Press Club of America por “Desaparecido ou Morto na Argentina: a Busca Desesperada por Milhares de Vítimas sequestradas”.
Os pontos de vista expressos neste artigo são de responsabilidade dos autores e não refletem necessariamente o posicionamento do Epoch Times