Agricultores franceses bloquearam estradas e realizaram saques em caminhões espanhóis, refletindo a crescente preocupação com as importações do Mercosul, principalmente do Brasil e Argentina. Liderados por diversos sindicatos, os protestos buscam barrar o acordo de livre-comércio que ameaça, segundo eles, a sustentabilidade do setor rural francês.
As manifestações refletem uma crescente preocupação do setor agrícola francês com a concorrência representada pelas importações sul-americanas, principalmente oriundas do Brasil e Argentina.
A Federação Nacional dos Sindicatos dos Operadores Agrícolas (FNSEA), principal sindicato agrícola da França, lidera as mobilizações, que devem se estender até dezembro.
Arnaud Rousseau, líder da FNSEA, disse em entrevista à mídia Francesa BFM TV no domingo, que os agricultores já lidam com a concorrência de importações mais baratas, regulações pesadas e baixos rendimentos, e um acordo com o Mercosul seria uma amarga “cereja no bolo”.
Segundo os agricultores, a assinatura do tratado representaria uma grande ameaça à sustentabilidade do setor rural da França, prejudicando os produtores que já enfrentam colheitas difíceis e surtos de doenças no gado.
Na cidade de Le Boulou, ao sul da França, dezenas de agricultores bloquearam a autoestrada A9. O protesto foi apoiado pelo sindicato Coordination Rurale (CR), considerado de linha dura.
Serge Bousquet-Cassagne, representante da CR, declarou: “Vamos bloquear a A9, assim como depósitos de combustível, portos e centros de compras”, ameaçou. “Queremos causar caos e escassez de alimentos”.
O bloqueio da A9 pode durar vários dias, de acordo com Bousquet-Cassagne. Ele citou que há “um rio de frutas e vegetais que chega da Espanha”, justificando a ação.
Outros franceses bloquearam a entrada de caminhões vindos da Espanha na rodovia na fronteira de La Junquera. Durante o bloqueio ocorreram ainda dois saques a caminhões espanhóis e derramamento de vinhos que transportavam. O incidente fez parte das manifestações organizadas pelo sindicato CR.
O protesto envolveu cerca de cem agricultores e vinte tratores, que ocuparam a saída do pedágio francês de Le Boulou. Eles permitiram a passagem apenas de carros de passeio, enquanto barravam caminhões, especialmente aqueles que transportavam vinho e carne da Espanha. A ação rapidamente criou filas de vários quilômetros na rodovia.
Arnaud Poitrine, sindicalista da CR, justificou o saque dizendo que a importação de vinho espanhol afeta os preços pagos aos vinicultores franceses, dificultando seus lucros. Mesmo com a manifestação, as autoridades francesas não intervieram, e o tráfego para outros tipos de veículos seguiu normalmente em direção à Espanha.
Conforme relatado pela France24, foram registrados centenas de protestos em toda a França direcionado inclusive a outros países europeus.
Na cidade de Agen, manifestantes despejaram pneus na frente da prefeitura em mais um ato de protesto.
Autoridades informaram que, antes do meio-dia de terça-feira, mais de uma dúzia de protestos estavam em andamento. Ao todo, reuniram quase 900 agricultores e mais de 300 máquinas agrícolas.
Na segunda-feira, houve mais de 80 protestos em todo o país. Agricultores montaram forcas e cruzes de madeira para simbolizar a morte da agricultura francesa.
Os manifestantes também bloquearam a Ponte da Europa, que liga a França à Alemanha, que apoia o acordo com o Mercosul.
Em Bordeaux, às margens do rio Garonne, agricultores queimaram vinhedos arrancados. Foi mais um ato de revolta e um símbolo do descontentamento dos agricultores franceses.
Os sindicatos FNSEA e Jeunes Agriculteurs, que representam a maioria dos agricultores, também apoiaram os protestos e o movimento ganhou ainda mais força e adesão.
A porta-voz do governo, Maud Bregeon afirmou que o governo continuará “lutando o tempo que for necessário” para se opor ao tratado.
Os agricultores reclamam de burocracia excessiva, rendimentos baixos e colheitas ruins. Alegam que as promessas de apoio feitas antes da dissolução da câmara baixa ainda não foram cumpridas.
Regis Desrumaux, líder do sindicato de agricultores FDSEA de l’Oise, afirmou que “o governo está dormindo há muito tempo quando se trata de agricultura, então não vamos deixá-los dormir mais”, afirmou
Como explicou Desrumaux, a preocupação dos agricultores não é nova.
Desde o governo de Jair Bolsonaro, a conclusão do acordo UE-Mercosul vem sendo alvo de controvérsias.
Em junho de 2019, durante o primeiro ano da administração Bolsonaro, o acordo foi anunciado como um triunfo comercial após mais de 20 anos de negociações.
Emmanuel Macron, presidente da França, reafirmou recentemente sua oposição ao tratado, argumentando que é impossível concluir o acordo nas condições atuais.
Macron defendeu a inclusão de mais compromissos ambientais e garantias quanto ao uso de pesticidas e antibióticos, que são proibidos na Europa, mas utilizados na agricultura do Mercosul.
No domingo (17) o presidente francês Emmanuel Macron se encontrou com o presidente argentino , Javier Milei. Segundo o francês, Milei também “não está satisfeito” com os termos atuais do acordo, indicando que ambos os países compartilham preocupações semelhantes.
Macron ainda afirmou na segunda-feira (18) durante os intervalos do G20 que “a França não está isolada” e que outros países também não eram favoráveis à conclusão do acordo. Segundo Macron, os “poloneses, austríacos, italianos e vários outros na Europa” também estavam insatisfeitos com o acordo.
“Realmente não queremos importar produtos agrícolas que não respeitem as regras que nós mesmos nos auto impomos”, disse Macron.
De forma similar, a ministra da Agricultura, Annie Genevard, se posicionou contra o tratado, chamando-o de um “mau acordo” para os franceses que enfrentam altas regulações estatais.
O impasse em torno do acordo comercial também se deve à diversidade de posições dentro da própria União Europeia.
Enquanto a França segue criticando o tratado, na Alemanha e na Espanha o apoio à assinatura do acordo permanece forte, com o argumento de que ele fortaleceria os laços comerciais e abriria oportunidades econômicas para as duas regiões.
Segundo Luis Planas Puchades, ministro da Agricultura da Espanha, “existe uma certa mitologia em torno do Mercosul” quando se trata de temas como agronegócio.
“A União Europeia está interessada ou está interessada, neste contexto geopolítico particular que estamos vivendo, especialmente após as eleições norte-americanas, em ampliar a rede de nossos acordos comerciais com países terceiros para também manter nossa influência econômica e comercial? Acho que a resposta é muito clara”, defendeu o ministro.
O chanceler alemão Olaf Scholz também se posicionou favorável ao acordo. Ele pediu em um discurso na Associação Alemã de Comércio Atacadista e Exterior (BGA) que o acordo UE-Mercosul seja “finalizado rapidamente”.
Segundo Scholz, o acordo é uma oportunidade crucial para ambas as regiões e garantiu que “a grande maioria dos estados-membros da UE também apoia politicamente o acordo”.
O chanceler alemão também enfatizou que, embora questões ambientais sejam importantes, elas não devem atrasar indefinidamente a conclusão do acordo.