Adolescente russo cria videogame para africanos ficarem contra EUA e aliados

Por Darren Taylor
03/10/2024 20:47 Atualizado: 03/10/2024 20:47
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times.

A cena na tela do computador mostra uma rua cheia de escombros em Ouagadougou, capital do pequeno país da África Ocidental, Burkina Faso.

Tropas se acumulam de um lado, segurando rifles automáticos e lançadores de foguetes, com seus uniformes ostentando a bandeira nacional de Burkina Faso — duas faixas horizontais iguais de vermelho e verde, com uma estrela amarela de cinco pontas no centro.

Atrás delas, há outro grupo de soldados vestindo fardas militares diferentes, com os rostos cobertos por balaclavas pretas e uma insígnia clara em seus peitos: duas espadas sobre um fundo preto cortando uma estrela dourada — o símbolo do Afrika Korps (Corpo Africano), composto por ex-mercenários do Grupo Wagner da Rússia.

À medida que o videogame se desenrola, utilizando animação e gráficos sofisticados, o objetivo dos jogadores se torna claro: essas duas forças, coletivamente chamadas de “Movimento Patriótico para Salvação e Reconstrução”, lideradas pelo Capitão Ibrahim Traoré, devem libertar Burkina Faso do controle “neocolonialista, imperialista e racista” do presidente Paul-Henri Damiba, rotulado como um “fantoche” de seus “mestres” americanos e franceses.

Para conseguir isso, as forças “libertadoras”, apoiadas pela Rússia, devem destruir tudo que exibir uma bandeira americana ou francesa, incluindo soldados, veículos militares e edifícios.

Balas e bombas voam; sangue espirra pela tela.

O desfecho é previsível, e multidões de pessoas — algumas acenando bandeiras russas — inundam as estradas destruídas e cheias de corpos para celebrar Traoré, seus soldados e os combatentes do Afrika Korps.

As massas comemoram a “vitória dos pan-africanistas, a criação da Confederação do Sahel, sua própria moeda e a retirada de todos os militares ocidentais do território do Estado.”

Esse caminho de Pan-africanismo, segundo a descrição de “African Dawn“, leva Burkina Faso a receber “apoio técnico-militar e econômico” da Rússia.

A explicação na tela continua: “Como é sabido, como resultado dos golpes em Burkina Faso, Mali e Níger, bem como da retirada dos militares franceses e americanos, os países africanos, cansados de serem saqueados pelo Ocidente, começaram a aumentar ativamente a cooperação com a Rússia em todas as áreas.”

Karen Allen, especialista em tecnologia da informação do Instituto de Estudos de Segurança da África do Sul, descreve o jogo de computador “African Dawn” como “a mais nova ferramenta no manual de manipulação e interferência da informação estrangeira de Moscou”.

Allen disse ao Epoch Times que “African Dawn” é um “jogo geopolítico” online projetado para “manipular e influenciar” os africanos contra o Ocidente e qualquer um percebido como “amigo” dos Estados Unidos e de seus aliados europeus.

Analistas dizem que China e Rússia, de um lado, e os Estados Unidos e a União Europeia, de outro, estão travando uma “nova corrida pela África”, uma rivalidade geopolítica amplamente vista como uma disputa pelo acesso aos vastos recursos minerais do continente.

Esses minerais e metais críticos, como cobalto, lítio e manganês, são necessários para a fabricação de produtos essenciais para o futuro mundial, incluindo sistemas de energia limpa, computadores e tecnologia de comunicação.

Recentemente, tanto os Estados Unidos quanto a França retiraram suas forças da região conflituosa do Sahel a pedido das juntas militares que agora governam Burkina Faso, Mali e Níger.

De acordo com Allen e outros especialistas, isso aconteceu depois que a Rússia incitou protestos e violência antiocidentais usando suas armas de desinformação e propaganda, incluindo sites e redes sociais controlados pelo Kremlin.

“‘African Dawn’ é uma reencenação do golpe bem-sucedido de Traoré em 30 de setembro de 2022; porém, os jogadores têm o ‘bônus’ adicional de eliminar soldados ocidentais.”

Jean le Roux, pesquisador de desinformação que cobre a África subsaariana para o Laboratório de Pesquisa Forense Digital do Conselho Atlântico, rastreou as origens do jogo até a Iniciativa Africana, um site pró-Rússia.

A Iniciativa Africana, com sede em Moscou e escritórios em Burkina Faso e Mali, é financiada pelo Kremlin e liderada por um ex-operativo do Grupo Wagner, Artem Kureev.

Governos ocidentais afirmam que a Iniciativa Africana é uma voz da propaganda do Kremlin que visa “distorcer o discurso nacional” e minar os programas de ajuda ocidentais, incluindo programas de saúde pública.

“‘African Dawn’ e a Iniciativa Africana são os esforços mais recentes de Moscou para enfrentar os Estados Unidos em termos de projeção de poder e influência no continente”, disse Herman Wasserman, chefe de estudos de mídia da Universidade de Stellenbosch, na África do Sul, ao Epoch Times.

“Muitos outros poderes, incluindo os Estados Unidos, usaram a mídia e os filmes para promover seus interesses geopolíticos há anos. ‘African Dawn’ está levando isso para o território popular dos jogos online, como parte da tendência crescente do ‘militainment’.”

De acordo com a Media Education Foundation de Northampton, Massachusetts, militainment é o consumo de guerra como entretenimento por meio de várias fontes modernas, incluindo canais de notícias, esportes, brinquedos, videogames, filmes e reality shows.

Em um artigo recente para a Iniciativa Africana, Kureev e sua colega Anna Zamaraeva mencionaram Grigory Korolev, um jovem de 17 anos de São Petersburgo, como o designer e criador de “African Dawn.”

O nome de jogador de Grigory, eles escrevem, é GrishaPutin, “famoso por sua postura pró-Rússia” durante a “Operação Militar Especial” de Moscou na Ucrânia.

O relatório da Iniciativa Africana descreve o trabalho do adolescente como um “pesadelo cibernético” prestes a ser desencadeado sobre um Ocidente desprevenido.

No site, Grigory, de braços cruzados no peito, é fotografado com um uniforme militar russo decorado com insígnias do Grupo Wagner.

Kureev e Zamaraeva descrevem a lógica por trás de “African Dawn” da seguinte forma:

“Jogos de computador são percebidos por estrategistas da OTAN como um campo de treinamento para futuros táticos, e a indústria de jogos ocidental se tornou um elemento importante da propaganda.

“Os antagonistas lá são cada vez mais frequentemente russos maus ou ‘muçulmanos barbudos’.

“No entanto, os jogadores de ciberesportes russos aprenderam a destruir habilmente essas narrativas de propaganda com seu talento e carisma.”

Como exemplo de “propaganda e desinformação ocidentais agressivas” na indústria de jogos, o relatório da Iniciativa Africana faz referência ao jogo online “Call of Duty: Modern Warfare“, feito nos Estados Unidos, no qual os americanos lutam contra forças russas, uma batalha que eventualmente evolui para a Terceira Guerra Mundial entre as nações aliadas da OTAN e uma Rússia “ultranacionalista.”

Em um dos jogos “Call of Duty“, tropas russas massacram “refugiados inocentes e indefesos” em uma suposta “Rodovia da Morte”, disse a criadora de conteúdo de jogos da África do Sul, Thea Booysen.

“Então, ao criar ‘African Dawn’, os russos estão argumentando que estão fazendo exatamente o que a indústria de jogos americana tem feito há décadas”, disse Booysen ao Epoch Times.

“O argumento russo é que, quando os Estados Unidos criam jogos online e apresentam seus inimigos como maus e bárbaros, isso é celebrado como fato. Mas quando um gênio russo dos games cria um jogo em que as forças se opõem aos Estados Unidos e seus aliados, então esse jogo é propaganda maligna.”

Booysen disse que a mensagem de “African Dawn” é que “os russos estão resgatando os africanos de serem reescravizados, recolonizados pelo opressivo e racista Ocidente.”

No artigo para a Iniciativa Africana, Kureev e Zamaraeva escrevem que Grigory também é um “jovem cientista político” que “considera o fortalecimento da posição da Rússia na África” e “expulsar os antigos colonizadores” do continente como as “tarefas geopolíticas mais importantes.”

O relatório sugere que o Ocidente está ativamente desestabilizando a África e é responsável pela pobreza no continente.

“Por meio do jogo de computador, Korolev quer mostrar em detalhes como a situação nos países africanos está se desenvolvendo, quem está encomendando a instabilidade na região e quais dificuldades econômicas os países que se tornaram parceiros da Rússia estão enfrentando”, diz o artigo.

No site Iniciativa Africana, Grigory é citado da seguinte forma: “A Rússia deve desenvolver seus videogames como a ferramenta mais eficaz para se comunicar com os jovens ao redor do mundo.

“A história militar da Rússia é rica em glórias, os enredos podem ser os feitos heroicos da Grande Guerra Patriótica ou dos heróis das operações especiais. Hoje, os videogames são o novo portador da história mundial, assim como livros e filmes.”

Scott Timcke, economista político da Research ICT Africa, um think tank especializado em comunicações e questões digitais, disse ao Epoch Times que “African Dawn” tem o potencial de alcançar “muitos milhões” de africanos, já que a atividade na internet e os jogos estão crescendo exponencialmente no continente.

“Assim como em outras partes do mundo, os jogos estão se tornando maiores do que os filmes na África, e envolvem a mente de muitos jovens”, disse Timcke.

“A mensagem em ‘African Dawn’ certamente pode influenciar as mentes dos jovens africanos a simpatizarem muito mais com a Rússia e seus aliados, e isso é muito perigoso, pois essa mensagem apoia golpes militares e vários comportamentos antidemocráticos.”

Timcke disse que o objetivo das operações de influência é mudar a forma como as pessoas se comportam.

“Qual maneira melhor de alcançar isso do que colocá-las dentro de um cenário fictício onde as escolhas ‘corretas e honradas’ são recompensadas?”, disse Timcke. “E, muitas vezes, esses cenários fictícios são reproduzidos na vida real.”

A Statista estimou que haverá cerca de 2,58 bilhões de jogadores de videogame globalmente em 2024.

“Somente uma pequena porcentagem de jogadores está atualmente na África, porque o acesso à internet é limitado e caro”, disse Booysen. “Mas o número de jogadores está crescendo dia a dia, especialmente devido aos investimentos chineses em infraestrutura de TIC.”

Usar jogos online para influenciar jovens africanos é “muito estratégico”, disse Allen, considerando as tendências atuais.

Um estudo de 2023 sobre o futuro dos jogos na África, realizado pelo Fórum Econômico Mundial (FEM), concluiu que a indústria de jogos no continente está emergindo como a de crescimento mais rápido para jogos de celular, impulsionada por uma população jovem, crescente adoção de smartphones e um interesse crescente por jogos móveis.

“O acesso limitado a serviços bancários tradicionais na África apresenta uma oportunidade única para inovações fintech. O dinheiro móvel facilita pagamentos digitais e expande a indústria de jogos em todo o continente”, disseram os pesquisadores do FEM.

“O crescimento das estratégias diretas ao consumidor nos jogos permite que os desenvolvedores e empresas aumentem suas margens e se envolvam mais diretamente com os consumidores, contornando as lojas de aplicativos.”

O fórum econômico rotulou a África como a “última fronteira” para a indústria de videogames.

Ele disse que os jogos se tornaram a forma de entretenimento dominante em todo o mundo, arrecadando quase 350 bilhões de dólares em 2023.

“Com o surgimento dos jogos móveis na última década, o setor agora é maior do que filmes, música e streaming juntos, ampliando o público-alvo da indústria para além dos antigos clientes típicos — adolescentes americanos que podiam comprar consoles de jogos relativamente caros”, disse o estudo do FEM.

Em 2024, a África se consolidou como o mercado de crescimento mais rápido para jogos online, afirmou o grupo.

O FEM disse que isso é “pouco surpreendente”, dadas as tendências demográficas na região. O continente tem a população que mais cresce, com uma parte maior classificada como millennials ou geração Z do que os Estados Unidos e a China juntos.

Até 2050, espera-se que 25% da população mundial seja africana, com mais da metade abaixo dos 25 anos, segundo as Nações Unidas.

“Combine isso com a rápida adoção de smartphones e é possível ver um crescimento orgânico forte de novos jogadores”, afirmou o FEM.

Wasserman disse que as recentes incursões da Rússia em jogos, podcasts e filmes mostram que o país está buscando se estabelecer em “mercados virgens”, em vez de nas comunidades de jogos já estabelecidas nas economias mais desenvolvidas da África, como Nigéria e África do Sul.

“O impacto de jogos como ‘African Dawn’ em países mais pobres e menos estáveis pode ser muito significativo”, disse Wasserman.

“A Rússia está procurando semear propaganda em solo fértil, em economias fracas onde os jovens não têm empregos, onde a democracia é frágil e onde a liberdade de expressão é ainda mais fraca.”

Allen acrescentou: “A Rússia quer cultivar mentes que possa manipular por muitos anos, quando a era de grande competição entre as potências estará realmente em seu auge.”