Interesse estrangeiro na demarcação de terras indígenas no Brasil: entrevista exclusiva | parte 1

Por Danielle Dutra
09/06/2023 17:12 Atualizado: 14/06/2023 12:07

A demarcação de terras indígenas e a votação para a legalidade do marco temporal tem causado grande repercussão no Brasil nas últimas semanas. Nesta quarta-feira (07), o STF voltou a suspender o julgamento do processo, através do pedido de vista do ministro André Mendonça. O marco temporal já foi aprovado na Câmara dos Deputados e há um requerimento de urgência para sua votação no Senado.

O marco temporal é uma tese jurídica em que cria-se um marco no tempo – 5 de outubro de 1988 – data da promulgação da Constituição atual,  para a reivindicação de terras indígenas. Ou seja, apenas locais ocupados por povos indígenas anteriores ao marco terão direito à demarcação.

Favoráveis ao projeto alegam que sem o marco temporal pode haver uma expansão ilimitada em áreas já regularizadas, além de comprometer a soberania e independência nacional e provocar maior insegurança jurídica no país, intensificando os conflitos em áreas onde povos indígenas e agricultores convivem. Contrários dizem que o marco temporal ameaça a sobrevivência de muitas comunidades indígenas e florestas

O que parece uma solução jurídica, na prática, pode causar maior insegurança no campo. A tese do marco temporal surgiu em 2009, em parecer da Advocacia-Geral da União sobre a demarcação da reserva Raposa Serra do Sol, em Roraima, quando esse critério foi usado

A demarcação dessa região causou inúmeros conflitos que perduram até hoje e tem sido usada de exemplo para ambos os lados. 

Para entender melhor o que aconteceu na Raposa Serra do Sol e a influência deste caso no cenário atual, o Epoch Times Brasil conversou com exclusividade com o indígena  Isaías da Costa, da comunidade indígena Maracanã 1 da etnia Macuxi, no território indígena Raposa Serra do Sol. 

Ele esteve presente durante todo o debate acerca da demarcação de suas terras e pontuou que interesses estrangeiros influenciaram a demarcação da Raposa Serra do Sol.

A entrevista foi conduzida por telefone pela editora de agronegócio, Danielle Dutra, e foi dividida em três partes. 

Danielle Dutra: Isaías, muito obrigada por conversar conosco. Qual é a sua comunidade e envolvimento que você teve com a demarcação da Raposa Serra do Sol?

Isaías da Costa:  Eu sou Isaías da Costa, da Comunidade Indígena Maracanã 1, no município de Uiramutã daqui do estado de Roraima, na Terra Indígena Raposa Serra do Sol, de usufruto indígena, hoje, homologada e demarcada. Eu estou com quarenta e seis anos de idade, então tive a oportunidade de acompanhar de perto todos os acontecimentos que “teve” (sic) na região. Não tem nenhum conteúdo que eu tenha perdido nesse período, até as reuniões e outras coisas mais. 

Eu participei porque meu pai era segundo tuxaua, como se fosse o segundo líder da comunidade, então ele me levava nessas reuniões. Eu fui muito atuante nessas coisas que eram acertadas. E não tinha nada para registrar, não tinha livro, outras coisas. Era tudo registrado na memória e tudo que eu falei pra você em áudios e tudo o que enviei em fotos e vídeos, é tudo verdadeiro. Tudo.

Isaías da Costa em sua comunidade (Cortesia Isaías da Costa)

D.D: Em que ano saiu a demarcação?

I.C.: A demarcação que saiu em 2002, na época que o Lula foi lá na comunidade do Maturuca anunciar essa demarcação, essa homologação. E nessa região fizeram até um um monumento, e o Lula visitou nessa época e prometeu que iria demarcar e realmente demarcou.

Sede do município, Uiramutã, Roraima (cortesia de Isaías)

D.D: Mas quando começou a discussão da demarcação?

I.C.: Teve início nos anos 80. Pelo menos de 1981 a 1982, o mais forte foi 1984. Em 1981 eles [os padres] começaram a promover um torneio de futebol em que estavam todas as comunidades da região e acharam muito interessante, que era novidade na época que as comunidades se aglomerassem num só lugar, que era uma comunidade com nome Maturuca, onde é a sede dos missionários. 

Então daí, visto que todo mundo se reuniu ali na comunidade, o padre Sabino e o padre Jorge, eles acabaram tendo uma ideia de fazer uma outra reunião para tratar justamente desse assunto [da demarcação]. Aí realmente fizeram essa reunião depois, aconteceu em 1983, e fizeram a reunião no Surumu, que era uma vila na época, lá tinha a sede dos padres e hoje é o município de Pacaraima e a vila do Surumu se tornou uma aldeia, a aldeia Barro.

Aí participamos  lá e nós [indígenas] tivemos o incentivo deles, dos dois padres dizendo que os brancos tinham chegado e que estavam invadindo as terras, futuramente poderiam roubar as mulheres – isso aí era a fala deles – que futuramente poderiam roubar as mulheres dos indígenas e tomar as suas terras.

Foto: comunidade Macuxi na Raposa Serra do Sol (cortesia de Isaías)

D.D: E isso acontecia? Os brancos entravam em conflito com os indígenas? Como era a região antes da demarcação?

I.C.:  Na época, nesse período, todo mundo era unido. Tanto indígena quanto garimpeiro, fazendeiro, todo e todo mundo convivia bem! 

Aí a partir daí já vieram outros tuxaua com a ideia dividida, na reunião eles falavam: “se eles [os fazendeiros] não quiseram sair passivamente, mata o gado deles, corta a cerca onde eles colocaram cerca, porque não pode ter cerca onde vocês iam pescar, onde vocês iam caçar, onde vocês tiravam palha para fazer o barraco de vocês. Eles estão proibindo, então corta! Faça casa próximo a casa do fazendeiro, que é justamente para ele ficar perturbado psicologicamente e sair espontaneamente.” 

E assim por diante. Depois surgiu a ideia de formar associação, então formaram uma associação, o CIR –  Conselho Indígena de Roraima. Então, a partir daí começou essa briga deles.

Região da Raposa Serra do Sol (cortesia de Isaías)

D.D: Como os padres influenciaram os indígenas?

I.C.:  Eles tinham um símbolo lá, que o padre usou nessa reunião, e eu estava nessa reunião, no Surumu, e ele juntou vários talos. 

Primeiro ele fez uma ilustração com um talo só, ele disse: “esse talo sozinho, ele quebra”,  e  ele quebrou o talo. “Com dois, eles também quebram, com três também quebram, mas vamos juntar todos eles, esses talos são vocês. Se vocês não se unirem hoje, vocês vão ser quebrados todos os dias, esmagados”. Colocando psicologicamente essas coisas ruins na cabeça dos indígenas.

Então, os indígenas ficaram com medo do que poderia acontecer e colocaram essa ideia para a comunidade. E a comunidade também ficou com medo, que não tinha muita informação nessa época, não tinha internet, não tinha nada de informação! Então a gente acreditava naquilo que as pessoas falavam.

Só que tinham pessoas que já tinham uma outra ideia. Ideia também que, se o garimpeiro sair, se o fazendeiro sair e se todo mundo sair, para quem é que vamos vender o que a gente produz aqui?  Que era o pessoal da minha comunidade, estou falando da minha comunidade. 

E daí ficou esse negócio, o que nós vamos fazer depois? Como é que vão ficar as estradas? Pensando lá na frente 10, 15 anos, na frente, não pensando naquele momento. Daí aconteceu tudo isso e veio a demarcação né. 

Antes da demarcação, quando surgiu tudo isso daí, essas pessoas que queriam desenvolvimento, já começaram a ficar um pouco amedrontadas com tudo o que estava acontecendo, com as mudanças, com as brigas, com as intrigas. E tinha fazendeiro que começou a destruir a casa dos indígenas, que era chamado de retiro.

Água mineral em abundância na reserva Raposa Serra do Sol (vídeo enviado por Isaías para o Epoch Times Brasil)

D.D: Como os fazendeiros começaram a destruir a casa dos indígenas?

I.C: Os Padres prometeram doar gado para eles, para os indígenas, para aqueles que se comprometessem a lutar pelos seus direitos. 

Então, a partir da doação do gado, o indígena iria fazer um retiro que seria uma pequena fazenda próxima à fazenda do fazendeiro. Se ele não deixasse e impedisse, aí criaria o conflito e teria mais força para poder pedir a demarcação, porque o branco estava impedindo que o indígena criasse. Foi isso que eles fizeram, doaram gado para cada comunidade dessa época.

Antiga vila do Mutum , daqui foram retiradas famílias que já tinham suas raízes (cortesia de Isaías)

D.D: Como era o nome dos padres mesmo? Eles ainda estão vivos?

I.C: Padre Sabino e o padre Jorge. Me parece que o padre Sabino já é falecido, se eu não me engano. Mas o padre Jorge ainda é vivo. 

Depois de tanto tempo, ele retornou às nossas comunidades em 2011, se não me engano, no final de 2011. Ele retornou lá e disse: “vocês estão enfraquecendo, vocês estão abandonando as suas culturas, as missões, deixando os brancos tomarem o que é de vocês. Vocês têm que se unir.” 

D.D: Quais são os interesses deles na sua opinião?

I.C: Os padres são estrangeiros, eles criaram uma Organização Não-Governamental Indígena aqui, que é gerenciada por eles, pelo CIM – Conselho Indigenista Missionário. 

Aliás, todas as ONGs criadas aqui no Estado de Roraima e no Amazonas, são ONGs internacionais só que com nomes indígenas, com pessoas como presidente indígenas, mas quem gerencia por trás de tudo isso, são os estrangeiros.

Daqui da minha região, eu posso citar esse nome, porque eu participei disso, eu vi isso acontecendo envolvendo o padre Jorge, o padre Sabino, eles levavam os tuxaua para reunião no Surumu, que era uma missão, chamada Missão Surumu. 

Lá tinha tudo, toda a estrutura, então eles levavam pra lá e falavam disso tudo, como devia acontecer, como que tinha que ser feito e ficavam por trás disso. O CIR é manipulado por essas pessoas que estão por trás.

 

Continua na parte 2….

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