Diretor foi espancado até a morte durante Revolução Cultural, mas escola noticiou suicídio

O Partido Comunista Chinês havia tentado acobertar a morte de seu pai alegando que ele havia cometido suicídio por se sentir culpado

01/04/2020 07:06 Atualizado: 01/04/2020 07:09

Por Jack Phillips

Por mais de 50 anos, as dolorosas memórias de um homem chinês quanto à morte de seu pai tem persistido no âmago de sua mente.

Cheng Zhangong diz que nunca desejou se aprofundar no que havia realmente ocorrido. Seu pai, vice-diretor de uma escola de ensino médio. Foi descoberto espancado até a morte próximo ao seu escritório. Seus alunos o haviam matado. Foi durante a Revolução Cultural Chinesa, um período de grande agitação política, que pessoas de todos tipo de condição social se voltaram umas contra as outras. Assassinatos eram corriqueiros.

“Quase que de um dia para o outro eles tornaram-se inimigos de meu pai”, disse Cheng, com 69 anos de idade, de acordo com uma publicação do Los Angeles Times. “Eu entendo que estavam sob a influência do sistema político”.

As estimativas do número de mortos durante a Revolução Cultural variam enormemente, indo de 1 a 20 milhões de pessoas.

Ela foi desencadeada pelo então líder Mao Tsé-Tung em uma tentativa de utilizar a população chinesa para reafirmar seu controle sobre o Partido Comunista Chinês (PCC) após o seu último fracasso, o Grande Salto Adiante, criando fome generalizada e provocando dezenas de milhões de mortes.

O pai de Cheng esteve entre os assassinados pelos bandos itinerantes da Guarda Vermelha, enfurecidos em descontrole. Diretores escolares e professores chineses eram rotulados por estudantes como “capitalistas” ou “intelectuais”.

Cheng relata que seu pai foi forçado por seus alunos – colegas de classe de Cheng – a varrer a escola por horas sem água. Após terminar, ele foi espancado por membros da Guarda Vermelha, e quando Cheng interveio, ele foi afastado à força.

No dia seguinte, ele descobriu que seu pai havia ficado em coma e veio a falecer depois.

Atrocidades em massa ocorreram. Na área mais afetada, a província de Guangxi, ao sul da China, chacinas coletivas e mesmo canibalismo prevaleciam. A tortura era ampla. A economia estava estagnada, relíquias e trajes religiosos foram destruídos, e milhões de vidas arruinadas.

A Guarda Vermelha também tentou matar gatos, alegando que o felino era um símbolo de “decadência burguesa”. De acordo com o historiador Frank Dikotter, autor de diversas obras sobre a China de Mao Tsé-Tung, gatos mortos poderiam ser vistos espalhados pelas ruas de Pequim em agosto de 1966.

“Por muitos anos, minha família não ousou falar sobre isso”, disse Cheng.

Cheng descobriu em um website anos após que o Partido Comunista Chinês havia tentado acobertar a morte de seu pai alegando que este havia cometido suicídio por se sentir culpado, uma declaração que Cheng sabia ser descaradamente falsa. Ele disse ter entrado em contato com o fundador do site, um acadêmico, Wang Youqin, em Chicago, para corrigir a informação. Histórias da época da Revolução Cultural como as do pai de Cheng são bastante comuns.

O regime chinês, o qual ainda exibe em destaque uma figura de Mao na Praça da Paz Celestial, está ainda pendente em informar estatísticas oficiais quanto ao número de pessoas assassinadas.

“Por que tornou-se um tabu tão grande mesmo 50 anos depois?”, perguntou Wang ao Los Angeles Times. “É como se, se nunca falarmos a respeito, será como se nunca tivesse acontecido. A quem o governo chinês está enganando?”.