Cientistas da Agência Aeroespacial dos Estados Unidos (NASA) comprovaram que, além dos campos magnético e gravitacional, a Terra possui um terceiro campo: o elétrico. A descoberta, publicada nesta quarta-feira (28), encerra seis décadas de mistério que intrigava os pesquisadores.
Chamado de campo elétrico ambipolar, esse fenômeno é fraco e envolve a Terra com uma voltagem semelhante à de uma bateria de relógio. Ele é responsável por impulsionar o vento polar, detectado pela primeira vez na década de 1960.
“É como uma esteira transportadora, elevando a atmosfera para o espaço”, descreveu o cientista Glyn Collinson,da Divisão de Ciências Heliofísicas do NASA Goddard Space Flight Center, um dos principais responsáveis pela comprovação.
O campo elétrico ambipolar é denominado assim porque atua de forma bidirecional, ou seja, tem efeito em ambas as direções simultaneamente. Isso ocorre devido à interação entre íons e elétrons, que equilibra esses dois movimentos opostos.
À medida que os íons descem, eles arrastam alguns elétrons para baixo. Ao mesmo tempo, os elétrons que tentam subir acabam levando alguns íons para regiões mais altas da atmosfera, permitindo que alguns deles escapem com o vento polar. Esse processo cria uma interação complexa entre as partículas carregadas, resultando no campo ambipolar.
O artigo foi publicado pelos cientistas na revista Nature com o título: “Campo eletrostático ambipolar da Terra e seu papel na fuga de íons para o espaço.”
Um mistério desde os anos 60
Na década de 1960, durante a chamada Era Espacial, os Estados Unidos (EUA) e a União Soviética (URSS) lançaram um número crescente de satélites.
Nesse período, espaçonaves que passavam pelos polos da Terra detectavam um fluxo de partículas da atmosfera escapando para o espaço a velocidades supersônicas. Esse fenômeno foi batizado de “vento polar” pelos cientistas, mas permaneceu um mistério por décadas.
“Algo tinha que estar atraindo essas partículas para fora da atmosfera,” disse Collinson.
Os cientistas imaginavam que algumas partículas da Terra pudessem escapar para o espaço, e a luz solar poderia provocar esse fenômeno. No entanto, se a luz solar fosse a causa, as partículas deveriam estar quentes. O mistério que intrigou os pesquisadores por mais de meio século era que muitas dessas partículas estavam frias, mesmo se movendo a altas velocidades.
O vento polar é um fluxo de plasma das regiões polares da magnetosfera da Terra. Cientistas haviam hipotetizado a existência do campo ambipolar há décadas, e agora eles finalmente têm provas.
“Qualquer planeta com uma atmosfera deve ter um campo ambipolar”, destacou Collinson. “Agora que finalmente o medimos, podemos começar a aprender como ele moldou nosso planeta, assim como outros, ao longo do tempo.”
A missão para comprovar o campo elétrico
Em 2016, Collinson e seus colegas começaram a desenvolver um novo instrumento capaz de medir esse campo elusivo.
Após décadas de teorias e hipóteses, os cientistas conseguiram medir pela primeira vez a magnitude e a estrutura do campo elétrico gerado pela ionosfera da Terra.
Em 22 de maio de 2022, foi lançado do Arquipélago Svalbard, na Noruega, o foguete sondador Endurance, da NASA. O voo durou cerca de 20 minutos antes de mergulhar no mar da Groenlândia.
“Svalbard é o único local de lançamento de foguetes no mundo onde você pode atravessar o vento polar e fazer as medições que precisávamos,” explicou a física espacial Suzie Imber, da Universidade de Leicester, no Reino Unido, e co-autora do artigo.
O Arquipélago Svalbard é crucial porque há linhas de campo magnético abertas acima dos polos da Terra, que oferecem um caminho para os íons fluírem para a magnetosfera.
O Endurance mediu uma variação no potencial elétrico de apenas 0,55 volts, um valor extremamente fraco, mas suficiente para ser mensurável.
“Meia volta é quase nada — é apenas cerca da força de uma bateria de relógio,” falou Collinson. “Mas é exatamente o valor necessário para explicar o vento polar.”
Os resultados do Endurance mostram que os íons de hidrogênio, as partículas mais abundantes no vento polar, experimentam uma força para fora do campo magnético que é 10,6 vezes mais poderosa que a gravidade.
“Isso é mais do que suficiente para contrabalançar a gravidade — na verdade, é suficiente para lançá-los para o espaço a velocidades supersônicas,” concluiu o cientista Alex Glocer, do projeto Endurance e também co-autor do artigo.