Cientista da NOAA questiona dados fundamentais sobre mudança climática

11/03/2017 17:31 Atualizado: 11/03/2017 21:13

Pouco antes das conversações climáticas de Paris em 2015, um estudo inovador foi publicado pela Administração Nacional Oceânica e Atmosférica dos Estados Unidos (NOAA). O estudo forneceu um grande apoio à teoria de que as emissões de carbono estão causando mudanças climáticas, dissipando algumas dúvidas anteriores na comunidade científica sobre o assunto. Um dos cientistas que trabalhou extensivamente com os dados utilizados no estudo veio a público recentemente dizendo que o estudo foi feito às pressas e que os resultados não confiáveis.

John Bates é um cientista do clima de alto nível recentemente aposentado da NOAA que trabalhou com seus dados climáticos. Ele foi também premiado com uma honra especial pela administração Obama por seu trabalho em criar padrões para esses dados. Num post de 4 de fevereiro no site da climatologista Judith Curry, Bates disse que os cientistas da NOAA ignoraram procedimentos adequados para o tratamento dos dados e usaram métodos que podem ter distorcido os resultados do estudo de 2015, agora amplamente conhecido como o “estudo de Karl”, assim nomeado em função de seu autor principal, Tom Karl da NOAA.

Os problemas no procedimento, disse Bates, podem ter feito parecer que o planeta está aquecendo mais rapidamente do que na realidade. Isto é importante porque contradiria uma descoberta anterior feita por cientistas da Universidade de Washington que mostraram que o aquecimento global se desacelerou de 1998 a 2013.

Este chamado “hiato” parecia mostrar que, mesmo com o aumento das emissões de carbono no mundo, as mudanças climáticas diminuíram, questionando o nexo causal entre os dois.

O estudo de Karl, publicado na revista Science, mostrou que não havia hiato. Pelo contrário, mostrou que houve um rápido aumento das temperaturas globais.

Muitos cientistas do clima se levantaram para defender o estudo de Karl após a denúncia de Bates. Curry e Bates posteriormente postaram uma resposta às críticas e mantendo o apelo por maior rigor na análise de dados climáticos.

O debate é altamente técnico e aberto à má interpretação, tornando difícil para um público leigo tirar conclusões.

Uma matéria publicada no Daily Mail do Reino Unido em 4 de fevereiro, apresentando uma entrevista exclusiva com Bates, colocou mais pimenta na controvérsia. O texto foi intitulado “Como os líderes mundiais foram enganados em investir bilhões em dados manipulados do aquecimento global”.

O estudo de Karl foi amplamente citado pelo então presidente Barack Obama e outros líderes reunidos em Paris para mobilizar apoio para a mitigação das mudanças climáticas. Bates acusou Karl de ter seu “dedo na balança, pressionando insistentemente por decisões que maximizassem o aquecimento e minimizassem a documentação.”

Karl não respondeu a questionamentos até o momento da publicação.

O Daily Mail também sugeriu que este poderia ser um segundo “Climategate”.

O primeiro “Climategate” envolveu vários e-mails entre os cientistas climáticos que foram publicados em 2009. Alguns disseram que os e-mails mostravam que havia uma tentativa de encobrir os dados que não se encaixam com a teoria da mudança climática humana.

Os cientistas envolvidos, no entanto, disseram que os trechos publicitados desses e-mails foram retirados do contexto e distorcidos. Eles disseram que estavam simplesmente discutindo os métodos-padrões de ajuste de dados necessários para obter precisão.

O problema com os dados climáticos

No mínimo, as alegações de Bates podem fazer com que os cientistas observem mais atentamente em como os dados são tratados e ajustados na ciência do clima.

Em resumo, algumas das críticas que Bates expressou contra os dados no estudo de Karl incluem: (1) falhas comuns nos softwares que pesquisadores usaram ​​para analisar os dados da temperatura do solo; (2) os dados não passaram pelos procedimentos de verificação que Bates ajudou a desenvolver para o Registro de Dados Climáticos da NOAA; (3) os dados não foram arquivados de forma a permitir que outros facilmente pudessem rever e replicar o estudo; e (4) ajustes foram feitos nos dados de temperatura dos oceanos para nivelar discrepâncias entre várias leituras e isto pode ter introduzido imprecisões.

Bates começou seu post no blog: “Eu li com grande ironia recentemente [no Washington Post] que os cientistas estão ‘copiando freneticamente os dados climáticos dos EUA, temendo que eles possam desaparecer sob Trump’. Como cientista climático anteriormente responsável pelo arquivo climático da NOAA, a questão mais crítica no arquivamento de dados climáticos é, na verdade, os cientistas que não estão dispostos a arquivar e documentar formalmente seus dados.”

Kevin Trenberth, cientista sênior do clima no Centro Nacional de Pesquisa Atmosférica, disse por e-mail: “Verter corretamente conjuntos de dados e sua documentação sempre foi um problema. Por muitos anos, os cientistas pediram um sistema de observação do clima … e financiamento inadequado comprometeu este objetivo.”

Ele disse, todavia, que alguns dos procedimentos do Registro de Dados Climáticos apresentados por Bates como necessários para garantir a confiabilidade dos dados “são muito pedantes. Não é surpreendente que se usem atalhos.” Ele acrescentou: “Há sempre uma dinâmica entre fazer coisas produtivas e coisas burocráticas.”

Mesmo que os dados não tenham passado pelo processo de revisão sugerido por Bates, isso não significa que eles não receberam tratamento apropriado, dizem os defensores do estudo de Karl. Os dados também revisados por pares da revista Science.

Jeremy Berg, bioquímico e editor-chefe da família de revistas Science, disse num e-mail que “a ciência está por trás do tratamento do estudo de Karl et al., que foi submetido a uma revisão rigorosa por pares”. Ele disse que a revisão do estudo levou seis meses e que a sugestão de Bates que o estudo foi apressado é infundada. A acusação de Bates de que foi um trabalho às pressas baseia-se, no entanto, nos atalhos supostamente tomados para evitar os longos procedimentos internos da NOAA na verificação de dados.

A ciência aguardará os resultados da investigação da NOAA sobre as preocupações da Bates e irá “rever os resultados e considerar nossas opções”, disse Berg.

Um porta-voz da NOAA confirmou que a administração fará uma investigação. “A NOAA leva a sério qualquer alegação de que seus processos internos não foram seguidos e reverá o assunto adequadamente.”

Conjuntos de dados são alvos em movimento

Bates e seus críticos concordam em geral que os conjuntos de dados climáticos são alvos móveis. Esta é uma das razões fundamentais por que há tanto debate sobre o que os dados significam.

Refinar conjuntos de dados é um processo constante, disse Trenberth e outros comentando sobre as críticas de Bates. “Conjuntos de dados são dinâmicos, e estão sempre sendo atualizados. Este é especialmente o caso para as temperaturas globais. Nunca está concluído (maduro)”, escreveu Trenberth.

Mas, disse ele, isso não é uma razão para descartar os dados que foram publicados numa revista revisada por pares e apoiados por outras pesquisas.

Um dos pontos mais prevalentes levantados por aqueles que defendem o estudo de Karl é que os dados questionados por Bates foram confirmados por Zeke Hausfather, um cientista climático e analista de sistemas de energia na Berkeley Earth. A pesquisa de Hausfather, publicada na Science em 4 de janeiro, mostrou um aumento ainda maior nas temperaturas do que o estudo de Karl.

Curry observou que os dados de Hausfather mostraram um aumento 12,7% maior nas temperaturas de 2000 a 2015 do que o estudo de Karl.

Entretanto, a incerteza nos ajustes feitos nos dados do clima – dados que são fundamentais para compreender a mudança de clima – expõe aqueles dados a vieses tendenciosos, disse ela.

“Fundamentalmente, os conjuntos de dados da temperatura da superficial do mar são um alvo em movimento”, disse Curry.

Os argumentos a favor e contra as objeções de Bates são muitos; apenas alguns foram abordados aqui.

O Comitê de Ciências, Espaço e Tecnologia da Câmara dos Estados Unidos, presidido pelo deputado Lamar Smith (R-Texas), expressou claramente seu apoio a Bates. Smith afirmou no site do comitê que a NOAA “debateu-se com questões de transparência e supervisão constantemente”.

Smith disse: “Agradeço ao Dr. John Bates por corajosamente dar um passo à frente para dizer a verdade sobre os altos funcionários da NOAA que lidam às pressas e displicentemente com os dados a fim de satisfazer uma conclusão politicamente predeterminada.”

Legislação para fortalecer requisitos em dados climáticos

Bates sugeriu que uma maneira de evitar futuras incertezas nos dados climáticos seria reintroduzir e aprovar a Lei de Dados Governamentais Abertos, Públicos, Eletrônicos e Necessários. Isso exigiria que conjuntos de dados fossem arquivados e tornados facilmente acessíveis a outros que desejassem revisá-los e replicá-los.

O Senado aprovou a lei, mas a Câmara não. Bates espera ver a reintrodução da lei no novo Congresso.