Aquífero Guarani dá sinais de esgotamento e ameaça regiões agrícolas, aponta estudo da Unesp

Essencial para cerca de 90 milhões de pessoas, a reserva também desempenha um papel vital na manutenção de rios e lagos durante períodos de seca

Por Fernanda Salles
14/10/2024 12:45 Atualizado: 14/10/2024 13:47

A capacidade de reposição do Aquífero Guarani já não consegue acompanhar a demanda crescente. Um estudo da Unesp de Rio Claro aponta que o reservatório, que se estende pelo Sul e Sudeste do Brasil, além de Paraguai, Uruguai e Argentina, enfrenta uma grave crise de renovação.

Os resultados do estudo foram publicados na revista Isotopes in Environmental and Health Studies no início de setembro e publicizadas na sexta-feira (11) em nota da Agência Fapesp  à imprensa.

Essencial para cerca de 90 milhões de pessoas, a reserva também desempenha um papel vital na manutenção de rios e lagos durante períodos de seca.

Didier Gastmans, pesquisador da Unesp, alerta que os efeitos da superexploração e das alterações no regime de chuvas vêm se acumulando há décadas. 

Segundo ele, a chuva desempenha um papel fundamental na recarga do aquífero, especialmente nas áreas de afloramento, e a pesquisa conseguiu evidenciar essa função crucial para a renovação do reservatório.

Cidades como Ribeirão Preto sentiram os primeiros sinais de esgotamento nos anos 1990 — e a situação não tem melhorado. 

“Agora começou a aumentar muito o número de poços e isso começa a dar sinais em diversas regiões do interior”, afirma Gastmans, que pesquisa o tema há mais de 20 anos, ouvido pela Agência Brasil.

Queda nos níveis e gestão deficiente

A pesquisa indica que, nas áreas onde o aquífero aflora, o nível da água recuou de dois a três metros. Já nos poços profundos, usados pelo agronegócio e pela indústria, a redução alcançou 70 metros em dez anos, chegando a recuar 100 metros em alguns casos. 

Com esses recuos, a perfuração de poços mais profundos e a instalação de bombas mais potentes tornam-se necessárias, elevando custos e aumentando o risco de colapso em regiões dependentes do aquífero.

Chuvas concentradas e temperaturas elevadas dificultam a infiltração da água e agravam a situação, impedindo a renovação das reservas. Gastmans destaca a urgência de um sistema de monitoramento em tempo real e a integração entre águas subterrâneas e superficiais. 

“Também se faz necessário pensar no planejamento futuro: sempre se fala em desenvolvimento, mas os gestores parecem ignorar que não existe desenvolvimento plenamente sustentável, pois todo desenvolvimento tem um impacto e essas pessoas precisam começar a se antecipar aos problemas”, enfatiza.

Impactos econômicos e soluções urgente

A escassez de água já afeta grandes culturas, como cana-de-açúcar e citros, na região oeste de São Paulo, onde a irrigação constante é essencial. 

Gastmans sugere que a água de melhor qualidade seja direcionada ao consumo humano, enquanto as reservas de menor pureza possam ser usadas na agricultura e na indústria. 

A Agência de Águas do Estado de São Paulo (SP Águas) assegura que monitora a situação do aquífero e reforça que a captação no Guarani é menor do que em rios e lagos. Segundo a agência, toda extração está sujeita à outorga e passa por análise técnica para garantir equilíbrio entre uso e preservação.

Água milenar em risco

A pesquisa da Unesp, realizada com apoio da Fapesp, utilizou isótopos de hidrogênio e oxigênio para rastrear a origem das águas do aquífero. 

As amostras indicaram idades variando de 2.600 anos, em Pederneiras, a impressionantes 720 mil anos, no Paraná. Esse lento ciclo de renovação ressalta tanto o valor quanto a vulnerabilidade do aquífero diante da exploração e da má gestão.