A pergunta que não quer calar é se a água vai mesmo acabar. De alguma forma as pessoas, principalmente as moradoras das principais cidades do país, estão se perguntando qual é o tamanho da crise hídrica.
Encontro parentes e amigos que já nem dormem direito depois que ouviram as inúmeras reportagens abordando a problemática da falta de água. A palavra “volume morto” já é conhecida da maioria e até piadas as pessoas vêm fazendo com o tema.
O diretor da Sabesp, o Sr. Paulo Massato, já prenunciou que o rodízio pode ser bem severo, sendo dois dias com água e cinco sem. Imagine a região metropolitana de São Paulo tendo que conviver com tamanha escassez!
As cidades de São Paulo, Campinas, Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Recife já computam em seus reservatórios o mais baixo nível de água registrado nos últimos anos. No entanto, escrevo esse texto ouvindo o barulhinho da chuva vindo lá de fora!
Penso em quanta água que vai caindo dos céus, rolando ladeira abaixo e se perdendo rio a fora! Se tivéssemos planejado melhor, boa parte das águas de chuvas poderiam servir como reuso.
Antes, os piscinões serviam para conter as águas das frequentes enchentes de verão e hoje poderiam servir para a contenção e armazenamento da água de chuva, servindo para reuso no período de escassez. Acredito que esse sistema não foi adiante por merecer altos investimentos e também necessitar de custos pesados na sua manutenção.
Talvez, melhor que os piscinões seriam os sistemas descentralizados, onde as águas de chuvas poderiam ser recolhidas em telhados, calhas, cisternas, lagoas e outros sistemas de armazenamento para serem reutilizadas nas suas proximidades.
Os edifícios mais modernos já preveem sistemas de armazenamento de águas pluviais, mas com a atual crise vemos muitas famílias improvisadamente armazenando as águas de chuvas em pequenos recipientes e refletirem em como não pensaram nisso antes! Da mesma forma, hoje já é comum o uso das águas de reuso das máquinas de lavar roupa, como, por exemplo, na descarga do vaso sanitário.
Há muitos anos ouvimos falar que teríamos que conviver com maior escassez dos recursos naturais, incluindo a água potável. O planeta Terra é coberto por 75% de água, sendo que somente 2,4% é de água doce e somente 0,02% é água apropriada para o consumo humano. No mundo subdesenvolvido milhões ainda consomem água poluída.
Pensando que a água potável, assim como todos os bens naturais, é um recurso finito, mas essencial para a vida no planeta, devemos mudar a forma de lidar com a água, reduzindo o seu uso.
Quando se fala em economia, vemos dados que não nos incentivam a economizar como pessoa física. O menor gasto de água é com as residências que são as mais cobradas. Elas representam apenas 8% do consumo, sendo que 92% da água é consumida pelo agronegócio e pelas indústrias.
Outro dado estarrecedor é em relação a perda da água potável através dos vazamentos, representando quase 40% do consumo, enquanto a quantidade de água economizada pela população nos últimos meses representou apenas 18% do total!
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Reutilizar a água da máquina de lavar, coletar e reutilizar a água de chuva, escovar os dentes apenas com uma canequinha de água, tomar banho econômico, deixar de tingir os cabelos e de fazer a barba, enfim, isso tudo pode até parecer um exagero; mas, não seria pior se a água faltasse por vários dias nas nossas torneiras? Talvez tenhamos que adotar para sempre novos hábitos em prol da vida humana!
Se cada um fizer a sua parte (contando com os gestores dos sistemas de distribuição de água), inclusive com um menor desperdício da água que vem das represas para os consumidores, seguramente teremos uma melhor eficiência do sistema.
Possivelmente teremos alguns sacrifícios que poderão ser amenizados com a colaboração de todos. Não acredito ser equilibrado que alguns possam armazenar água para beber ou colocar caixas de água mais eficientes em suas casas, sendo que outros não poderão fazer o mesmo por não terem recursos financeiros para investir.
O problema não poderá ser resolvido de forma individual, mas sim coletivamente. Não será confortável alguém ter armazenado água de primeira qualidade em sua casa, para o seu próprio consumo, e alguém lá fora morrendo de sede!
Atitudes e soluções positivas
Agora parece que não é a hora de culpar os governos e se revoltar (mesmo que eles tenham culpa sim!), mas de encontrar soluções coletivas, participar de ou começar grupos afins e ajudar aqueles que têm menos condições. Quem sabe assim estaremos mais unidos enquanto população.
Ouvi em uma palestra recente o jornalista André Trigueiro falando da grande oportunidade que temos a frente com a crise da água e da necessidade de fazer diferente. Também li um artigo recente do escritor Ignácio de Loyola Brandão falando positivamente dessa grande oportunidade. Essas duas colocações vão bem de encontro com o que sinto e penso em relação ao atual momento. Não acredito que o medo ou a revolta irão trazer a solução pacífica para a crise.
Fico alegre que mais pessoas hoje estejam conscientes sobre a maneira através da qual devemos lidar com os nossos recursos naturais, começando pela água. É só pesquisar na internet para ver tantas iniciativas promissoras, como por exemplo o Movimento Cisterna Já (iniciativa independente que pretende promover o reaproveitamento da água de chuva e incentivar as pessoas a construírem cisternas). Mas, lembro que nossa preocupação não deve se ater somente à água, mas à cadeia natural como um todo.
Não podemos contar apenas com o abastecimento das represas que dependem das águas de chuvas, mas sim com todo o sistema hidrológico, começando pelas nascentes.
Estudos mostram que na cidade de São Paulo e região metropolitana existem milhares de nascentes encobertas por vias de asfaltos e edifícios. São ignoradas como se nunca tivessem existido. Grupos de ambientalistas como o Rios & Ruas percorrem esses caminhos, dando vida a tais lugares e chamando a atenção para o quanto fomos omissos em relação a esses bens.
As crises, quando surgem em nossas vidas pessoais, normalmente nos fazem crescer e evoluir. Assim também deve ser no sentido comunitário.
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Mas, me pergunto: se nas próximas semanas as chuvas insistirem em cair, será que já estaremos amadurecidos para persistir nas mudanças que nos propusemos e na economia desse bem precioso e imprescindível que é a água?
Dizem que aprendemos de duas formas: pela dor ou pelo amor. Portanto, essa pode ainda ser a possibilidade de aprender pelo amor.
Felizmente, não estamos diante de uma guerra ou de uma catástrofe climática como um terremoto, tufão ou tissunami, mas estamos diante de uma oportunidade de mudar os nossos paradigmas através do nosso cuidado com a natureza. Pensar em soluções simples, em ajudar as pessoas que necessitam, em simplificar a forma de viver, talvez isso seja um novo recomeço de tudo.
Pensar que a humanidade do futuro possa ser melhor, depende incondicionalmente das mudanças da geração presente.
A água vai acabar? A resposta só depende de você. O que você vai fazer para que isso não aconteça? Reflita e dê os primeiros passos para a sua contribuição e comece aceitando que as mudanças precisam acontecer.
Marli Almeida de Araújo, arquiteta e urbanista, mestre em Estruturas Ambientais Urbanas pela Universidade de São Paulo