Um alerta sobre os campos de trabalhos forçados na China

03/01/2013 01:12 Atualizado: 28/12/2017 17:02

Quando Julie Keith, de Damasco, no Oregon, EUA, abriu um conjunto de Halloween comprado numa loja Kmart local para decorar a festa de aniversário de sua filha, ela não poderia esperar que o que veria seria conhecido no mundo todo.

Dentro do kit havia uma nota escrita à mão por um prisioneiro do Campo de Trabalho Masanjia, na China, que pedia ajuda. Keith sentiu que tinha de responder.

Ela postou uma cópia da carta em sua página do Facebook. Seus amigos começaram a discutir e circular a notícia. Uma organização de direitos humanos tomou conhecimento. Em seguida, o Oregonian publicou um artigo sobre Keith e a nota. Em poucos dias, dezenas de agências de notícia em todo o mundo relataram a história.

Com uma postagem no Facebook, Julie Keith trouxe mais atenção à questão do trabalho escravo na China do que o trabalho de ativistas dos direitos humanos ao longo das últimas décadas.

Conhecido por defensores dos direitos humanos

Que o trabalho escravo é usado para fazer produtos na China não é segredo. O website da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA afirma que a maioria dos casos de produtos identificados como feitos com trabalho forçado é proveniente da China.

Desde julho de 1999, quando o regime chinês lançou uma campanha para erradicar a prática espiritual tradicional do Falun Gong, a questão do trabalho escravo se envolveu com a perseguição religiosa. Campos de trabalhos forçados (mais formalmente conhecidos como campos de reeducação pelo trabalho, ou RPT) e prisões ficaram lotados com praticantes do Falun Gong. O trabalho forçado por longas horas foi uma das medidas utilizadas para tentar forçar praticantes do Falun Gong a desistirem de suas crenças.

Nos últimos 13 anos, um website do Falun Gong, o Minghui (en.minghui.org), publicou inúmeros relatos de vítimas e testemunhas sobre a fabricação de produtos para exportação para os Estados Unidos, Europa e Japão.

De março de 2003 a maio de 2004, a Organização Mundial para Investigar a Perseguição ao Falun Gong (WOIPFG), uma organização de direitos sediada nos EUA, publicou três relatórios sobre as exportações da China provenientes de trabalho forçado.

Em 2011, a Al-Jazeera (inglês) fez uma série de filmes intitulada “Escravidão, mal do século 21”. O episódio “Escravos presidiários” apresenta os relatos de duas testemunhas.

Uma delas é Charles Lee, praticante do Falun Gong e cidadão estadunidense. Ele foi acusado de tentar infiltrar o sistema chinês de transmissão de TV a cabo para transmitir informações sobre a perseguição ao Falun Gong e foi condenado a três anos de prisão. Lee foi forçado a fazer produtos exportados para os Estados Unidos.

Outra testemunha é uma membra da igreja cristã doméstica que também foi presa por suas crenças religiosas. Ela também foi forçada a fazer produtos na prisão. Acredita-se que uma das razões para o regime chinês ter expulsado a Al-Jazeera (inglês) da China foi por causa deste filme.

Julie Keith numa entrevista à NTDTV. Keith descobriu a nota num conjunto de Halloween e alertou a mídia The Oregonian (NTDTV)

Vítimas se levantam

Embora o uso do trabalho escravo na China seja bem conhecido, casos específicos raramente são expostos, muito menos processados e condenados. Em cada caso específico em que o trabalho escravo foi exposto, houve uma vítima corajosa que deu o primeiro passo.

Provavelmente, no único caso relatado de uma condenação nos EUA pela utilização de trabalho forçado na China, a vítima desenvolveu a prova. Peter B. Levy era o dono de uma empresa de produtos de escritório que produzia grampos de encadernação na China para exportação para os EUA. Ele perdeu seu negócio para o concorrente, que fazia o mesmo produto numa prisão de Nanjing.

Levy foi a Nanjing, encontrou a evidência e a registrou em vídeo. O New York Times relatou a condenação da empresa chinesa, provavelmente o único artigo sobre o caso numa grande mídia norte-americana.

Levy fez sua investigação no período de 1995 a 1997. Após o regime chinês começar a perseguir o Falun Gong em julho de 1999, a população dos campos de trabalho forçado e das prisões inchou. A capacidade dos campos de trabalho e prisões aumentou e a quantidade de produtos exportados originados de trabalho forçado para países ocidentais também disparou, juntamente com informações, pistas e relatos de testemunhas e vítimas sobre tais exportações da China.

No entanto, a cobertura da mídia, os esforços de aplicação da lei e a conscientização pública não aumentaram em conformidade até agora.

Jennifer Zeng na cerimônia de premiação do Festival de Cinema Liberdade de Expressão em 12 de maio na Filadélfia, EUA (Edward Dai/The Epoch Times)

A história de Jennifer

Jennifer Zeng, uma praticante do Falun Gong e uma das personagens principais do recente documentário “Free China”, foi forçada a fazer produtos num dos campos de trabalho forçado de Pequim. Após fugir para a Austrália, ela encontrou um dos produtos que havia feito no trabalho de campo – o coelho de pelúcia da campanha de propaganda do Nesquik da Nestlé.

Quando fazia os coelhos, ela sabia, assim como seus guardas, que eles eram feitos para a Nestlé. Mais tarde, ela encontrou o mesmo coelho no website da Nestlé. A ordem para o campo de trabalho não provinha diretamente da Nestlé, mas de uma empresa chinesa, a Companhia de Brinquedos Miqi de Pequim.

O Sydney Morning Herald relatou a história de Jennifer, mas parecia que nada mais podia ser feito sobre a questão. Os governos ocidentais, a mídia e as organizações de direitos humanos pareciam ter pouca influência sobre as empresas chinesas.

No entanto, um repórter do Le Temps (de Genebra) em Pequim decidiu cavar mais fundo. Sendo recusado um pedido para entrevistar a Companhia Miqi, Frederic Koller fez sua própria investigação e sua reportagem foi publicada no Le Temps em Genebra em abril de 2002.

Quase um ano depois, a Companhia Miqi convidou formalmente o repórter para revisitar sua instalação. A empresa disse que perdeu 70% de seus clientes desde a publicação do artigo e negou que tivesse subcontratado um campo de trabalho para produzir os coelhos.

Se Jennifer não tivesse procurado o produto que foi forçada a fazer no campo de trabalho e se o repórter do Le Temps não tivesse realizado sua própria investigação, aqueles que cometeram o crime nunca teriam sido expostos. Às vezes, o esforço parece inútil, no entanto, o impacto é real e cada esforço conta.

Rebecca Produtos de Cabelo de Henan Inc.

Relatório da WOIPFG sobre a empresa Rebecca Produtos de Cabelo de Henan Inc. apresentou depoimentos de testemunhas de que pelo menos dois campos de trabalho forçado faziam produtos de cabelo para a Rebecca Inc. A maioria das pessoas forçadas a fazer o trabalho era praticante do Falun Gong.

Jamil Anderlini, repórter do Diário da Manhã do Sul da China, decidiu investigar. Ele foi a Xuchang, região da Rebecca Inc. e dos campos de trabalho. Os guardas dos campos e os trabalhadores da Rebecca Inc. confirmaram ao repórter que os produtos semiacabados eram feitos nos campos de trabalho locais.

Jamil Anderlini também informou que seis das maiores instituições financeiras mundiais tinham comprado ações da Rebecca Inc. e todos estavam entre os 10 maiores acionistas da Rebecca Inc. O Deutsche Bank, HSBC, ING, Merrill Lynch, Morgan Stanley e UBS recusaram comentar sobre o assunto. O artigo foi publicado em agosto de 2005.

Em 2006, Aina Hunter, repórter do Village Voice, pegou a pista quando fazia pesquisa para um artigo sobre extensão de cabelo. Ela recebeu duas respostas do Deutsche Bank e do ING. Ela também relatou como a WOIPFG tinha apresentado uma petição em 2004 para alertar o Departamento de Segurança Nacional dos EUA sobre os alegados abusos. Nada resultou da petição.

Aina Hunter relatou que o presidente da Comissão de Análise de Segurança EUA-China, Richard C. D’Amato, tinha escrito uma carta ao comissário da Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA e aos senadores Joe Lieberman, Susan Collins e Bill Frist sobre as alegadas violações da lei dos EUA pela Rebecca Inc.

D’Amato não obteve resposta de qualquer um deles quando o artigo de Hunter foi publicado em 28 de março de 2006.

Não cooperação

O efeito do artigo do Le Temps sobre o caso de Jennifer tem sido uma exceção até agora. Sem a cooperação do lado chinês, os EUA parecem não ter muitas opções para afetar as pessoas envolvidas no trabalho forçado ou levá-las à justiça.

Na verdade, na China, a lei proíbe a exportação de produtos de trabalho forçado. De acordo com um regulamento do Conselho de Estado emitido em 5 de outubro de 1991, indivíduos e empresas envolvidos na exportação de produtos de trabalho forçado podem ser punidos e os bens produzidos podem ser confiscados pela alfândega chinesa.

No entanto, na maioria dos casos, as autoridades alfandegárias norte-americanas se queixam de que é quase impossível obter a cooperação das autoridades chinesas.

No caso de Jennifer, não foi surpresa que o Ministério da Justiça chinês afirmasse que “após inquérito realizado pela Secretaria de RPT de Pequim, nenhum campo produziu brinquedos para a empresa Nestlé”.

O órgão que realizou a investigação foi o mesmo que foi acusado de violar a lei. A produção em massa de produtos de trabalho forçado é uma ação de Estado na China. Como alguém pode esperar obter cooperação das autoridades chinesas?

Estimar quantos produtos consumidos nos EUA são feitos em campos de trabalho e prisões chinesas é difícil. No entanto, ninguém, nem mesmo uma empresa chinesa com salários baixíssimos, pode competir com quem trabalha mais de 15 horas por dia, sem fins de semana ou feriados e sem pagamento – se você não considerar 10 yuanes (1,60 dólares) por mês como pagamento.

O Sr. Levy fabricava seus grampos na China. A única diferença entre ele e seu concorrente é que ele pagava seus funcionários.

As coisas se desenrolaram de forma diferente quando a Sra. Keith postou sua mensagem no Facebook. As mídias sociais espalharam a notícia. A mídia seguiu a história. A Sears Co., dona da Kmart, respondeu, como fez o governo dos EUA.

O praticante do Falun Gong no campo de trabalho Masanjia deu o primeiro passo, arriscando sua vida. Julie Keith fez sua parte. Se todos contribuírem, podemos fazer a diferença. E não estaremos fazendo isso somente por aqueles que pedem ajuda, estaremos fazendo isso por nós mesmos.