Sob véu da segurança cibernética, China planeja governar internet global

12/04/2016 18:00 Atualizado: 12/04/2016 03:20

As autoridades chinesas não têm guardado segredo sobre suas ambições em governar a internet, não só na China, como também mundialmente.

O último passo neste esforço foi revelado em 25 de março, com a fundação da primeira organização nacional sem fins lucrativos para a cibersegurança da China, chamada Associação de Ciber ​​Segurança da China.

A Associação está sendo liderada por Fang Binxing, uma figura-chave que ajudou a construir o sistema de censura da internet pertencente ao Partido Comunista Chinês (PCC), o Grande Firewall. Seu secretário-geral é Li Yixiao, um pesquisador da Academia Chinesa de Ciberespaço, e um proponente do domínio da internet global pela China.

A Associação tem 275 membros fundadores, incluindo grandes empresas da internet, empresas de segurança cibernética, e instituições de investigação científica. Estas incluem Baidu, Alibaba,  Universidade Nacional de Defesa da Tecnologia, entre outras.

O programa está sendo apresentado sob o rótulo de “cibersegurança”; mas essa expressão faz muito mais sentido para o regime chinês, que compreende o que ela oculta. A agência de notícias estatal Xinhua informou que o sistema irá funcionar como uma “plataforma de cooperação”, de forma a absorver  qualquer pessoa interessada em trabalhar na “segurança do ciberespaço” da China.

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A mídia estatal chinesa reafirmou que o interesse da China em segurança cibernética está enlaçado em seu objetivo de, conforme  relatado pelo Global Times, “concretizar a estratégia da nação de se tornar uma forte potência na internet.”

O objetivo da organização, de acordo com o Diário da Manhã do Sul da China, é “servir como uma ponte” entre o regime chinês e o público, e “organizar e mobilizar forças em todos os aspectos da sociedade no intuito de participarem na construção da cibersegurança da China.”

Tudo isto está ligado a uma oportunidade que veio à tona em torno de novembro de 2014, quando o PCC organizou a sua primeira Conferência Mundial da Internet que teve como slogan: “Um mundo interconectado, compartilhado e governado por todos”.

Li Yuxiao estava em meio aos alto-falantes e declarou, de acordo com o China Daily estatal, “Agora é o momento da China assumir suas responsabilidades”.

Na época, os Estados Unidos haviam anunciado seus planos de abandonar o controle federal sobre a internet – um processo que só recentemente foi concluído, fazendo com que a Internet Corporation for Assigned Names and Numbers (ICANN) deixasse de ter o controle.

Para Li, a atitude dos EUA foi vista como uma oportunidade. Conforme publicado no China Daily, Li disse: “Se os EUA estão dispostos a desistir de seu gerenciamento na esfera Internet, fica a pergunta: quem vai assumir o posto, e de que forma isto será feito?”

“A China está deixando de ser um mero participante da Internet para ter um papel de liderança e domínio no processo.”, disse ele, acrescentando: “Temos que definir primeiro o nosso objetivo no ciberespaço, e depois pensar sobre a estratégia a ser tomada, antes de definirmos nossa legislação”.

Li repetiu esta meta mais recentemente, em 18 de dezembro de 2015, numa entrevista publicada no site da Conferência Mundial da Internet.

Ele disse que a China “…tem o direito, como o país com o maior número de internautas do mundo, de criar as regras internacionais de governo do ciberespaço”.

Ele ainda acrescentou: “O estabelecimento das regras é apenas um começo”.

Um relatório da agência de notícias estatal chinesa, Xinhua, afirma que “Os esforços da China em governar a Internet podem ser resumidos na ‘limpeza do ciberespaço de acordo com a lei, explorando-o com uma mente aberta'”.

A nova Associação do PCC para cibersegurança carrega a mesma mensagem global.

O novo programa não é realmente sobre “cibersegurança”: é sobre o cibergoverno, e sobre como estender as leis para a internet – neste caso, as leis do autoritário regime chinês.

Para o PCC, a palavra “cibercrime” implica mais do que apenas hackers. Como a Xinhua afirmou, “O governo chinês intensificou a repressão aos rumores online, pornografia, jogos de azar e outros crimes cibernéticos”.

Esses “outros crimes cibernéticos” tendem a ser alvo de grande foco dos sistemas do PCC no controle da Internet e incluem a supressão de religião, de liberdade de expressão e de pessoas que promovem a democracia. Uma avaliação da liberdade na internet mundial, feita por uma organização de vigilância independente conhecida como Freedom House, classificou a China na última posição, estando até mesmo atrás de Cuba e Síria.

O PCC tem divulgado que a Internet é controlada por potências ocidentais – em particular pelos Estados Unidos – que têm utilizado isto como base em seu esforço para ganhar participação em programas de outros países.

A Xinhua publicou, em dezembro de 2015, que o PCC e os países em desenvolvimento sofrem de “falta de governança conjunta” on-line, e que a culpa é do Ocidente, afirmando que esta situação é “causada principalmente pela arrogância de alguns países ocidentais e do monopólio das tecnologias de informação e comunicação”.

Apesar das acusações da Xinhua contra os Estados Unidos e outros países, incluindo o Japão e até mesmo Suécia, também existem histórias que defendem o uso da Internet pelo regime chinês como uma ferramenta de supressão política e ideológica.

A Xinhua criticou até mesmo o Google, diretamente, por este ter saído da China continental em 2010. O Google deixou a China por causa da rigorosa censura da internet, implantada pelo PCC, e depois descobriu uma série de ciberataques estatais chineses visando suas redes.

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Na realidade, a Internet é regida por um modelo de participação múltipla que, em vez de estar sob o controle exclusivo do governo, é regida com mais liberdade por uma grande e aberta rede na internet, cujas partes interessadas incluem empresas, grupos civis, instituições de pesquisa e organizações não-governamentais.

A supervisão do governo ainda desempenha um importante papel, mas normalmente só lida com o crime e o abuso.

O PCC quer mudar isso globalmente através de seu rigoroso modelo de controle do governo sobre todos âmbitos da internet, e também sobre todas as empresas envolvidas na internet.

Após a conferência de 2015, o  Council on Foreign Relations informou que o PCC provavelmente tentaria ganhar influência sobre a International Telecommunications Union  (ITU) das Nações Unidas.

A ITU é um órgão do governo encarregado pelas telecomunicações, e está tentando ganhar mais poder globalmente  através da internet. Tendo a China e a Rússia como dois membros proeminentes da Organização das Nações Unidas, eles, no passado, pressionaram a adesão dos principais programas, no intuito de fazer com que a ITU direcionasse o controle global da internet a seu favor.

Alguns dos autoritários programas propostos para o controle global da internet através da ITU foram delineados pelo Center for Democracy and Technology, enquanto a reunião da ITU para a criação de regras para a Internet acontecia, em novembro de 2012. Estes incluíram os programas para descriptografar informações que são veiculadas através da internet.

O Center for Democracy and Technology informou que algumas das propostas eram polêmicas, em particular algumas da Rússia e de vários países do Oriente Médio, pois propunham tornar os programas de decodificação “obrigatórios para as empresas de tecnologia da internet e operadores de rede ao elaborarem seus produtos”.

A Nova Associação de Segurança Cibernética do PCC parece ser apenas uma continuação desses esforços, só que agora ela está usando a fachada de “cibersegurança” para dar uma aparência mais benigna ao esquema.