Sem competição justa: O sistema esportivo corrupto da China exposto

12/12/2017 18:30 Atualizado: 12/12/2017 18:30

Tian Liang foi uma estrela. Depois de ganhar uma medalha de ouro em mergulho de trampolim de 10 metros nos Jogos Olímpicos de Sydney em 2000, ele se tornou um objeto de adoração nacional. Ele ganhou ouro novamente nas Olimpíadas de Atenas de 2004.

Seus sucessos aumentaram suas ofertas de patrocínio e seu status de celebridade tornou-se uma rica fonte de notícias para os tabloides. Isso atraiu a ira das autoridades esportivas chinesas. E ele foi expulso da equipe nacional em 2005 por “infringir as regras”.

Quando os Jogos Nacionais da China em 2005, um importante evento esportivo considerado uma plataforma para identificar os atletas dignos de irem para as olimpíadas, se aproximavam, também era sua chance de redimir-se e retornar à equipe.

Infelizmente para Tian Liang, ​​ele ainda era visto negativamente pelas autoridades de mergulho do país. Antes de sua apresentação, uma autoridade disse aos juízes que, não importa o quão bem Tian se desempenhasse, eles só podiam dar-lhe uma pontuação máxima de 8,5. Tian ainda ganhou ouro nos jogos, mas ele não chegou à equipe nacional para as Olimpíadas de Pequim de 2008.

China, esporte, corrupção - Um membro da equipe de mergulho da Faculdade Técnica de Esportes de Chongqing se exercita durante uma sessão de treinamento em Chongqing, China, em 25 de outubro de 2007 (China Photos/Getty Images)
Um membro da equipe de mergulho da Faculdade Técnica de Esportes de Chongqing se exercita durante uma sessão de treinamento em Chongqing, China, em 25 de outubro de 2007 (China Photos/Getty Images)

No mundo dos esportes chineses, esse tipo de comportamento antiético é muito comum, de acordo com uma exposição recentemente publicada na revista Fangyuan, um periódico administrado pela Suprema Procuradoria Popular do país, a autoridade máxima da China em questões judiciais.

A exposição citou exemplos de suborno, propinas, resultados de competição fraudulentos e manipulados, e conluio entre o Estado e negócios – ampla evidência da corrupção desenfreada na indústria esportiva chinesa, que é rigidamente controlada pelo regime chinês.

A Administração Desportiva Geral da China (ADGC) é o principal órgão gestor de um sistema que inclui centros esportivos, federações e treinadores em todo o país. O Comitê Olímpico da China também é liderado pelo chefe do gabinete do ADGC.

O artigo observou que a ADGC é abrangente: ele atua como um órgão administrativo, um clube esportivo e uma entidade comercial. Assim, ela tem o poder de “estabelecer as regras de competição, escolher os atletas e treinadores, revisar e organizar competições, tomar decisões sobre disputas e decidir quanto dinheiro conceder aos vencedores de competições”. A concorrência justa é inexistente.

China, esporte, corrupção - Tian Liang e Jia Hu da China mergulharam durante as preliminares sincronizadas para homens no 10º Campeonato Mundial de Natação em Barcelona em 2003 (Luis Gene/AFP/Getty Images)
Tian Liang e Jia Hu da China mergulharam durante as preliminares sincronizadas para homens no 10º Campeonato Mundial de Natação em Barcelona em 2003 (Luis Gene/AFP/Getty Images)

Funcionários corruptos

Funcionários chineses, que muitas vezes concentram múltiplos cargos que normalmente significariam conflitos de interesses, são subornados para promover certos atletas, para garantir vitórias e para favorecerem patrocinadores corporativos. Xiao Tian, ​​ex-vice-diretor da ADGC e um grande “tigre” (um apelido dado a funcionários poderosos na China), foi expurgado pela agência de controle anticorrupção do regime chinês. Desde que o líder chinês Xi Jinping assumiu o poder, ele lançou uma campanha abrangente para expulsar os funcionários corruptos do Partido Comunista Chinês (PCC).

Xiao Tian começou como um esgrimista na província de Anhui. Durante seu mandato como vice-diretor, ele usou sua posição para ajudar indivíduos a obterem contratos de projetos e promoções de emprego. Ele recebeu subornos no valor de 7,96 milhões de yuanes (cerca de US$ 1,2 milhão), de acordo com o tribunal que o condenou a 10 anos e meio de prisão por corrupção.

Yu Li, ex-diretora do Departamento de Natação Sincronizada da ADGC, foi investigada por suborno em outubro de 2014. Nos Jogos Nacionais de 2013, Yu Li manipulou os resultados da competição de natação sincronizada para que o time da província anfitriã de Liaoning vencesse. Yu Li recebeu subornos no total de 200 mil yuanes (cerca de US$ 30 mil) do diretor do Centro de Natação de Liaoning.

China, esporte, corrupção - Yu Li, ex-diretora do Departamento de Natação Sincronizada sob a Administração Desportiva Geral da China (Screenshot/Sina.com.cn)
Yu Li, ex-diretora do Departamento de Natação Sincronizada sob a Administração Desportiva Geral da China (Screenshot/Sina.com.cn)

Na exposição, o futebol foi nomeado como um esporte particularmente corrupto, com funcionários e árbitros embolsando dinheiro e conspirando para manipular o resultado de jogos em favor da maior oferta de suborno. Vários altos funcionários já foram punidos, incluindo o ex-vice-presidente da Associação de Futebol, Nan Yong, que foi condenado a 10 anos de prisão em 2012 por receber subornos no valor total de 1,5 milhão de yuanes (cerca de US$ 245 mil) de clubes de futebol para garantir suas vitórias.

Mesmo para realizar uma competição envolve pagar suborno aos departamentos esportivos relevantes na ADGC. O departamento cobrará uma “taxa de aprovação e gerenciamento”, que na verdade não fornece serviços reais, antes que uma competição possa ser realizada.

“Durante muitos anos, a ADGC e os departamentos locais de gestão esportiva formaram uma enorme rede lucrativa por meio das competições esportivas”, afirmou o artigo expositor.

Processo de seleção

O processo de seleção dos atletas para competirem é muitas vezes opaco, sem regras claras, facilitando a corrupção dos funcionários para decidir o destino dos atletas. Alguns esportes têm um treinador principal que compõe pessoalmente a lista da equipe nacional, enquanto outros deixam isso a cargo do chefe do centro desportivo. O artigo apontou que isso é diferente do que acontece em outros países, onde um terceiro organiza um concurso aberto para determinar quais atletas serão qualificados para uma competição.

Tang Na, uma talentosa jogadora de pingue-pongue que ganhou o primeiro lugar nos campeonatos juniores da China em 1996, era amplamente considerada um dos principais candidatos nacionais. Mas ela não chegou ao time do campeonato mundial ou à equipe olímpica. Tang Na tornou-se mais tarde uma cidadã sul-coreana naturalizada e competiu nas Olimpíadas de 2008 como parte da equipe sul-coreana, que ganhou o bronze. Ela disse uma vez numa entrevista de 2008 que sentiu nunca ter recebido uma oportunidade na China para mostrar todo seu potencial. “A Associação de tênis de mesa da China não usa uma competição para decidir entre os candidatos, mas determina aqueles com potencial de antemão e os treina”, disse ela ao jornal chinês Oriental Sports Daily.

China, esporte, corrupção - Tang Na, agora chamada Dang Yeseo, compete pela Coreia do Sul contra Tie Yana de Hong Kong durante uma partida de tênis de mesa feminino nos Jogos Olímpicos de Londres em 4 de agosto de 2012 (Saeed Khan/AFP/Getty Images)
Tang Na, agora chamada Dang Yeseo, compete pela Coreia do Sul contra Tie Yana de Hong Kong durante uma partida de tênis de mesa feminino nos Jogos Olímpicos de Londres em 4 de agosto de 2012 (Saeed Khan/AFP/Getty Images)

Medalhas de ouro

O sistema esportivo da China também coloca extrema ênfase na conquista de medalhas de ouro, de acordo com a exposição. Com base apenas no número de medalhas de ouro alcançadas, as autoridades esportivas são promovidas, as carreiras dos atletas avançam e os treinadores recebem bonificações. “Com o prestígio político e os benefícios econômicos que as medalhas de ouro trazem, alguns departamentos desportivos locais tentam obtê-las a qualquer o custo”, afirmou. Isto é especialmente intenso durante os Jogos Nacionais, quando diferentes províncias e cidades disputam entre si.

No passado, o setor de esportes da China foi criticado por doping sancionado pelo Estado e maltratamento de atletas aposentados. Milhares de ex-atletas, selecionados para treinamento quando jovens, foram negados uma educação normal e passaram por rotinas extenuantes. Quando eles não mostram resultados vencedores, ou eventualmente se aposentam, o regime chinês não os compensa adequadamente tratando de suas doenças e lesões físicas ou os ajudando a obter uma educação superior.

Desde que a exposição foi publicada, o website oficial do regime chinês revelou que o vice-diretor do departamento da ADGC, Yang Shu’an, foi removido do cargo, além de uma lista de funcionários destituídos, publicada em 8 de dezembro, informou a Radio Free Asia.