O segredo por trás do mercado de ouro da China

16/03/2017 06:00 Atualizado: 15/03/2017 16:51

O mundo está cheio de regras de ouro. Há uma para cada campo – ética, comunicação, moda. Mas há apenas uma que conta: a regra de ouro do dinheiro, “Quem tem o ouro faz as regras.”

A China, ao que parece, quer fazer as regras no sistema monetário internacional, razão pela qual tem adquirido grandes quantidades de ouro por meio de canais privados e oficiais.

Devido à natureza obscura do mercado de ouro chinês e à relutância dos oficiais chineses em mostrar sua mão, ninguém foi capaz de calcular com precisão a quantidade de ouro que os chineses adquiriram desde 2000, quando começaram a acumulá-lo.

Eis que surge Koos Jansen, um analista do grande negociante de ouro cingapurense BullionStar. Ele tem estudado o mercado de ouro chinês há anos e recentemente revelou uma estimativa do total de ouro acumulado pela China: 19.500 toneladas métricas, ou 21.495 toneladas estadunidenses, no final de janeiro de 2017.

“Eles têm promovido a propriedade do ouro como uma forma de reserva de valor desde pelo menos 2002, mas especialmente quando introduziram o conceito de ‘reter ouro com o povo’ em 2004”, disse Jansen.

Tesouro privado

De acordo com as estimativas de Jansen, o total de participações privadas, incluindo indivíduos e empresas, é de 15.500 toneladas métricas. As reservas oficiais do Banco Popular da China (PBOC) são cerca de 4 mil toneladas métricas.

Isso tornaria os chineses o segundo maior detentor de ouro depois da Índia, onde os cidadãos são estimados detendo 20 mil toneladas métricas de ouro em joias e outras formas. As participações do setor privado nos Estados Unidos são desconhecidas, mas o Tesouro americano ainda mantém 8.134 toneladas em reservas oficiais.

Mas onde a China conseguiu todo esse ouro, quando no ano de 2000 ela tinha um total de apenas cerca de 4 mil toneladas?

A primeira peça do quebra-cabeça é a mineração doméstica.

“Na década de 1970, quando a China precisava de reserva de câmbio, foi quando começou sua indústria de mineração. Eles teriam então começado a exploração, e as pessoas foram incentivadas a extrair ouro. É por isso que existem tantas minas de ouro na China.” Jansen sugere o número de cerca de 600 minas.

Essas 600 minas produziram 490 toneladas de ouro em 2015, tornando a China o maior produtor, à frente da Austrália, que produziu 300 toneladas.

Vendendo para um buraco negro

A próxima peça do quebra-cabeça é as importações de outros países. De acordo com as estimativas de Jansen, a China importou cerca de 1.300 toneladas de ouro em 2016, principalmente por meio de Hong Kong, mas também diretamente da Suíça e do Reino Unido.

Aqui, Jansen aponta uma peculiaridade em relação à compra asiática: “A demanda asiática é forte quando o preço cai. A demanda ocidental é forte quando o preço sobe. Em abril de 2013, o preço do ouro desabou e um monte de ouro foi exportado do Ocidente para a China, principalmente do Reino Unido.”

Quando o ouro entra na China, ele é vendido por meio da Bolsa de Ouro de Shanghai (SGE), que também lida com fragmentos e a mineração doméstica.

Curiosamente, assinala Jansen, nada dessa oferta vai para o banco central, mas sim para os consumidores e empresas.

“No mercado interno, há leis e incentivos para canalizar o suprimento por meio da SGE. Fragmentos, produção doméstica, importações, todos passam primeiramente pela SGE. As retiradas da SGE são praticamente iguais ao total da demanda privada de ouro.”

A demanda privada vem de indivíduos que querem diversificar seus ativos, investidores institucionais como fundos de pensão e empresas de joias para revenda posterior, entre outros.

“Empresas e indivíduos compram ouro pela mesma razão: Afastar-se do renminbi [a moeda chinesa], diversificar [investimentos], proteger-se, etc.”, disse ele.

Quanto ao banco central, Jansen diz que suas compras não aparecem nas estatísticas oficiais de importação e são mantidas em segredo.

“O exército chinês tem inclusive uma divisão especial, que eu o chamo de exército do ouro. Inicialmente, este exército do ouro também surgiu na década de 1970 para a exploração, e pode estar ativo ainda. Eles podem pegar [ouro] diretamente no Reino Unido”, disse ele. O banco central também usa bancos comerciais que compram na Suíça ou na África do Sul e secretamente enviam o ouro para a China.

Por exemplo, o total de reservas de ouro da Associação do Mercado de Bulhão de Londres (LBMA) encolheu 2.750 toneladas entre 2011 e 2015, mas as exportações líquidas foram de apenas mil toneladas. Assim, 1.750 toneladas aparentemente desapareceram e provavelmente acabaram nas reservas oficiais chinesas.

De acordo com os contatos de Jansen em bancos chineses, as participações oficiais giram em torno de 4 mil toneladas, ao invés do número publicado de 1.842 toneladas.

Para que a China precisa desse ouro? “Eles compram ouro oficial para internacionalizar o renminbi. Se houver reservas de ouro suficientes para lhe lastrear, eles podem torná-lo uma moeda de reserva mundial credível.” Quem tem o ouro faz as regras.

É também por isso que a China não permite que sequer um grama de ouro e prata saia de suas fronteiras uma vez que tenham entrado. Como disse Jansen, “O Ocidente vem vendendo ouro para um buraco negro.”