A relação entre a Coreia do Norte e o Estado paralelo dentro do regime chinês

22/04/2017 06:45 Atualizado: 20/04/2017 20:09

Na China, os rivais políticos do líder chinês Xi Jinping compartilham posturas comuns com o regime totalitário dos Kim na Coreia do Norte e parecem estar tentando acirrar a ameaça de armas nucleares, mesmo à custa da segurança nacional chinesa.

Durante anos, figuras poderosas dentro e fora do regime chinês que são aliados do ex-líder chinês Jiang Zemin tinham interesse em manter a ameaça nuclear da Coreia do Norte como uma distração sobre seus próprios abusos de direitos humanos, bem como para amarrar as mãos de seus rivais políticos, de acordo com um especialista em assuntos chineses.

Hoje, a disputa nuclear com Pyongyang tornou-se manchete e levou os EUA e os líderes chineses a um surpreendente grau de colaboração quando Xi Jinping e o presidente estadunidense Donald Trump se encontraram na Flórida para discutir esta crise e outras questões. Mas essas discussões devem levar em conta os laços anteriores entre a China e a Coreia do Norte, promovidos pelo ex-líder Jiang Zemin.

Aos 90 anos, Jiang Zemin é mais um símbolo da corrupção e dos abusos dos direitos humanos do que um participante na governança atual da nação chinesa.

Mas apesar da geração de distância de Jiang Zemin no poder e do amplo expurgo de seus aliados em altas posições do Partido Comunista, no governo civil e na comunidade de negócios, seus numerosos asseclas já aposentados ou ainda na ativa ainda resistem às tentativas da administração Xi Jinping para eliminar a influência de Jiang e seus aliados.

Fotos de 2004 mostram Jiang Zemin e o ditador norte-coreano Kim Jong-il num abraço fraterno. Políticos associados a Jiang Zemin, incluindo três dos sete membros do Comitê Permanente do Politburo (CPP) que dirige o Partido Comunista Chinês (PCC), tiveram vínculos particularmente estreitos com Pyongyang.

Zhang Dejiang e Zhang Gaoli, ambos membros do CPP, estudaram em Pyongyang e fizeram várias visitas diplomáticas à Coreia do Norte, insinuando sua influência na cooperação sino-norte-coreana. Zhang Dejiang chefia o Congresso Popular Nacional e tem grande influência nos assuntos de Hong Kong. Ele construiu sua carreira principalmente no nordeste da China.

Um terceiro associado de Jiang Zemin, atualmente servindo no Politburo, é Liu Yunshan, o chefe da propaganda no regime chinês. Ele fez várias visitas de alto nível à Coreia do Norte na qualidade de diretor de um comitê executivo do PCC dedicado à “construção da civilização espiritual”.

Sob os auspícios do Departamento de Assuntos Internacionais do PCC, liderado por Wang Jiarui, um protegido por Jiang Zemin, de 2003 a 2015, muitas empresas chinesas negociaram com a Coreia do Norte, apesar das sanções impostas pelas Nações Unidas.

Mas os políticos em Pequim têm se preocupado por anos com a ameaça dos mísseis norte-coreanos, que poderiam ser facilmente implantados a uma distância perigosa para as principais cidades chinesas. No entanto, muitos produtos que a Coreia do Norte precisava para seus projetos nucleares e de foguetes, como o óxido de alumínio e os veículos rodoviários capazes de lançar mísseis balísticos, vieram diretamente das empresas chinesas.

Como dito num relatório de 2015 do Serviço de Pesquisa do Congresso, o Congresso dos Estados Unidos há muito tempo tem tentado reduzir “o papel da República Popular da China (RPC) na proliferação das armas de destruição em massa (ADM) e dos mísseis que podem carregá-las. Os beneficiários da tecnologia da RPC incluem o Paquistão, a Coreia do Norte e o Irã.”

Don Tse, especialista em assuntos chineses para o website chinês Decodificando a China, diz que os líderes do PCC associados a Jiang Zemin podem ter influenciado a ocasião dos cinco testes nucleares da Coreia do Norte para coincidirem com momentos em que os asseclas de Jiang foram pressionados por abusos de direitos humanos ou quando experimentaram turbulência política dentro do regime chinês.

Tse acredita que o teste nuclear norte-coreano realizado em outubro de 2006 destinava-se a obscurecer a queda em setembro de Chen Liangyu, um aliado de Jiang que era então o secretário do PCC em Shanghai e um candidato principal à futura liderança da China.

E em torno do período da ascensão de Xi Jinping ao poder em 2012, diz Tse, houve um plano de Zhou Yongkang, o então chefe da segurança pública, para tentar interferir com a tentativa de desnuclearização coreana por parte do líder chinês Hu Jintao.

Zhou Yongkang, diretor do Comitê de Assuntos Político-Legislativos do PCC e chefe das forças de segurança interna da China, era um dos principais pilares da rede de Jiang Zemin até ter sido detido, expulso do PCC e condenado a prisão por Xi Jinping.

“Em 2012, quando Jang Song Thaek [o tio do atual líder norte-coreano Kim Jong-un] visitou a China e manteve conversações secretas com Hu Jintao e o primeiro-ministro Wen Jiabao, eles discutiram persuadir Kim Jong-un a abandonar os testes nucleares, bem como a possibilidade de Kim Jong-un ser substituído por seu irmão Kim Jong-nam”, disse Tse.

“Mas Zhou Yongkang divulgou esta informação a Kim Jong-un, que então eliminou Jang.” A imprensa norte-coreana informou que Jang foi executado em 12 de dezembro de 2013, após um julgamento de um dia.

Jiang Zemin e seus associados têm amplas razões para resistir à mudança de regime ou à reestruturação da liderança chinesa.

Num momento em que os observadores ocidentais esperavam que o crescimento econômico promovesse a democracia e os direitos humanos na China, o regime de Jiang Zemin intensificou a repressão contra as minorias étnicas chinesas e as religiões não controladas pelo Estado.

Sob Jiang Zemin, que fez seu nome durante e após os protestos e o consequente massacre da Praça da Paz Celestial, o Partido Comunista Chinês reteve algumas das características mais brutais de sua ideologia marxista-leninista, lançando uma perseguição sistemática e brutal à prática espiritual do Falun Gong em 1999. O orçamento de segurança interna da China aumentou até superar o do Exército da Libertação Popular, ou as forças militares da China. Centenas de milhares de adeptos do Falun Gong, bem como muçulmanos uigures, tibetanos e cristãos domésticos, foram assassinados pela indústria da extração forçada de órgãos patrocinada pelo regime chinês.

“Jiang Zemin fez uso da ameaça nuclear da Coreia do Norte para distrair a atenção norte-americana das violações dos direitos humanos chineses, bem como resistir ao ataque político de facções dentro do PCC que não têm o sangue de inocentes nas mãos”, disse Tse.

Eventos recentes provavelmente apoiam esta análise. Como um político sem vínculos com Jiang Zemin ou seu legado de perseguição em massa, Xi Jinping não é susceptível de ver as palhaçadas de Pyongyang como um benefício ao seu prestígio ou à nação chinesa.