Como os cientistas sociais dirão, um aumento da pobreza geralmente leva a mais crimes e agitação social.
Em sua história, o Partido Comunista Chinês tem sido especialmente cauteloso com as potenciais turbulências sociais que podem prejudicar seu regime: veja, por exemplo, a sua brutal supressão dos ativistas estudantis pró-democracia na Praça da Paz Celestial em 1989, ou seu aparato de censura da internet e da mídia e seu sistema de vigilância de câmeras que visa detectar e suprimir a dissidência contra o Partido.
Por isso, o líder chinês Xi Jinping tem proposto “levantar as pessoas da pobreza” como seu novo bordão. Ele se referiu repetidamente à ideia em seu recente discurso de Ano Novo e em seu discurso aos membros do Partido Comunista Chinês no conclave crítico de outubro passado, o 19º Congresso Nacional.
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Em 2012, quando ele chegou ao poder, Xi Jinping falou sobre seu objetivo de transformar toda a China numa sociedade “xiaokang” até 2020, ou seja, uma sociedade onde as pessoas levam vidas confortáveis em relação a suas necessidades materiais.
De acordo com dados do Banco Mundial, cerca de 493 milhões, ou 36% da população da China, vivem com US$ 5,50 por dia ou menos. Realizar o sonho de Xi Jinping para a China é mais fácil falar do que fazer.
Nas sociedades ocidentais, reduzir a pobreza é uma questão complexa e multifacetada. As organizações de pesquisa recomendam investir na educação infantil, aumentar as oportunidades de emprego em atividades altamente qualificadas e oferecer subsídios de assistência à infância ou créditos fiscais para famílias com filhos.
Embora o Banco Mundial assinale que a remoção de restrições políticas sobre a atividade econômica resultou em milhões de pessoas escapando da pobreza nas últimas três décadas, em seu relatório “China 2020”, ele alertou sobre o aumento da desigualdade de renda entre áreas urbanas e rurais que poderia dificultar os esforços de redução da pobreza.
Recrutando os ricos para ajudarem os pobres
Com a grande dívida da China e uma economia em desaceleração, as autoridades centrais não estão interessadas em resolver a pobreza por conta própria. O regime, em vez disso, está recrutando os ricos do país para darem uma mão. No ano passado, o livro branco do regime sobre a “redução da pobreza e os direitos humanos” elogiou os esforços do Estado para motivar grandes conglomerados a arrecadarem dinheiro para comunidades pobres.
Na Conferência Mundial da Internet, realizada na província de Zhejiang em dezembro, foi organizado um painel com as maiores empresas de tecnologia do país, incluindo Alibaba, JD.com e Ant Financial, para associá-las com 13 prefeituras e municípios empobrecidos. Sua estratégia para remover os moradores da pobreza foi proporcionar-lhes acesso à internet e ensiná-los como serem espertos no uso da tecnologia.
A filantropia agora é mandatória para empresários ricos. O regime chinês não é tímido quanto às suas intenções; num editorial intitulado “Criando uma estrutura para o Estado e o mercado aliviarem a pobreza em conjunto”, publicado no jornal estatal Study Times, foi promovido o uso de “mecanismos de mercado” para ajudar os pobres e demonstrar o sucesso do socialismo com características chinesas.
Outro editorial, da mídia estatal Global Times, destacou a responsabilidade dos gigantes chineses da internet de assumirem o manto da “estabilidade social”: um eufemismo para eliminar o descontentamento público e os protestos.
“Essas empresas devem usar suas próprias habilidades, capital, talento, capacidades de gerenciamento e outras formas de apoiar o desenvolvimento econômico e a estabilidade política do país”, diz o editorial. A instabilidade social significaria problemas para o Partido Comunista Chinês, que governa por meio do controle sobre seus cidadãos.
Executivos empresariais seguem a política
Em resposta, alguns dos empresários mais ricos da China entraram na dança com promessas entusiastas para seguir obedientemente a linha do Partido, como devem fazer.
Em 1º de dezembro, Jack Ma, o presidente da Alibaba, uma das maiores empresas de internet da China, anunciou que depois de estudar a ideologia do Partido do 19º Congresso Nacional, ele sentiu-se compelido a criar uma fundação para ajudar os pobres e se comprometeu a arrecadar 10 bilhões de yuanes em cinco anos. Parte dos fundos será proveniente dos lucros das vendas da Alibaba, mas a maior parte disso virá das doações de seus funcionários, explicou Jack Ma. Ele também falou sobre incentivar uma nova geração de agricultores a trabalharem a terra e obterem lucros com a agricultura modernizada, auxiliados por tecnologia avançada de processamento de dados.
Ele disse à audiência: “O estudo da Alibaba sobre os documentos do 19º Congresso é provavelmente mais sério do que qualquer empresa por aí. Eu gostaria de perguntar, o que podemos fazer para promover o espírito do 19º Congresso?”
Isso, é claro, vem de uma pessoa que certa vez disse que as empresas chinesas deveriam “ter um relacionamento íntimo com o governo, mas não se casarem”.
Para não ficar atrás, em 1º de dezembro, o Diário do Povo, um jornal estatal porta-voz do regime chinês, publicou uma entrevista com Liu Qiangdong, o fundador do varejista eletrônico JD.com e rival da Alibaba, na qual explicou como sua empresa estava trabalhando para metas mencionadas no relatório de Xi Jinping para o 19º Congresso.
Em novembro de 2017, Liu Qiangdong postou em sua conta no Weibo, uma plataforma chinesa de mídia social equivalente ao Twitter, que ele se tornou o chefe honorário do vilarejo de Ping Shitou, na província de Hebei. Ele quer fazer todos os aldeões escaparem da pobreza e aumentarem sua renda média em dez vezes num prazo de cinco anos, “não por meio de doações, mas pela [criação de] indústria!” Ele ainda não elaborou sobre esses planos.
O regime chinês também tem incentivado empresas de comércio eletrônico a ajudarem os aldeões rurais a criarem lojas online para venderem suas mercadorias e produção, na esperança de diminuir a diferença salarial entre a cidade e os residentes rurais. O Ule.com, com sede em Xangai, uma joint venture de comércio eletrônico entre o serviço postal estatal China Post e o Tom Group, uma empresa de mídia e tecnologia de Hong Kong, é um importante participante.
Se a filantropia forçada desses executivos empresariais será bem-sucedida em retirar as pessoas da pobreza é algo a ser visto. Mas uma coisa permanece certa: enquanto o regime chinês lhes “pedir” para ajudar aos pobres, eles o farão.
Colaborou: Frank Fang
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