As rachaduras na economia da China

01/12/2017 18:59 Atualizado: 01/12/2017 18:59

O número final do crescimento do PIB publicado pelo Partido Comunista Chinês (PCC) depois do recente Congresso Nacional foi, claro, moldado para as expectativas. A economia chinesa cresceu 6,8% no terceiro trimestre, proporcionando um belo pano de fundo para o Congresso em outubro. Agora que o Congresso acabou, no entanto, e o líder chinês Xi Jinping reforçou seu controle sobre o poder, o regime está mostrando-se sério sobre a reforma, o que é inquietante para os mercados financeiros.

O índice Shanghai Composite do mercado de ações perdeu 3,2% em questão de dias, enquanto uma série de regulamentos foi anunciada em 17 de novembro pelo recém-criado Comitê de Estabilidade Financeira e Desenvolvimento, um super-regulador sob a supervisão direta do Conselho de Estado, o gabinete da China. O novo órgão visa reduzir a quantidade de dinheiro que os chamados bancos paralelos podem bombear na economia sem supervisão e controle das autoridades centrais.

“Mesmo as autoridades chinesas estão reconhecendo o problema e tomando medidas para abordá-lo, uma mudança notável considerando que o governo reluta em admitir qualquer fraqueza na economia chinesa”, escreveu a firma Geopolitical Futures numa nota aos clientes.

Esses ativos bancários paralelos valem cerca de US$ 7,58 trilhões, dependendo de quem está contando. Esse dinheiro impulsionou a economia chinesa, após uma desaceleração em 2016, canalizando o crédito para o setor imobiliário em expansão, enquanto os bancos regulares atingiram seu limite de empréstimos.

E, apesar do fato de que eles representam apenas cerca de um quinto do sistema bancário chinês, um desenrolar desordenado desses recursos causaria estragos, de acordo com Victor Shih, professor-associado da Universidade da Califórnia-San Diego.

“Apesar do tamanho modesto do financiamento paralelo em relação ao setor bancário, em 50 trilhões [de yuanes], um pânico na liquidação desses ativos no mundo bancário paralelo pode significar sérios problemas para a China”, escreveu ele num relatório para o Mercator Institute for China Studies.

Embora o sistema bancário paralelo continue crescendo desde o Congresso Nacional, o mercado imobiliário já começou a desacelerar como resultado dos regulamentos emitidos ao longo de 2017 que visam especificamente a propriedade privada de imóveis. Com aumento de 17% ao longo do ano no primeiro trimestre, as vendas de piso residencial, na verdade, caíram 2% no terceiro trimestre.

“Novas restrições sobre a revenda de propriedades e o reduzido incentivo à reconstrução de habitações de baixa renda continuarão pesando sobre as vendas de imóveis. Isso significa mais uma desvantagem para o crescimento do investimento imobiliário”, escreveu a empresa de pesquisa TS Lombard num relatório.

O crédito bancário paralelo é composto principalmente de empréstimos imobiliários, seja sob a forma de hipotecas ou empréstimos para desenvolvedores. Se esses empréstimos se tornarem ruins porque o mercado está decaindo, isso repercutirá no sistema de empréstimo, atingindo eventualmente outras partes da economia, de forma similar como ocorreu com os empréstimos subprime nos EUA em 2008.

Se novos financiamentos usados para rolar adiante os empréstimos ruins, uma prática muito comum na China, forem cortados por causa da regulamentação, isso será um duplo golpe.

“O desafio, no entanto, é que limitar os fundos disponíveis para o setor imobiliário também pode levar a uma crise. A tarefa difícil da China, então, é reduzir o montante da dívida fora do balanço, evitando a desaceleração do setor imobiliário que poderia ameaçar a economia”, afirma o relatório do Geopolitical Futures.

Sacudindo os mercados

Assim, embora parecesse que tudo ia bem antes do Congresso Nacional, os dois conjuntos de regulamentos sobre gestão imobiliária e de ativos estão causando tremores nos mercados agora, especialmente porque Xi Jinping sempre falou sobre a redução do dinheiro e do crédito na economia, mas nunca tomou uma medida.

O Diário do Povo, um jornal estatal porta-voz do regime, publicou alguns editoriais ao longo de 2016 que indicaram que o regime via a reforma com seriedade. “A reforma foi decidida segundo uma deliberação cuidadosa sobre a situação econômica da China”, disse o jornal citando uma autoridade anônima, que muitos acreditam seria o próprio Xi Jinping.

No entanto, a desaceleração da economia e as tensões nos mercados de câmbio em 2016 forçaram a mão do regime e ele teve de bombear outra bolha imobiliária para assegurar um ambiente econômico estável a caminho do conclave político em outubro. Agora que o poder de Xi Jinping está mais forte, os anúncios rápidos de reformas parecem sugerir que ele não perderá mais tempo para enfrentar o problema da dívida.

E os mercados estão levando isso a sério, então não é apenas o mercado de ações que está balançando. O setor imobiliário já sente tremores, e agora tudo, desde títulos corporativos até títulos do governo, bem como a forte moeda chinesa, está trepidando. É o início de 2016 novamente, exceto que os mercados globais não parecem se importar com as nuvens no céu chinês.

O dólar americano caiu durante a maior parte de 2017 mas aumentou quase 4% em relação ao yuan a caminho do Congresso chinês. Em agosto de 2015, um movimento surpreendente da mesma magnitude, denominado “minidesvalorização“, pôs os mercados globais em tumulto pelo resto do ano até o início de 2016.

Os títulos corporativos chineses também estão sendo vendidos há mais de um ano, com o rendimento dos títulos com maior classificação aumentando de cerca de 3% para 5,3% nos últimos 12 meses. Apenas no mês de novembro, viu-se um aumento no rendimento de 0,33%, de acordo com uma reportagem da Bloomberg.

Muitos observadores esperam a ruptura da enorme bolha da dívida corporativa chinesa, que representa 165% do PIB. Mas, semelhante à bolha da dívida do governo do Japão, isso nunca aconteceu.

E mesmo que a dívida pública chinesa represente apenas 48% do PIB, muito menos do que a proporção de 106% nos EUA, os títulos do governo chinês também foram vendidos fortemente com o rendimento dos papéis de cinco anos atingindo 4%, o maior valor em anos.

Enquanto o ciclo de desalavancagem pode começar com o crédito do sistema bancário paralelo, a ponta do iceberg, é o governo que por fim terá de assumir essas dívidas incobráveis ​​se o regime chinês quiser evitar uma crise semelhante à que ocorreu nos Estados Unidos em 2008. Os governos e bancos centrais assumiram muitas dívidas incobráveis ​​de bancos privados e bancos paralelos, e isso provavelmente ocorrerá na China também, impulsionando a relação dívida/PIB do governo para bem acima de 100%.

Assim, os operadores de bolsas de valores estão vendendo títulos do governo na expectativa de novos pacotes no mercado, bem como o fato de que alguns investidores têm que vender títulos líquidos para cobrir insuficiências em investimentos ilíquidos, como produtos bancários paralelos.

“Os analistas das bolhas do passado também subestimam o grau em que o regime do Partido Comunista Chinês controla quase todos os aspectos do sistema financeiro por meio de comitês do Partido em todas as instituições financeiras da China. Esse controle diminui a chance de venda de pânico, muitas vezes o desencadeador de uma crise”, escreveu Shih.

Então, apesar do regime parecer sério sobre a reforma desta vez, e as primeiras fissuras nos mercados estarem aparecendo, a crise na China pode nunca ser evidente. O padrão seria semelhante à correção do Japão no início da década de 1990. No entanto, o país terá de viver com um crescimento do PIB inferior a 6% no futuro.