Quais fatores decidirão a vitória na guerra comercial entre China e EUA?

O conceito da China como fábrica do mundo já teve seu lugar ao sol e será substituído em breve por outras nações da Ásia

02/10/2018 14:51 Atualizado: 02/10/2018 14:51

Por Cheng Xiaonong

Em meio à crescente guerra comercial entre China e Estados Unidos, as tarifas impostas pelo governo norte-americano às importações chinesas podem ser consideradas uma “luz vermelha” nos produtos fabricados na China. Isso pode desviar as cadeias de oferta e demanda para outros lugares. Como parte das importações dos Estados Unidos deixará de vir da China, haverá uma mudança na cadeia industrial global sincrética que surgiu no início do século.

Em 18 de setembro, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, anunciou que aplicaria tarifas de 200 bilhões de dólares sobre produtos da China em duas fases. O Ministério do Comércio da China anunciou imediatamente que combateria a medida de Trump com tarifas iguais sobre os produtos norte-americanos. A Casa Branca respondeu que, quando a China aplicar contramedidas, imporá tarifas sobre produtos chineses no valor de mais de 267 bilhões de dólares.

Agora que a guerra comercial começou para valer, quem será vitorioso? Nós não podemos determinar uma vitória ou derrota simplesmente pela quantidade de impostos aplicados, mas pela forma como eles afetam o fluxo do comércio internacional.

Ao transformar a “luz vermelha” em tarifas, os Estados Unidos podem desviar o fluxo de produtos para outros países, e a China perderá a condição de “fábrica do mundo” que tem desfrutado desde o início do século XXI.

A imprensa estatal chinesa está travando a batalha errada

Desde o início da guerra comercial, a imprensa chinesa tem descrito o confronto em termos militares, referindo-se às tarifas dos Estados Unidos e às contra-tarifas chinesas como “balas”, como se quem impuser a maior parte das tarifas ao outro vencerá a guerra comercial. Mas essa comparação é enganosa.

As tarifas impostas pelos Estados Unidos não eliminam os importadores, mas passam um aviso — daí o termo “luz vermelha” — aos importadores, de que os preços dos produtos importados da China aumentarão. Uma solução é repassar o aumento de custos para o consumidor, mas se o preço dos produtos importados aumentar muito, os consumidores não vão querer comprá-los. Outra solução é que os importadores paguem o custo, o que acarreta o risco de perda de lucros.

A imprensa continental e as empresas norte-americanas que testemunharam e se opuseram às políticas de Washington nas audiências do governo, acreditam que o aumento das tarifas obrigará os consumidores norte-americanos a comprar produtos com preços altos. Em outras palavras, as “balas” que Trump “atira na China” se recuperarão para os consumidores norte-americanos. Mas, na realidade, os importadores não podem forçar os consumidores norte-americanos a comprar produtos chineses, já que os produtos chineses não são os únicos disponíveis.

Os produtos chineses podem ser substituídos

Os importadores dos Estados Unidos, como aqueles com grandes cadeias de lojas, têm comprado grandes quantidades de commodities baratas da China há anos, como roupas, calçados, brinquedos, eletrodomésticos, material de escritório e assim por diante. Estes são os principais produtos afetados pelas tarifas. No entanto, o medo que os consumidores sentem devido ao aumento do custo dos produtos da China é infundado.

Pegue o vestuário e as roupas de cama, por exemplo. Mais de uma década atrás, as lojas de roupas norte-americanas estavam cheias de produtos chineses. Era difícil encontrar algo que não tivesse sido feito na China. Mas como os custos do vestuário e das roupas de cama da China começaram a aumentar nos Estados Unidos, os importadores viram seus lucros diminuírem e gradualmente começaram a transferir sua oferta para o sudeste da Ásia. O vestuário e as roupas de cama começaram a vir cada vez mais de países como Índia, Sri Lanka, Indonésia, Bangladesh, Vietnã ou Malásia.

Este exemplo mostra que os fabricantes chineses que exportam bens de consumo, eletrodomésticos, material de escritório e ferramentas não são insubstituíveis. Na verdade, a indústria manufatureira de baixo custo da China agora tem concorrência de muitos países ao redor do mundo. Não é difícil estabelecer empresas semelhantes no sul ou sudeste da Ásia, ou treinar funcionários lá, como se evidenciou pela transferência bem-sucedida de cadeias de confecções de vestuário e roupas de cama da China para esses lugares.

Presos no semáforo

Na audiência sobre o aumento de tarifas sobre produtos chineses que foi realizada no Escritório do Representante de Comércio dos Estados Unidos, muitas empresas norte-americanas expressaram forte oposição, uma vez que os produtos importados da China têm o equilíbrio ideal entre preço e qualidade, e o aumento da tarifa os forçaria a repassar o custo para o consumidor. Na audiência, o governo perguntou às empresas se elas podiam comprar de produtores de outros países, mas os representantes do setor negaram essa possibilidade.

Mas isso faz sentido? A indústria de vestuário e roupa de cama dos Estados Unidos já concluiu sua transferência da cadeia de abastecimento, então por que outras indústrias não podem fazer o mesmo? O problema não é que a cadeia de abastecimento não pode ser transferida, mas que isso é uma inconveniência para os importadores, embora eles não queiram reconhecer. As empresas confiam muito na manufatura chinesa e estão familiarizadas com seus fornecedores, o que lhes poupa muitos problemas na hora de fazer negócios.

No entanto, nenhum importador nos Estados Unidos tem um monopólio. Se algumas dessas empresas começarem a buscar fabricantes que ofereçam cadeias de abastecimento estáveis em outros países além da China, essas empresas logo irão dominar o mercado norte-americano com preços mais baixos. Os importadores preguiçosos serão forçados a fazer o mesmo ou quebrar.

Se algumas empresas dos Estados Unidos insistem em usar produtos fabricados na China, não só terão que competir com outras empresas norte-americanas que têm suas cadeias de abastecimento em outros países, como também terão que competir com empresas chinesas. Para manter o mercado dos Estados Unidos e evitar tarifas de Washington, algumas empresas chinesas começaram a transferir sua produção para o Sudeste Asiático e outros lugares. A dupla pressão obrigará os importadores dos Estados Unidos a mover suas compras e ajustar suas cadeias de abastecimento.

Produtos básicos, como material de escritório e ferramentas, nem precisam ser fabricados no exterior. À medida que a diferença de preço entre a fabricação na China e nos Estados Unidos se fecha, a tarifa agregada de 25% dá às fábricas dos Estados Unidos uma chance de competir. Isso ajudará a revitalizar a indústria norte-americana e diminuir o desemprego, uma das razões pelas quais Trump iniciou a guerra comercial.

À medida que as tarifas cobradas por Washington sobre a China deixam um sinal vermelho para os importadores, o fluxo de produtos importados “se desviará” da China para outros países. Em poucos anos, como parte dos produtos importados dos Estados Unidos sai da China, parte da cadeia industrial sincrônica que se formou durante a globalização econômica neste século também será transferida para outros países.

O conceito da China como fábrica do mundo já teve seu lugar ao sol e será substituído em breve por outras nações da Ásia. Uma consequência disso é que, à medida que as reservas chinesas em moeda estrangeira diminuírem juntamente com a queda nas exportações, o regime chinês poderá aumentar os controles sobre as bolsas estrangeiras.

Dr. Cheng Xiaonong é acadêmico em Política e Economia na China, com residência em Nova Jersei. Cheng era pesquisador político e assistente do ex-líder do Partido Comunista Chinês, Zhao Ziyang, quando Zhao era primeiro-ministro. Ele também foi editor-chefe da revista de estudos modernos da China