Porque a crise de dívida da China será diferente da do Japão

23/06/2016 21:10 Atualizado: 23/06/2016 21:10

Analistas financeiros e de investimento internacionais têm mantido uma estreita vigilância sobre a crise da dívida da China. A visão mais pessimista, com base em grandes volumes de análise técnica, é que a situação é resultado de muita dívida de risco, semelhante à crise de 2008 nos Estados Unidos quando o Lehman Brothers entrou em colapso e o mercado de crédito ficou paralisado. A maioria dos analistas prevê que, uma vez que a bolha estoure, a economia da China entrará em declínio semelhante à situação do Japão na década de 1990.

Na verdade, a partir de uma perspectiva técnica, a China já está experimentando uma série de desastres financeiros. No entanto, devido às diferenças fundamentais entre a China e o Japão, o resultado da crise financeira prevista na China será bem diferente.

Expansão dos fatores de risco

Na superfície, o setor bancário da China é muito parecido com o do Japão no início de 1990, antes de a bolha econômica se desenvolver. Ambos experimentaram uma expansão extremamente rápida de seus ativos, créditos e fatores risco.

O volume de ativos dos bancos japoneses aumentou rapidamente, impulsionado pela política de flexibilização monetária, altas taxas de poupança e ampla liquidez. A taxa de crescimento dos empréstimos excedia em muito o crescimento do PIB. De 1984 a 1990, os ativos totais bancários do Japão aumentaram 103%, de 373 trilhões de ienes para 757 trilhões de ienes. Este aumento rápido dos ativos estava relacionado ao aumento dos depósitos. Os depósitos bancários totais aumentaram de 268 trilhões de ienes para 495 trilhões de ienes, ou 84,7% em sete anos.

Os ativos bancários da China cresceram ainda mais rápido do que os do Japão. A diferença é que eles não são compostos principalmente de depósitos de poupança. Profissionais do setor bancário da China não negam este fato. Eles admitiram abertamente que a expansão contínua dos ativos estava relacionada a um ambiente monetário liberalizado. O incentivo econômico do governo central, a acelerada aprovação de crédito, o mercado imobiliário e a apreciação do investimento de infraestrutura são todos exemplos de ativos geradores de grandes juros que têm contribuído para a expansão do crescimento de ativos no sistema bancário da China.

Alocação de empréstimos

Um estudo cuidadoso mostra que a alocação de ativos de bancos chineses e japoneses é apenas parcialmente similar. Os principais ativos dos bancos japoneses eram constituídos de imóveis. De 1984 a 1990, os empréstimos imobiliários do Japão aumentaram de 7,5% para 12% do total de empréstimos e superavam em muito os empréstimos feitos à indústria manufatureira e o crescimento do PIB. Ao mesmo tempo, empréstimos industriais caíram de 26,6% para 15% do total de empréstimos. Empréstimos imobiliários no Japão tiveram aumento recorde em 1986 e 1989, com as taxas de crescimento atingindo 35% e 27,7%, respectivamente.

A economia chinesa também é impulsionada pelo mercado imobiliário. Mas a alocação de ativos é impactada pelo sistema econômico único da China e pela intervenção do governo. Dívidas ruins vêm de várias fontes: setor imobiliário, grandes empresas estatais e governos locais. O setor bancário da China é de propriedade do governo e empresas estatais são conhecidas como “o filho mais velho da República”, assim sendo elas serão naturalmente socorridas quando em crise. Com estes laços de interesses inseparáveis, o destino da indústria bancária chinesa está destinado a ser diferente do dos bancos japoneses.

Bancos estatais da China

Poderíamos dizer que o setor bancário da China está em pior forma do que o setor bancário do Japão antes de sua bolha econômica estourar. No entanto, antes de saltar à conclusão de que a China terá uma crise financeira semelhante à do Japão, é preciso lembrar que existe uma diferença fundamental entre a China e o Japão: Na China, a estabilidade financeira está ligada à estabilidade do Partido Comunista Chinês.

Em outras palavras, o sistema financeiro estatal da China “vive e morre” com o regime. No Japão, mesmo que a administração no governo do Japão entrasse em colapso, isso não teria qualquer impacto direto sobre os bancos.

O governo chinês elimina diretamente a inadimplência para os bancos. O governo japonês não poderia fazer isso.

Somente no mandato do primeiro-ministro japonês Junichiro Koizumi houve reformas agressivas no setor bancário. As principais medidas de reforma incluíram fusões e reorganização em larga escala de instituições financeiras, abordagens diretas para lidar com empréstimos improdutivos, fortalecimento da autoridade administrativa dos empréstimos improdutivos de corporações, apoio a renovação empresarial, etc. Estas medidas efetivamente reduziram a proporção dos empréstimos improdutivos no sistema bancário do Japão. Consequentemente, de 2002 a 2006, a relação de empréstimos improdutivos no setor bancário diminuiu de 8,7% para 1,8%, e na indústria financeira caiu de 8,6% para 3,6%.

O governo chinês, por outro lado, não adopta essas medidas lentas utilizadas pelo governo japonês para resolver maus empréstimos. Suas medidas são diretas e duras, projetadas para remover dívidas podres rapidamente.

Por exemplo, quando Zhu Rongji foi primeiro-ministro chinês, o governo financiou diretamente quatro empresas de gestão de ativos para permitir que empresas realizassem a troca de dívidas por papéis financeiros, assim ajudando as empresas e os bancos a eliminarem empréstimos improdutivos de seus livros e levantarem capital. Quando Wen Jiabao foi primeiro-ministro, o governo chinês permitiu que bancos estrangeiros se tornassem investidores estratégicos para ajudar a recapitalizar os bancos comerciais estatais. Isso também encorajou os bancos a entrarem no mercado financeiro com classificação A nas bolsas de valores de Hong Kong e da China.

A absorção de fundos e a entrada no mercado financeiro transformaram os bancos da condição de perda para ganho, além de colocar o Banco da China, o Banco de Construção da China e o Banco Industrial e Comercial da China entre os dez maiores gigantes financeiros internacionais. Eles se tornaram os bancos mais rentáveis.

Agora, o governo chinês está tentando copiar as medidas de Zhu Rongji para se livrar da presente crise financeira. Mas a situação atual é diferente, e aqueles velhos truques não podem resolver novos problemas.

A crise financeira da China é o resultado da intromissão do governo na economia e do regime amarrar sua própria estabilidade política à estabilidade financeira do país. Assim, a última medida de proteção para o setor financeiro da China será a arma. Regimes autoritários e totalitários usam qualquer tipo de violência necessária para manter seu poder.

Mas o abuso de poder não apenas distorce o mercado, ele também o destrói. O colapso do mercado de ações da China em 2015 serve como um exemplo. Os chineses são as vítimas da crise da dívida e estão pagando por isso com uma inflação galopante.

Esta é uma tradução resumida de um artigo chinês de He Qinglian postado em seu blog pessoal em 1º de maio de 2016. He Qinglian é uma proeminente autora e economista chinesa. Ela vive atualmente nos Estados Unidos e é autora do livro “The Fog of Censorship: Media Control in China” entre outros. Ela escreve regularmente sobre questões sociais e econômicas da China contemporânea.