Em uma ação que rompeu com séculos de tradição católica, o Vaticano sob o comando do Papa Francisco teria forçado dois bispos chineses devidamente nomeados a se afastarem para dar lugar a bispos unilateralmente impostos pelo regime chinês. Esta é a última de uma série de concessões feitas pelo Papa Francisco nos últimos anos com o objetivo de reatar as relações diplomáticas entre o Vaticano e o regime chinês, que sempre rejeitou a autoridade do Papa para nomear bispos na China Continental.
De acordo com o jornal Asia News, uma delegação do Vaticano foi enviada à China em dezembro do ano passado para forçar o bispo Peter Zhuang, de Shantou, a “retirar-se” ou ser rebaixado, para que o regime chinês pudesse estabelecer seus próprios bispos provenientes de igrejas autorizadas pelo regime.
O Vaticano e a República Popular da China não mantêm relações diplomáticas desde 1951, porque o Partido Comunista Chinês (PCC) insistiu desde o início de seu regime em que todos os bispos da Igreja Católica Romana na China Continental deveriam ser nomeados por ele, a fim de manter controle sobre a igreja. Consequentemente, foi criada a Associação Católica Patriótica da China (ACPC), supostamente para representar os católicos no país.
Sob o comando de todos os Papas anteriores, o Vaticano rejeitou esse acordo e recusou reconhecer os bispos “designados” unilateralmente pela ACPC. O poder de nomear bispos, conhecido como “Investidura”, é considerado um dos ritos fundamentais da Igreja Católica.
No entanto, fora do controle da ACPC existe uma rede desafiadora de “igrejas domésticas” clandestinas na China, cujos seguidores são representados por bispos chineses ordenados legitimamente pelo Vaticano, como Zhuang e Guo.
O bispo Zhuang, de 88 anos de idade, chorou ao ouvir a ordem do Vaticano, mas rejeitou a “oferta” de aceitar ser rebaixado a sacerdote para servir seu substituto, o bispo da ACPC Huang Bingzhang, porque Huang poderia simplesmente expulsá-lo a qualquer momento.
Além de ser bispo da ACPC, Huang também é membro do Congresso Nacional do Povo, o parlamento de marionetes do regime chinês.
O Vaticano do Papa Francisco exigiu que Zhuang se retirasse, em uma carta datada de 26 de outubro, à qual Zhuang respondeu que preferia “carregar a cruz” por desobedecer uma ordem do Vaticano, de acordo com o Asia News.
A delegação do Vaticano também viajou para a província de Fujian, onde pediram que o bispo Joseph Guo Xijin, de Mindong, pertencente à igreja católica clandestina, “aceitasse” ser rebaixado para que o bispo apoiado pela ACPC, Vincent Zhan Silu, pudesse tomar seu lugar. Anteriormente, Guo havia estado desaparecido por um tempo no ano passado, depois que o regime chinês o forçou a “visitar” um escritório de assuntos religiosos na cidade de Fuan.
“É uma desgraça que políticos do Vaticano coloquem seus interesses acima da Igreja ao se dobrar diante da Pequim comunista”, disse Bob Fu, fundador da ChinaAid, uma ONG cristã com sede em Midland, no Texas. “Esta ação constitui uma verdadeira traição tanto aos princípios cristãos como aos fiéis perseguidos na China. Espero que o Papa Francisco possa intervir e corrigir isso antes que o prejuízo seja grande demais para ser remediado”.
Satisfazer o regime chinês a todo custo
As repetidas chamadas telefônicas do Epoch Times para o Escritório de Imprensa do Vaticano solicitando comentários não foram respondidas. No entanto, a notícia do exílio forçado de dois bispos por ordem do Vaticano foi confirmada pelo cardeal Joseph Zen, respeitado ex-bispo de Hong Kong que se aposentou em 2009 e que nos últimos anos se tornou a principal voz questionadora das várias propostas do Papa Francisco ao regime chinês.
Conforme foi informado, Joseph Zen, de 86 anos, visitou o Vaticano na quarta-feira (24), e esperou na fila junto com outros peticionários na fria Praça de São Pedro para entregar pessoalmente uma carta ao Papa Francisco. Não lhe foi dado o privilégio de um acesso rápido ao Papa, o que tradicionalmente é oferecido aos cardeais aposentados de seu nível. A carta contém um pedido ao Papa Francisco para que preste atenção à situação desesperada das igrejas católicas clandestinas na China.
De qualquer forma, o Vaticano, sob o comando do Papa Francisco, marcou claramente o caminho para retomar as relações com o regime chinês a todo custo. Numerosas propostas foram feitas ao regime chinês desde que o Papa Francisco foi eleito em 2013, tais como um voo papal sobre a China em 2014 e um anúncio em fevereiro de 2017 de que se havia chegado a um acordo com Pequim sobre a questão da designação de bispos, entre outros eventos.
O Epoch Times também informou, em outubro passado, que um alto arcebispo conhecido por sua forte oposição ao regime chinês foi removido pelo Papa Francisco de uma posição-chave no Vaticano.
A aproximação do Papa Francisco do regime chinês contrasta fortemente com muitos de seus antecessores. Por exemplo, João Paulo II é conhecido como o Papa que inspirou a queda do comunismo em sua Polônia natal. E embora muitos Papas antes de Francisco tentassem retomar as relações do Vaticano com a China, nenhum deles aceitou que o regime chinês privasse o Vaticano do seu poder de Investidura.
A questão da nomeação dos bispos não é a única coisa que separa o Vaticano da República Popular da China. O destino da rede chinesa de igrejas católicas clandestinas, que tem cerca de 5 a 10 milhões de fiéis, não só não foi resolvido, como também os bispos foram abandonados pelo Vaticano. Os católicos clandestinos denunciaram que o regime chinês prendeu centenas de sacerdotes e bispos e destruiu suas igrejas.
Um acordo do Vaticano com a China também envolve a questão de Taiwan, com a qual mantém relações diplomáticas formais. Em parte porque o regime chinês não reconhece a autoridade do Vaticano na China, Taiwan conseguiu manter o Estado soberano da Santa Sé como um dos aliados diplomáticos que reconhecem formalmente a nação insular de Taiwan — pelo menos até agora.
Analistas especulam que o Vaticano abandonará suas relações com Taiwan para selar um acordo com o regime chinês, um ato que pode ser visto não apenas como uma traição a Taiwan, mas também aos 240 mil católicos taiwaneses que, ao contrário de seus homólogos chineses, foram autorizados a praticar livremente sua religião e seguir a autoridade do Vaticano.
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