O papel da China na crise do fentanil volta aos holofotes com a possibilidade de aumento de tarifas

Os Estados Unidos afirmam que a China é a principal fonte de fentanil ilícito que chega às ruas americanas.

Por Catherine Yang
27/11/2024 21:32 Atualizado: 27/11/2024 21:32
Matéria traduzida e adaptada do inglês, publicada pela matriz americana do Epoch Times. 

Quando o presidente eleito, Donald Trump, anunciou um aumento nos seus planos tarifários para a China, bem como para os parceiros comerciais dos EUA, Canadá e México, chamou a atenção para o envolvimento da China na crise ilícita do fentanil nos Estados Unidos.

O plano do primeiro dia acrescentaria impostos de 10% às tarifas que Trump já planejou para produtos chineses, e uma tarifa de 25% sobre todos os produtos que chegam através do Canadá e do México.

Trump disse em 25 de novembro que os três países não fizeram o suficiente para ajudar os Estados Unidos a conter a imigração ilegal e a entrada de drogas ilícitas.

Durante as últimas duas administrações, incluindo o primeiro mandato de Trump, Pequim fez diversas promessas de ajudar a conter o comércio de fentanil ilícito, mas cumpriu poucas delas.

O fentanil é um opioide sintético aprovado pela FDA (Administração de Alimentos e Medicamentos dos EUA) usado para tratar dores severas, como em cirurgias cardíacas ou em epidurais para parturientes.

O fentanil ilícito, no entanto, é frequentemente misturado com outras drogas, e os fabricantes ilegais têm produzido cada vez mais análogos — drogas semelhantes ao fentanil com pequenas alterações moleculares que podem torná-las até 100 vezes mais letais.

O fentanil já é uma droga potente — 2 miligramas são suficientes para ser uma dose letal, dependendo do tamanho da pessoa.

O fentanil ilícito e seus vários análogos foram associados a quase 400.000 mortes nos Estados Unidos desde 2016. Os Estados Unidos identificaram a China como a fonte primária de fentanil ilícito que atravessa a fronteira desde pelo menos 2017 e fonte de outras drogas anos antes disso.

Em 2023, a Administração Antidrogas dos EUA (DEA, na sigla em inglês) apreendeu mais de 80 milhões de pílulas misturadas com fentanil e quase 12.000 libras de fentanil em pó, representando 390 milhões de doses letais, mais do que a população dos Estados Unidos.

Steve Yates, um especialista em China e ex-oficial de segurança nacional na administração George W. Bush, fez recomendações aos conselheiros de Trump sobre a política de fentanil. Ele e outros dizem que as sanções aos bancos chineses por apoiarem lavadores de dinheiro e vendedores de produtos químicos conseguirão o que a diplomacia até agora não conseguiu.

“Quando você não faz essas coisas, você é um cúmplice”, disse Yates à Reuters.

David Asher, um ex-funcionário de combate à lavagem de dinheiro dos EUA que ajudou a atacar as finanças do grupo terrorista Estado Islâmico, disse que este mecanismo foi usado contra adversários estrangeiros designados como o Irã, mas nunca contra bancos mexicanos ou canadenses.

“Você precisa atingir todos os banqueiros. É algo básico”, disse Asher, que recomendou acusações criminais contra instituições financeiras chinesas e mexicanas, oferecer recompensas pelos traficantes e outras medidas.

image-5766881

image-5766878
(Topo) O senador John Kennedy (R-La.) segura um saco representando 400g de fentanil em uma audiência em Washington em 11 de janeiro de 2024. (Embaixo) Um manifestante segura uma placa que descreve o papel do Partido Comunista Chinês no combate às drogas redes de tráfico, em um comício em frente à sede das Nações Unidas na cidade de Nova Iorque, em 1º de outubro de 2020 (Kent Nishimura/Getty Images, Samira Bouaou/Epoch Times)

Comprometimento da China

As mortes relacionadas ao fentanil aumentaram drasticamente em 2016. Perto do final do mandato do presidente Barack Obama, a China comprometeu-se a bloquear as exportações de produtos químicos precursores — ingredientes usados na fabricação de metanfetamina, fentanil e seus análogos — para os Estados Unidos.

Trump, que havia prometido em campanha combater a crise dos opioides, formou uma comissão para enfrentar o problema em março de 2017 e declarou uma emergência de saúde pública em outubro daquele ano.

A DEA ampliou sua atuação na China, envolvendo autoridades antidrogas do regime chinês para bloquear os envios para os Estados Unidos. Desde 2014, a DEA vinha realizando reuniões com autoridades chinesas para discutir o bloqueio do fentanil, incluindo encontros bilaterais em nível técnico em 2017 e 2018, em que forneceu informações exigidas pela China sobre como as drogas eram utilizadas. Isso levou Pequim a incluir diversos precursores-chave do fentanil em uma lista de controle.

Em 2019, Trump obteve outra promessa do líder do regime comunista chinês, Xi Jinping, de que a China restringiria as exportações de todas as variantes de fentanil para os Estados Unidos, colocando-as em uma lista de controle de exportação.

Embora a DEA e o Serviço Postal dos EUA tenham observado uma redução nas importações vindas da China até 2020, a DEA apontou que o fentanil ilícito e seus análogos estavam sendo cada vez mais enviados do México.

Especialistas e autoridades identificaram que os produtos químicos precursores — difíceis de proibir devido a aplicações legais e benignas — são exportados da China para o México, onde laboratórios locais completam o processo de fabricação de fentanil ilícito e seus análogos.

Funcionários da DEA destacam que essas drogas são baratas de produzir, já que laboratórios mexicanos podem adquirir US$ 3.000 em fentanil chinês e revendê-lo por US$ 1,5 milhão nas ruas dos Estados Unidos.

Derek Maltz, ex-funcionário da DEA, afirmou ao Epoch Times que as tarifas abordam apenas uma parte de um problema vasto e complexo, mas ajudam e, mais importante, sinalizam que o governo entrante mostrará uma liderança firme sobre a questão.

“Precisamos ser mais agressivos para que [Pequim] coopere mais do que no passado”, disse ele ao Epoch Times.

image-5766879
O presidente Donald Trump assina um projeto de lei bipartidário para impedir o fluxo de opioides para os Estados Unidos, no Salão Oval em 10 de janeiro de 2018 (Ron Sachs-Pool/Getty Images)

Maltz é ex-agente especial encarregado da Divisão de Operações Especiais do Departamento de Justiça dos EUA e ex-chefe da Força-Tarefa de Repressão às Drogas de Nova Iorque, a mais antiga e maior do país em sua categoria.

Acompanhando a crise dos opioides desde 2008, Maltz destacou a necessidade de cooperação entre agências para tratar o problema como uma questão de importância estratégica nacional, já que não se trata mais apenas de um “problema de drogas”.

Ele afirmou que os Estados Unidos precisam de um plano abrangente para reparar os danos causados, incluindo uma estratégia de defesa, tratamento para doenças mentais, reabilitação e muito mais.

“Não é apenas uma questão de oferta”, disse Maltz. “Você não pode simplesmente despejar dinheiro e esperar que o problema desapareça.”

Fentanil e outras drogas também são vendidos diretamente aos consumidores americanos pela internet e enviados pelo correio em embalagens enganosas.

A natureza facilmente modificável da droga significa que os esforços de fabricantes farmacêuticos chineses superam em muito os das autoridades reguladoras, segundo especialistas. O Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime estima que possam existir potencialmente milhares de análogos sintéticos de fentanil.

As mortes relacionadas ao fentanil aumentaram novamente de forma acentuada em 2020, com especialistas alertando que uma crise prolongada de drogas poderia seguir a crise de saúde mental, causada em parte pelos prolongados lockdowns da pandemia de COVID-19.

A cooperação de Pequim no combate ao movimento de drogas ilícitas começou a enfraquecer naquele ano, com o Partido Comunista Chinês (PCCh) culpando ações e declarações dos Estados Unidos que criticavam as violações de direitos humanos do regime como justificativa para reter dados sobre os embarques de fentanil.

Em 2022, o PCCh interrompeu completamente a cooperação, alegando que a decisão foi em resposta à visita da então presidente da Câmara dos Representantes dos EUA, Nancy Pelosi (Democrata-Califórnia), a Taiwan.

Enquanto isso, os Estados Unidos adotaram medidas unilaterais adicionais, sancionando dezenas de cidadãos e empresas chinesas por exportarem fentanil ilícito e drogas relacionadas. Em setembro de 2023, o presidente Joe Biden incluiu a China na lista dos EUA de principais países de trânsito ou produção de drogas ilícitas.

As negociações entre Washington e Pequim foram retomadas em novembro de 2023. Xi Jinping concordou em retomar a cooperação antidrogas em troca da retirada do Instituto de Ciência Estrangeira do Ministério de Segurança Pública da China — implicado em violações de direitos humanos em Xinjiang — da lista de sanções dos EUA.

image-5766880
Homens uigures passam pela saída de uma passagem subterrânea em Kashgar, região de Xinjiang, China, em 5 de junho de 2019. (Greg Baker/AFP via Getty Images)

No início de 2024, as negociações sobre combate ao narcotráfico continuaram, e a China concordou em limitar as exportações de máquinas para prensagem de comprimidos — usadas na produção de pílulas falsas — e em abordar questões relacionadas à lavagem de dinheiro e ao desenvolvimento de drogas sintéticas.

Até hoje, a China permanece como a principal fonte de fentanil ilícito e seus precursores, segundo agências dos EUA e relatórios do Congresso.

Porta-vozes do regime chinês, ao longo dos anos, rejeitaram repetidamente os relatórios americanos que apontam a China como a principal fonte de fentanil ilícito, afirmando que a causa do problema de drogas é, na verdade, dos próprios Estados Unidos.

Fabricantes e fornecedores chineses não se limitam ao fentanil, afirmou Maltz. Ele explicou que perceberam que os Estados Unidos não regulam estritamente a produção de maconha e estão investindo cada vez mais nesse mercado.

A Reuters contribuiu para este artigo.