Novo fundo de investimento na China visa salvar estatais “zumbis”

29/08/2016 10:26 Atualizado: 29/08/2016 10:26

Pequim anunciou a formação de um novo fundo de investimento de risco de 30 bilhões de dólares para apoiar as empresas estatais em dificuldades, mas devido às realidades políticas que restringem as medidas econômicas e à atual saturação do mercado de capital de risco na China, qualquer sinal de sucesso deve levar tempo.

Fundado em 18 de agosto pelo Conselho de Estado, o fundo de 200 bilhões de yuanes (ou 30 bilhões de dólares) planeja investir em novas tecnologias que, eventualmente, poderiam atualizar a infraestrutura das envelhecidas e ineficientes empresas estatais chinesas. O fundo surge em meio a dados do congelamento ou queda do crescimento do investimento do setor privado.

O fundo será capitalizado pelo Banco de Construção da China, a China Reform Holdings Corporation (CRHC), o Banco Postal da China e a Shenzhen Investment Holdings Co. A CRHC fornecerá o capital inicial, ou cerca de 100 bilhões de yuanes.

Mas já não existem fundos de capital de risco (CR) patrocinados pelo governo chinês?

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Dados da consultoria Zero2IPO, sediada em Pequim, mostram que, até o final de 2015, havia 780 fundos de CR apoiados pelo governo chinês no país, com cerca de 330 bilhões de dólares em capital combinado para investir em novos empreendimentos. Cerca de 300 fundos, com 230 bilhões de dólares em capital, foram criados apenas em 2015. Isso é parte do mandato do premiê chinês Li Keqiang que visa à promoção tecnológica e à inovação.

O projeto recém-anunciado é outro fundo de CR apoiado pelo Estado chinês, mas é algo diferente. Ao contrário dos fundos existentes que visam startups com foco no consumidor, este investirá em novos empreendimentos que poderiam aumentar a eficiência em industriais estatais, também conhecidas como “zumbis”.

No primeiro semestre de 2016, o portfólio das empresas estatais da China viu suas maiores perdas nas industriais dos setores de carvão, aço, produtos químicos, petróleo e gás, e materiais de construção. Dados da Secretaria Nacional de Estatísticas da China no mesmo período mostram que os ganhos das empresas de energia declinaram 162% e das empresas de mineração declinaram 83% ano a ano.

Sucesso da Temasek não deve se repetir

Alguns analistas têm comparado a mais recente estratégia da China de elevar seu enorme portfólio de empresas estatais ao estabelecimento da Temasek Holdings em Cingapura em 1974.

Enquanto a Temasek se tornou um dos fundos soberanos mais bem sucedidos do mundo, ela teve um começo humilde. A Temasek foi criada por Cingapura para administrar e desinvestir o patrimônio da cidade-estado em suas próprias empresas estatais. Hoje, permanecem apenas 11 empresas no portfólio da Temasek das 35 estatais originais. O resto foi liquidado, desinvestido ou consolidado. A Cingapura liberalizou sua economia, expondo as empresas da Temasek à concorrência estrangeira em setores-chave e deixando o mercado ditar seus destinos, mesmo que o resultado pudesse ser o fracasso.

Numa apresentação ao Banco Mundial em 2014, John Lim, do ramo de Cingapura, delineou três fatores críticos para o sucesso da estratégia da Temasek: a separação do papel do governo como proprietário e regulador, a adesão aos mais altos padrões de governança corporativa e o foco em valores de longo prazo e de sustentabilidade.

Embora a China se comprometa com esses princípios em teoria, na prática ela nunca poderia alcançar reformas como a da Temasek sem mudanças fundamentais no seu paradigma político e econômico. Um obstáculo importante é a política econômica autocontraditória da China, que toma para si a capacidade de gerenciar ativos de empresas estatais numa base comercial.

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Dez anos depois de estabelecer a Comissão de Supervisão e Administração dos Ativos Estatais para reformar o setor das empresas estatais da China, apenas pouco mais da metade das empresas estatais foi corporativizada. E das empresas que foram diversificadas, o Estado chinês ainda detém a maioria das ações direta ou indiretamente por meio de seus bancos ou administradores de ativos.

Claro, esses são apenas sintomas do modelo insustentável da China. Muitas empresas estatais chinesas não são financeiramente viáveis, mas, temerosa da reação política e social, Pequim não está disposta a gerir essas empresas comercialmente, o que poderia exigir a demissão de trabalhadores e o fechamento ou a consolidação de indústrias em grande escala. Em vez disso, o presidente chinês Xi Jinping continua a demandar o controle absoluto do Estado em setores-chave como tecnologia e infraestrutura.

Além disso, o regime comunista chinês não está disposto a deixar que as forças de mercado ditem os preços de venda dos ativos e dívidas, por medo do impacto negativo sobre o sistema bancário do país e o dano à capacidade do país de sustentar seu crescimento econômico sustentado pela criação de dívida. A combinação dessas políticas torna totalmente desinteressante ou pouco atraente para investidores estrangeiros o investimento em empresas estatais de baixo desempenho.

Áreas de implantação do CR

Sem alterações significativas na política econômica, a China só tem ferramentas simbólicas para reformar seu setor de empresas estatais. O recém-anunciado fundo de CR de 30 bilhões de dólares ajudará, mas é o equivalente a ter de cortar um hectare de grama com apenas um par de tesouras de jardim.

Não é surpresa que o novo fundo de CR não seja baseado na capital política de Pequim mas na cidade sulina de Shenzhen, um grande centro regional de startups e a cidade chinesa sinônimo de inovação. A Shenzhen Investment Holdings, uma agência estatal local, está contribuindo inicialmente com 16 bilhões de yuanes para capitalizar o fundo.

O fundo provavelmente investirá em setores como robótica, automação e gerenciamento de energia na esperança de que essas tecnologias, juntamente com uma planejada poda da força de trabalho e consolidação, façam as empresas estatais mais competitivas a nível mundial ao longo do tempo. Em teoria, um fundo dessa natureza deveria ser mais eficaz na promoção do crescimento do que no aumento do estímulo por meio do Banco Popular da China ou na diminuição das reservas bancária exigidas.

Mas qualquer sinal de sucesso levará algum tempo.

Devido à recente saturação do mercado de CR e à valorização elevada de startups existentes, startups dignas são mais difíceis de encontrar e a implantação de capital tem desacelerado. De acordo com a consultoria Qing Dynasty PE Research Center, no primeiro trimestre de 2016, 413 acordos de negócios no valor de 18,4 bilhões de yuanes (2,7 bilhões de dólares) foram anunciados, ou 38% menos do que no mesmo período do ano passado.