Na China, comprar medicação contra a gripe pode ser fatal.
Zhang Pu, um trabalhador na cidade de Zhongshan, província de Guangdong, estava se sentindo mal e com o nariz congestionado. Ele pediu à esposa que fosse a uma farmácia local buscar alguns medicamentos para aliviar seus sintomas. Sua esposa gastou um total de 15 yuanes (2,26 dólares) por seis pequenas cartelas de medicamentos contendo uma variedade de comprimidos para alívio da gripe e congestão nasal.
Poucas horas depois de consumir uma cartela de comprimidos, Zhang morreu devido a uma reação alérgica grave. Uma autópsia revelou que Zhang era alérgico a um dos comprimidos, o paracetamol, um medicamento comum para tratar dor e febre.
Descobriu-se que os funcionários da farmácia que venderam os medicamentos não eram licenciados, informou o People’s Court Daily. A viúva de Zheng posteriormente entrou com uma ação judicial contra a farmácia no 2º Tribunal Popular em Zhongshan e recebeu uma compensação de 485 mil yuanes (cerca de 73.120 dólares).
O tribunal decidiu que, embora o paracetamol que causou a morte de Zhang não fosse uma droga prescrita, os funcionários da farmácia de fato lhe venderam medicamentos prescritos: entre as drogas vendidas havia medicação anti-inflamatória e um anticonvulsivo comumente usado para tratar tosse grave e bronquite.
Na verdade, o caso de Zhang, que veio a público em setembro de 2016, é parte da negligência generalizada de funcionários chineses e profissionais de saúde. De acordo com uma investigação publicada pela mídia estatal chinesa Xinhua em 20 de novembro, há um esquema ilegal amplo na indústria farmacêutica que opera no país.
Isso teria começado com farmacêuticos licenciados e médicos que alugam suas licenças de prática para farmácias irregulares, uma vez que cada farmácia precisa ter um farmacêutico licenciado para administrar seus negócios legalmente na China. Muitas farmácias de fachada alugam as licenças de profissionais de saúde para outros estabelecimentos e repassam ao proprietário da licença uma taxa mensal.
De acordo com a investigação, a taxa mensal para alugar uma licença varia de 800 a 1.200 yuanes (cerca de 120 a 180 dólares). Algumas pessoas fazem o teste de licença de farmácia, não com a intenção de cursar farmácia, mas com o único propósito de ganhar dinheiro com o aluguel da licença.
Esses farmacêuticos e médicos não precisam se apresentar para o trabalho, aparecendo apenas quando as autoridades locais de saúde realizam inspeções de rotina.
Em duas farmácias na cidade de Nanchang, capital da província de Jiangxi, sem a presença de um farmacêutico licenciado, receitas foram preenchidas e clientes continuaram comprando e consumindo medicamentos prescritos.
A falta de farmacêuticos licenciados contribuiu para o oportunismo ilegal. De acordo com dados da Xinhua, que citaram estatísticas do Centro de Certificação de Farmacêuticos Licenciados do Centro de Controle de Doenças da China, o país tem um total de cerca de 450 mil farmácias, mas até 30 de setembro havia apenas 359.954 farmacêuticos licenciados.
Na província de Hubei, por exemplo, até 31 de outubro, havia cerca de 16 mil farmácias em toda a província, mas apenas 13.217 farmacêuticos licenciados, de acordo com o jornal estatal Guang Ming Daily, isso significa que há um déficit de aproximadamente 3 mil profissionais.
No Weibo, o equivalente chinês do Twitter, os internautas chineses não acharam as revelações muito surpreendentes. Um internauta da província de Guizhou compartilhou sua opinião sobre a dimensão do problema: “Dentre 100 farmácias na China, 90 delas não possuem um farmacêutico. Isso é muito comum. Se o nosso país levar isso a sério, não sei quantas farmácias teriam que fechar as portas.”
Outro internauta da província de Guangdong escreveu: “Isso é bastante normal. Eu não me graduei [na universidade ainda], mas a licença que obterei já foi alugada para uma empresa”, sugerindo que esse tipo de fraude também é praticada em outras indústrias chinesas.