Uma das primeiras obras literárias registradas da literatura chinesa é o “Clássico da Poesia”, uma coleção de letras e versos dos primórdios da Dinastia Zhou, há 3 mil anos. Compilados por Confúcio, ela é considerada uma das cinco grandes obras clássicas chinesas.
O primeiro poema, “Cantam as Águias Marinhas”, descreve o casamento do Rei Wen, o primeiro governante Zhou, com a rainha Tai Si. Flautas, tambores e sinos guiam o casal real em sua união, entendida como destinada por Shang Di, o imperador do céu.
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Confúcio admirava o início da Dinastia Zhou (1046 a.C.-770 a.C) por sua governança virtuosa e cultura reta, tudo isso expresso no zelo ritual ou manutenção da decência e da adequação, noções condensadas na palavra chinesa “li”. Para a China tradicional, que via a família como a unidade básica da sociedade, a prosperidade de uma casa real ou imperial repousa no matrimônio. Era dito que um semi-divino sábio governador da lendária China, Fu Xi, havia estabelecido a civilização através da criação de ritos matrimoniais.
Li, abarcando ritual, adequação e decência, é a terceira das cinco virtudes cardinais ensinadas por Confúcio. Este ideal é frequentemente visto em discussão em conjunto com a teoria musical chinesa, como registrado em textos de diálogos pelos discípulos do sábio.
As outras quatro virtudes cardinais são benevolência, retidão, sabedoria e fé. O que particulariza li em relação às outras é a ênfase que tem sobre a conduta humana, contrastando com o cultivo das virtudes mais internas ou abstratas.
O fundamento de li, como o fundamento da piedade filial, repousa na veneração do céu. Desde o início da Dinastia Zhou, 500 anos antes de Confúcio, os chineses cultuavam Shang Du, uma deidade celestial com o título de Senhor das Alturas e que muitos missionários cristãos na China traduziram simplesmente como Deus.
‘Guiando o Povo Através de Ritual e Música’
Uma antiga gravura mostrando um conjunto de instrumentalistas composto apenas por mulheres. (Domínio Público)
Tal como o teatro ocidental desenvolveu-se a partir de festivais na antiga Grécia em celebração aos deuses, a música e a etiqueta da China originaram-se nos ritos religiosos destinados a manter o vínculo entre os reinos humano e divino.
A música cumpria um papel central nos ritos religiosos da China pré-imperial, bem como na cultura popular. Enquanto hoje a linguagem chinesa vernacular moderna serve-se de li como um termo genérico para etiqueta e boas maneiras, a compreensão clássica abrangia todo o panteão espiritual, do qual a música era uma parte.
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Na Dinastia Zhou, os sistemas dos ritos e da música mantinham suas propriedades particulares, mas permaneciam ligados.
Na compilação de “Clássico da Poesia”, Confúcio pretendeu ensinar a seus contemporâneos a tradição e mentalidade do povo e dos governantes de Zhou através do resgate de suas letras e melodias. Entre a aristocracia Zhou, o cultivo pela maestria nas artes performativas era parte da vida na alta sociedade. Dos filhos da realeza e dos nobres era requerido o estudo de música e dança clássicas desde tenra idade.
Elites dirigentes, disse Confúcio, fariam bem em governar seu povo através de li, e então se mitigaria a necessidade de leis e fiscalização severas. Música, com sua profundidade e capacidade tácita em causar impressões, poderia ser utilizada para naturalmente inculcar e reforçar os ritos entre o povo.
A palavra “liyue”, significando ritos e música, é um termo comum encontrado nas obras de Confúcio, refletindo os papéis desempenhados por cada um em uma cultura equilibrada e harmoniosa.
Reflexões para Hoje
No “Clássico de Ritos e Música”, é dito que o povo, uma vez seduzido por riquezas e ganhos materiais, perderia sua natureza compassiva e abrigaria pensamentos de ganância, crueldade, fraude e assim por diante. Foi por essa razão que os antigos reis cultivaram a música e o ritual para regular o coração. “Através do ritual, a natureza humana é preservada, através da música, a harmonia é sustentada”.
Na China moderna, o estado de partido único promove a ideologia comunista. Apenas sob o Partido Comunista as três escolas espirituais do Budismo, Taoismo e Confucionismo foram perseguidas simultaneamente. Ainda hoje, em nome da “harmonia social” e da “manutenção da estabilidade” a repressão espiritual e cultural é perpetrada por uma vasta gama de agências e justificada por porta-vozes da propaganda do Partido Comunista.
O preço desta repressão é a falência ideológica – a identidade ateísta e materialista do Partido rompe com milhares de anos da herança tradicional chinesa. Pensando nos ritos e odes que Confúcio admirara, nós nos lembramos dos trabalhos de George Orwell, que descreveu a “vitalidade que o Partido não abarca e nem poderia matar”.
Como se pode ler no romance do escritor britânico, “1984”, “Os pássaros cantavam, os proletários cantavam, o Partido não cantava”.