Líder chinês sinaliza mudança de atitude sobre perseguição ao Falun Gong

18/05/2016 11:02 Atualizado: 18/05/2016 13:05

O Partido Comunista Chinês tem uma longa lista de dias “sensíveis”, com eventos que o regime considera politicamente problemáticos. Nesses dias sensíveis e nos dias que os precedem, o aparato de segurança do regime chinês fica em estado de alerta, e frequentemente realiza detenções e reprime pessoas que possam instigar mobilizações.

Duas datas sensíveis são 4 de junho e 25 de abril. A primeira é a data do massacre da Praça da Paz Celestial em Pequim, quando tanques esmagaram estudantes e ativistas pró-democracia em 1989. A segunda, em 1999, foi quando praticantes do Falun Gong fizeram um apelo pacífico à liderança do Partido Comunista. Mas este ano, o líder chinês Xi Jinping parece estar se desviando do script.

Através de uma série de gestos políticos incomuns, Xi Jinping parece insinuar estar se desvencilhando da política de seus predecessores referente à perseguição à disciplina espiritual do Falun Gong, um grande grupo que começou a ser amplamente perseguido em 1999, logo após cerca de 10 mil membros da prática realizarem um apelo pacífico em Zhongnanhai, sede do governo central chinês.

As ações recentes de Xi Jinping (que incluem tratar moderadamente peticionários, o expurgo de funcionários linha-dura da segurança pública, orientações para que as forças de segurança se conduzam com probidade, e medidas conciliatórias sobre religião na China), embora sutis, indicam, em parte devido à consistência e momentum em torno de datas tão sensíveis, uma mudança potencial na postura e ênfase da política padrão do Partido Comunista Chinês (PCC).

Pequim, 1999

Em 23 de abril de 1999, 45 praticantes do Falun Gong foram agredidos e presos pela polícia em Tianjin, uma cidade cerca de 145 quilômetros de Pequim, quando eles aderiram a um protesto pacífico na Universidade Normal de Tianjin. Os praticantes exigiam que o acadêmico He Zuoxiu retratasse um artigo difamando o Falun Gong, uma prática de auto-aperfeiçoamento que envolve exercícios de meditação e a vivência dos ensinamentos ligados aos princípios de verdade, compaixão e tolerância.

He Zuoxiu, um inimigo declarado do Falun Gong, é o cunhado de Luo Gan, o então chefe da segurança pública, que durante anos tentara encontrar argumentos para perseguir o Falun Gong. A prática vinha se espalhando livremente na China na década de 1990, a maior parte do tempo com o apoio tácito ou explícito de diversas autoridades estatais; inclusive vários membros do Partido Comunista eram praticantes, e estavam entusiasmados com o ressurgimento de antigas tradições na China moderna.

Entretanto, isto era visto por alguns comunistas linha-dura, principalmente Luo Gan, como uma ameaça à segurança política e ideológica do regime comunista chinês.

Após a notícia das prisões de 23 de abril se difundir, um grande número de praticantes decidiu fazer uma pelo às autoridades centrais em Pequim, o que é feito na Secretaria de Cartas e Petições, localizada ao lado do complexo da liderança do Partido Comunista em Zhongnanhai. Em 25 de abril, a polícia de Pequim bloqueou a rua da Secretaria, e redirecionou os praticantes que chegavam, mais de 10 mil, para rodearem Zhongnanhai, o complexo residencial e escritório oficial da liderança chinesa, e consequentemente um local sensível em Pequim.

No início da tarde, o premiê Zhu Rongji surgiu e concordou em falar com representantes do grupo e ao anoitecer o assunto parecia já estar resolvido.

No entanto, o então líder chinês, Jiang Zemin, ficou furioso e declarou a manifestação de apelo como “o incidente político mais grave desde 4 de junho.”

Numa carta enviada ao Politburo naquela noite, Jiang Zemin declarou: “Será que os membros do Partido Comunista, armado com o marxismo e sua crença no materialismo e ateísmo, não podem derrotar esse tal de Falun Gong? Se assim for, não seria isso a maior piada na história?”

Naquele verão, em 20 de julho, Jiang ordenou que as forças de segurança do regime e o aparato legal reprimissem o Falun Gong. “Destruam sua reputação, arruínem-os financeiramente, e quebrem-nos fisicamente”, foram suas ordens dadas às forças de segurança, segundo relatos de praticantes do Falun Gong que conversaram com agentes de segurança e autoridades.

De acordo com o website Minghui.org, que agrega informações sobre a perseguição, mais de 3.900 praticantes foram perseguidos até a morte, e centenas de milhares definham em prisões desde 20 de julho de 1999, o início formal da campanha anti-Falun Gong. Pesquisadores estimam que centenas dos milhares de praticantes tenha sido mortos e vítimas da extração forçada de seus órgãos, para abastecer a macabra indústria estatal de transplante de órgãos, como apontam pesquisas.

Desde 1999, em 25 de abril e 20 de julho forças de segurança em toda a China costumam invadir as casas de praticantes do Falun Gong e fazer detenções arbitrárias.

Petições e o sistema de segurança

É neste contexto que os gestos recentes de Xi Jinping parecem significativos, mesmo que sutis.

Petições, isto é, entregar queixas à alta hierarquia do governo, rapidamente tornou-se o principal meio dos praticantes do Falun Gong apelarem ao regime. Uma vez que ficou claro que este método seria recebido com violentas represálias, eles cessaram.

Peticionários chineses hoje constituem um grande quantidades de cidadãos marginalizados que são frequentemente tratados ilegalmente pelas forças de segurança do regime.

Em 21 de abril, Xi Jinping disse que é do interesse do regime chinês “resolver amistosamente os apelos do povo que sejam legais e razoáveis”, segundo um comunicado divulgado pela mídia estatal Xinhua. O premiê chinês Li Keqiang acrescentou que o regime deveria “se esforçar para dissipar conflitos e proteger os direitos legais” dos peticionários.

Perto da data de 25 de abril, Xi Jinping voltou suas atenções para o aparato de segurança do regime.

Sob o ex-chefe da segurança Luo Gan, o Comitê de Assuntos Política-Legislativos (CAPL), um órgão pequeno mas poderoso do PCC que controla a polícia, as prisões e os tribunais, desempenhou um papel crucial na realização do chamado “cerco de Zhongnanhai” e na perseguição ao Falun Gong. A polícia de Pequim direcionou deliberadamente os praticantes do Falun Gong para as ruas em torno de Zhongnanhai. Usando esse evento como argumento, Jiang Zemin ordenou a criação da Agência 610, uma organização extralegal — similar a Gestapo nazista — criada especificamente para supervisionar a perseguição ao Falun Gong, e estabelecida sob a alçada do CAPL.

Na véspera deste último 25 de abril, quatro altos oficiais das forças de segurança foram expurgados, incluindo Zhang Yue, o secretário provincial do PCC e chefe do CAPL em Hebei. Zhang é considerado responsável pela tortura de Liu Yongwang, um praticante do Falun Gong, que foi amarrado a uma tábua, espancado com cintos de couro e eletrocutado com bastões elétricos.

No dia seguinte, Meng Jianzhu, o chefe nacional do CAPL, disse ao chefe da segurança pública, o chefe do judiciário, o procurador-geral e outros oficiais da segurança reunidos numa reunião de nível nacional, que Xi Jinping estava mais uma vez exigindo que o aparato de segurança se mostrasse profissional e disciplinado, um nítido contraste com a corrupção dos rivais políticos de Xi Jinping.

Religião

O que talvez seja o gesto mais visível de Xi é ele presidir uma conferência sobre religião em 22 e 23 de abril, a primeira reunião de alto nível sobre o tema em 15 anos e coincidindo com a data das primeiras detenções em larga escala de praticantes do Falun Gong.

Os líderes do PCC tipicamente assumem o leme de reuniões de trabalho para definir ou alterar a orientação política. Orientações importantes são frequentemente insinuadas entre pomposas formalidades e denso jargão político, mas elas podem ser deduzidas com análise atenta e identificando-se o tom utilizado.

Presidindo a conferência sobre religião em 2001, Jiang Zemin deixou claro que o regime deveria controlar completamente os grupos religiosos, que representam uma ameaça existencial à “estabilidade” do regime comunista. Jiang acrescentou que “religiões desviadas” deveriam ser suprimidas, uma conclusão lógica de seus esforços no início do ano para unir as cinco religiões reconhecidas na China contra o Falun Gong e a encenação de uma autoimolação na Praça da Paz Celestial para difamar a disciplina espiritual.

Na recente reunião sobre assuntos religiosos, Xi Jinping disse que os ensinamentos religiosos pode “enriquecer” e devem ser “harmonizados” com a cultura chinesa. Ele acrescentou que o Partido deve proativamente “guiar” os grupos religiosos, e que o governo dos trabalhos religiosos deve ser realizado em conformidade com a lei. Qualquer menção a “religiões do mal” esteve ausente do discurso de Xi e o tom geral adotado pareceu muito mais conciliatório em relação à postura combativa de Jiang.

Nada novo foi visto em muitos dos comentários de Xi na conferência. Mas o comentário sobre “guardar-se resolutamente contra infiltrações estrangeiras por meio de meios religiosos”, por exemplo, foi destacado como outro exemplo de sua postura linha-dura. Partes como esta, no entanto, constituem o clichê padrão da retórica do PCC. Mesmo nos limites da ideologia oficial ateia do regime comunista, algum grau de tolerância é possível.

O artigo a respeito da reunião sobre religião de Xi Jinping ocupou três quartos da primeira página do jornal estatal Diário do Povo, ao contrário de apenas um terço página na ocasião de Jiang em 2001, uma indicação de que Xi espera que suas observações sejam levadas a sério.

As manchetes do Diário do Povo e da Xinhua diziam: “Melhorem amplamente o padrão dos trabalhos religiosos sob novas condições”.

Uma sugestão de mudança?

Desde que chegou ao poder em 2012, uma série de ações tomadas por Xi Jinping tiveram como efeito, intencionalmente ou não, aliviar o peso da perseguição sofrida pelos praticantes do Falun Gong.

Sendo o maior grupo de prisioneiros da consciência na China, e o único grupo que é alvo de uma poderosa agência secreta encarregada especificamente de sua eliminação — a Agência 610 —, há muitos anos os praticantes do Falun Gong constituem a maioria dos prisioneiros nos campos de trabalhos forçados e outros locais de detenção. Eles também constituem a grande maioria dos casos de tortura e brutalidade perpetrados pelo regime, segundo o Relator Especial da ONU sobre Tortura.

Mas em dezembro de 2013, o sistema de campos de trabalhos forçados foi formalmente abolido. Em seu lugar, emergiram estabelecimentos ainda menos regulamentados, os “centros de educação legal” (popularmente conhecidos como centros de lavagem cerebral). No entanto, um dos principais instrumentos de repressão ao Falun Gong foi removido.

Xi também promoveu reformas legais que tornaram os tribunais chineses mais responsáveis pelo processamento de casos do Falun Gong e outros, e em algumas partes da China praticantes têm sido capazes de apresentar queixas criminais contra Jiang Zemin sem encontrar violência sistemática e direta. Embora muitos querelantes tenham sido detidos e maltratados, outros não foram alvos de qualquer represália. De maneira geral, isso constitui um grande contraste com as mortes brutais por tortura que ocorreram àqueles que tentaram processar Jiang por mais de uma década.

A campanha anticorrupção de Xi Jinping também tem visto a desgraça e prisão inúmeros funcionários de alto escalão do Partido Comunista que construíram suas carreiras perseguindo o Falun Gong. Mesmo quadros da elite considerados intocáveis, como Zhou Yongkang, o chefe da segurança pública; Li Dongsheng, o chefe da Agência 610; e Bo Xilai, o ambicioso líder de Chongqing, todos estes envolvidos na perseguição ao Falun Gong, foram eliminados.

A perseguição ao Falun Gong tem afetado severamente a imagem do Partido Comunista, os recursos gastos nesse processo são monumentais. Sem falar nos dezenas de milhões de cidadãos chineses marginalizados que se recusam a abandonar sua fé e que insistem que a justiça seja feita, hoje eles constituem um núcleo social determinado a influenciar as decisões da liderança e o destino da nação e do povo chinês. Há também um grande grupo de chineses educados vivendo no estrangeiro e que praticam o Falun Gong trabalhando de forma consistente para lançar luz sobre a perseguição; eles impactam diretamente os funcionários do regime chinês que participaram na perseguição através do envio de cartas, faxes, e-mails e chamadas telefônicas.

Embora Xi Jinping não tenha feito qualquer declaração pública sobre o Falun Gong, é impossível de ignorar que o Falun Gong é um fator em muitas de suas manobras políticas desde que ele chegou ao poder. Os gestos mais recentes em torno do 25 de abril dão a maior margem até o momento para a interpretação de que Xi Jinping está sinalizando algo. O que precisamente isso significa, no entanto, e até onde ele irá, ainda não está totalmente claro.