Huawei e a criação do Estado orwelliano de vigilância na China

A empresa de telecomunicações desempenha papel fundamental no estabelecimento de um totalitarismo de alta tecnologia em todas as cidades e províncias chinesas

28/12/2018 17:03 Atualizado: 29/12/2018 23:06

Por Epoch Times

Em 1949, ano em que a China caiu nas garras do comunismo, George Orwell publicou “1984”, um romance ambientado em um Estado policial totalitário liderado pelo Grande Irmão e vigiado pela onipresente Polícia do Pensamento.

Quase 70 anos depois, o atual Partido Comunista Chinês (PCC) transformou grande parte do pesadelo distópico de Orwell em realidade. Baseado em empresas de tecnologia para vigiar o povo chinês, o PCC criou uma Polícia do Pensamento na vida real na forma de um plano de digitalização urbana conhecida como “China Skynet” ou “Cidade Segura”.

Huawei — a emblemática empresa chinesa de telecomunicações que recentemente esteve no noticiário devido à prisão no Canadá de sua diretora financeira, Meng Wanzhou — desempenhou um papel importante na Skynet e em outros projetos orwellianos idealizados pelo Partido Comunista para vigiar mais de 1,4 bilhão de chineses, suprimir os opositores políticos e perseguir as minorias.

“Cidade Segura”, onde a liberdade pessoal não está segura

O programa Cidade Segura, administrado pelo Ministério de Segurança Pública da China, envolve um grande volume de vigilância de informações e comunicações, também conhecido como Projeto Skynet. Isso faz parte da “manutenção da estabilidade” proposta pelo regime chinês, que é um eufemismo usado para se referir à vigilância e à repressão do povo.

Em setembro de 2017, “Gloriosa China” — um programa estatal transmitido pela Televisão Central Chinesa (CCTV) — descreveu como o PCC construiu a maior rede de vigilância do mundo, com mais de 20 milhões de câmeras em um sistema com inteligência artificial ( IA) interconectado e Big Data. Este ano, mais de 170 milhões de câmeras foram instaladas como parte do programa Cidade Segura, e outras 400 milhões de câmeras serão instaladas nas cidades e zonas rurais da China nos próximos três anos.

A tecnologia de reconhecimento facial que forma a espinha dorsal da Skynet foi desenvolvida pela Huawei em estreita colaboração com empresas menores, como Yitu, SenseTime e Megvii.

Em novembro de 2017, o repórter da BBC John Sudworth sentiu na pele a eficiência do Projeto Skynet em Guiyang, no sul da China. Ele foi pego pela polícia local apenas sete minutos depois de tirar uma foto pelo telefone celular.

Um mês antes, a Huawei e a SenseTime lançaram em conjunto uma solução integrada para software de reconhecimento facial de alta capacidade. Qiu Long, então vice-diretor da linha de produtos de tecnologia da informação (TI) da Huawei, disse que “Cidade Segura é o principal objetivo da empresa Huawei” e que “os avançados algoritmos e aplicativos da SenseTime no domínio da inteligência artificial fortaleceram as soluções de análise de vídeo da Huawei”.

Embora seja promovido como um meio de combater o crime, o sistema Skynet é geralmente interpretado como uma ferramenta para espionar cidadãos chineses comuns, a fim de mantê-los sob controle.

Os críticos apontaram para um caso de infanticídio em 2013 que a preponderância do regime em termos de câmeras de segurança e rede de monitoramento assistida por Inteligência Artificial não puderam resolver. Após protestos do público, a mídia estatal mudou a definição da Skynet, substituindo a meta de “combater o crime” com simplesmente “manter a estabilidade social”.

Huawei e o Estado de vigilância do regime chinês

Huawei tem um papel central no programa Cidade Segura do PCC e está profundamente envolvida tanto no Projeto Skynet quanto no “Blue Sky”, outro programa de vigilância usado pelo regime comunista.

A rápida melhoria da tecnologia de vigilância desempenhou um papel proeminente no monitoramento e supressão dos direitos humanos pelo Partido, desde a perseguição de praticantes da disciplina espiritual do Falun Dafa até a minoria muçulmana uigur que vive na província de Xinjiang, no noroeste da China.

De acordo com documentos da Comissão de Assuntos Políticos e Jurídicos (CAPL) do PCC, a principal tarefa do Projeto Skynet é ajudar a reprimir o Falun Dafa.

Enquanto isso, o Livro Branco da Cidade Inteligente 2014 da Huawei diz que Cidade Segura foi desenvolvido a partir do Projeto Escudo Dourado, um sistema de censura e rastreamento da Internet lançado pela primeira vez em 1998.

Falun Dafa, uma disciplina de meditação tradicional chinesa, provocou a ira do Partido no final dos anos 90, quando o número de pessoas que o praticavam chegou a dezenas de milhões. Por ordem do então líder do PCC, Jiang Zemin, o Falun Dafa tornou-se alvo de uma abrangente campanha de perseguição que continua até hoje.

O projeto Escudo Dourado foi liderado pelo filho mais velho de Jiang Zemin, Jiang Mianheng, que também é uma figura poderosa no setor de telecomunicações na China. Com um envolvimento próximo da Huawei, o Projeto Escudo Dourado foi construído em duas fases, a primeira de 1999 a 2002 e a segunda de 2002 a 2004. Em setembro de 2002, Li Runsen, diretor do Escritório de Projetos Escudo Dourado, reconheceu o papel da Huawei na elaboração do projeto durante uma visita ao Instituto Huawei.

Durante a elaboração do Escudo Dourado, muitos produtos Huawei foram adotados para uso prático por todo o regime chinês. Por exemplo, em dezembro de 2000, o Refiner A8010 da Huawei foi adotado para uso no servidor de administração pública eletrônica.

Após a conclusão do projeto Escudo Dourado em 2005, tanto a CAPL quanto a Comissão de Gestão Integral das autoridades de segurança pública (polícia chinesa) propuseram a ampliação dos planos de vigilância. Isso levou ao lançamento das iniciativas China Skynet e Cidade Segura. A partir desse ano, programas Cidade Segura começaram a ser adotados em 31 províncias, regiões autônomas e municípios da China.

De acordo com o Livro Branco da Huawei de 2014, a empresa se gabou de seu papel na vigilância instituída pelo Partido, apontando que era a fornecedora número um de serviços e equipamentos de rede na China e, como tal, estava bem posicionada para oferecer soluções integradas para o programa Cidade Segura. O Livro Branco lista exemplos da participação da Huawei em projetos da Cidade Segura em cidades como Hefei, Tianjin e Changsha.

Huawei usa seu domínio no mercado de IoT (Internet das Coisas) para facilitar uma maior penetração da vigilância do regime na vida cotidiana, usando computação em nuvem e comando e controle integrados para o gerenciamento de conteúdo de vídeo (VCM, na sigla em inglês).

O episódio em que o repórter da BBC em Guiyang foi rastreado pelo programa da Skynet naquela cidade foi impulsionado pela tecnologia OceanStor, que por sua vez foi fornecida pela Huawei.

No distrito de Longgang, Shenzhen, no sul da China, o departamento de segurança pública local estabeleceu um Centro de Dados na Nuvem. A plataforma Big Data da Huawei oferece armazenamento e análise diários em tempo real de centenas de milhões de dados e mais de 4 TB de imagens de placas de carros, rostos e outros tipos de informações.

Enquanto a Skynet cobre principalmente áreas urbanas chinesas, o campo é vigiado por um projeto irmão chamado Blue Sky.

Como extensão da Skynet, o Blue Sky foi desenvolvido em nome de um “campo seguro e protegido”, com vigilância por vídeo em tempo real de todas as pessoas que têm televisão ou telefone celular.

Em 2016, versões piloto do Blue Sky foram lançadas nas províncias de Shandong e Sichuan, com uma população total de quase 200 milhões de pessoas. No ano seguinte, esses projetos atingiram 29 províncias e cidades.

Em uma reunião de trabalho de construção realizada em junho, Chen Yixin, secretário da central CAPL, disse que o projeto Blue Sky atingiria sua meta de “cobertura global, distribuição em toda a rede, disponibilidade em tempo integral e controle total” até 2020.

Em 2016, a Huawei forneceu a tecnologia VCM para a construção da primeira cidade de demonstração do Blue Sky em Wuxi, no leste da China.

Huawei e a transformação de Xinjiang

A mão de ferro do PCC em Xinjiang se intensificou nos últimos anos. A prisão indiscriminada de mais de um milhão de muçulmanos uigures e a profusão de câmeras de vigilância, além de uma presença policial militarizada, tornaram a região autônoma um autêntico campo de concentração.

Tal como acontece com a vigilância no resto do país, a Huawei contribuiu significativamente para a criação de condições ainda mais duras em Xinjiang. Em agosto de 2016, a Huawei informou sobre sua cooperação estratégica com as autoridades provinciais do regime. Seu sistema de computação em nuvem tem sido usado pela polícia na cidade de Karamay desde 2011.

No relatório sobre a Infraestrutura Nacional de Informação da China de 2014, foi notado que o roteador ATN950A da Huawei foi escolhido pela Telecom de Xinjiang para facilitar o sistema de vigilância local da Cidade Segura. A série ATN950A foi implementada com sucesso para construir a rede de vigilância que abrange as principais estradas e áreas comerciais e residenciais.

Em maio deste ano, o Departamento de Segurança Pública de Xinjiang e Huawei assinou um acordo de cooperação estratégica para uma “pacífica e inteligente Xinjiang”. Fan Lixin, vice-diretor do departamento, disse que a Huawei forneceu suporte técnico confiável para as autoridades da região autônoma.