Funcionário sênior do Google renuncia diante de planos da China de censurar a ferramenta de pesquisa

Regime comunista chinês administra o mais sofisticado sistema de censura da Internet e exige que empresas estrangeiras censurem tópicos que considerem “sensíveis”

17/09/2018 02:19 Atualizado: 17/09/2018 02:19

Por Colin Fredericson

Um pesquisador sênior do Google deixou a empresa depois que a notícia da criação de um aplicativo de busca sob a censura do regime chinês, chamado Dragonfly, vazou na mídia.

Jack Poulson, que trabalhava para o departamento de pesquisa e inteligência de máquinas, encerrou seu trabalho em 31 de agosto, informou o The Intercept.

A notícia de 1º de agosto do The Intercept sobre os planos do Google de criar um mecanismo de pesquisa censurado na China causou um alvoroço na empresa. Fontes vazaram notícias do projeto, que só era conhecido por uma fração de funcionários.

Poulson levou a questão aos seus gerentes. Ele decidiu renunciar em meados de agosto, vendo que o Google continuaria com seus planos.

Ele não queria se envolver em uma empresa que censuraria informações a pedido de autoridades comunistas chinesas, simplesmente para reingressar no mercado chinês.

“Devido à minha convicção de que a dissensão é fundamental para o funcionamento das democracias, sou forçado a renunciar para evitar contribuir ou lucrar com a erosão da proteção dos dissidentes”, escreveu Poulson em sua carta de renúncia, obtida pelo The Intercept.

O regime comunista chinês administra o mais sofisticado sistema de censura da Internet e exige que empresas estrangeiras censurem tópicos que considerem “sensíveis”, como democracia, direitos humanos e perseguição de grupos como tibetanos, praticantes do Falun Gong, ativistas de direitos humanos e outros. As empresas também são forçadas a compartilhar seus dados armazenados na China com o regime.

“Devido à minha convicção de que a dissidência é fundamental para o funcionamento das democracias, sou forçado a me demitir, a fim de evitar contribuir ou lucrar com a erosão da proteção dos dissidentes”, escreveu Poulson em sua carta de renúncia.

Censura aceita

O Google publicou uma versão censurada de seu mecanismo de busca na China de 2006 a 2010, quando a empresa deixou o país. A razão declarada sobre a retirada da empresa foi um ataque cibernético originário da China que visava a obtenção de contas de e-mail do Google pertencentes à dezenas de ativistas chineses de direitos humanos.

O co-fundador do Google, Sergey Brin, que nasceu na Rússia soviética, disse em 2010 que viu “alguns sinais de totalitarismo” na China, o que foi “pessoalmente bastante perturbador” para ele, informou o The Wall Street Journal. O jornal citou “pessoas familiarizadas com as discussões” dizendo que o então presidente-executivo Eric Schmidt e outros decidiram permanecer na China.

Co-fundador do Google, Sergey Brin, em Seul, na Coréia do Sul, em 12 de março de 2016 (Jung Yeon-Je / AFP / Getty Images)
Co-fundador do Google, Sergey Brin, em Seul, na Coréia do Sul, em 12 de março de 2016 (Jung Yeon-Je / AFP / Getty Images)

A China é rotulada há décadas por órgãos vigilantes como sendo um dos piores violadores de direitos humanos. Entre outras atrocidades, o regime matou centenas de milhares de prisioneiros de consciência para vender seus órgãos para transplantes, com base em um extenso corpo de pesquisa produzido desde que as alegações do crime surgiram em 2006.

Poulson entrou para o Google em maio de 2016 e trabalhou em “análise de consulta internacional”, que visa melhorar a precisão dos sistemas de pesquisa do Google.

Ele disse que é a favor da decisão da retirada do Google da China e dos comentários de Brin sobre o apoio às liberdades individuais como uma declaração de princípios. Se o Google está traindo tais princípios, ele não quer “ser cúmplice como acionista e cidadão da empresa”, disse ele.

Embora o Google tenha sido aplaudido por defensores dos direitos humanos por sua ação em 2010, ele poderia ter se retirado por razões econômicas. A empresa se esforçou para fazer incursões no mercado chinês, onde o regime apóia as empresas locais através de melhores conexões em detrimento dos concorrentes.

Poulson alertou que, se o Google optar por ceder à sensura dos chineses novamente, ele poderá encorajar outros regimes a o pressionarem também.

“Eu vejo nossa intenção de capitular às demandas de censura e vigilância em troca de acesso ao mercado chinês como uma perda de nossos valores e posição de negociação governamental em todo o mundo”, escreveu Poulson. “Existe uma possibilidade muito real de que outras nações tentem alavancar nossas ações na China a fim de exigir o cumprimento de suas exigências de segurança”.

Resposta do Google


Google teria supostamente tentado manter seus planos em segredo na China, para apenas algumas centenas de seus 88.000 funcionários. Uma vez que a informação vazou, mais de 1.400 funcionários assinaram uma carta exigindo uma investigação de “questões morais e éticas urgentes” levantadas pelo projeto. Ainda assim, o Google se recusou a confirmar o projeto Dragonfly, apesar de vários artigos veiculados na mídia confirmando sua existência por meio de fontes não identificadas.

Dezesseis membros do Congresso, incluindo democratas e republicanos, disseram em uma carta ao Google que têm “sérias preocupações” sobre o projeto. A carta pergunta ao Google se a empresa tomaria medidas “para garantir que cidadãos chineses ou estrangeiros residentes na China, incluindo americanos, não sejam vigiados nem segmentados por meio de aplicativos do Google”. A empresa ainda não respondeu.

Poulson disse que quatro outros funcionários também desistiram da Dragonfly.

“É incrível como há pouca solidariedade com relação à isso”, disse ele. “No meu entendimento, quando você tem um desacordo ético sério com um problema, seu curso de ação apropriado é renunciar.”

A Reuters contribuiu para este relatório.