Para a maioria das pessoas, DES soa como o nome de uma doença estranha. No entanto, isso poderia resultar na próxima moeda de reserva do mundo, pelo menos se a China e do Fundo Monetário Internacional (FMI) tiverem suas intenções concretizadas.
Os chamados Direitos Especiais de Saque (DES) são uma construção do FMI composta de moedas reais, que atualmente inclui o euro, iene, dólar e a libra esterlina. Isso foi notícia no ano passado, quando a moeda chinesa, chamada renminbi ou yuan, também foi admitida como moeda de reserva, embora o yuan não será formalmente parte do grupo até 1º de outubro.
Membros do FMI detêm essas divisas e podem trocá-las entre si por moedas reais, o que países endividados como a Grécia e o Sudão fazem com frequência. Um cidadão comum ou uma empresa em geral não podem possuir esse instrumento no momento, muito menos gastá-lo.
Mas isso é precisamente o que a elite monetária global quer no futuro não muito distante, e a China será usada como cobaia para isso. Antes da reunião dos líderes dos bancos centrais e dos ministros das finanças do G20 em Chengdu, China, em 23 e 24 de julho, alguns acadêmicos começaram a promover a ideia de ampliar o uso dos DES (atualmente no valor de 1,39 dólares).
“Estabelecer os DES como a principal moeda de reserva global teria benefícios de longo alcance”, escreveu José Antonio Ocampo, professor da Universidade de Columbia, num comentário no Project Syndicate em 8 de julho.
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“Além da pressão para usar os DSE mais ativamente nos programas do FMI, os governos poderiam emitir títulos sob a denominação DES. Além disso, os bancos privados poderiam aumentar o uso desta unidade monetária, assim como alguns bancos europeus utilizaram a chamada Unidade Monetária Europeia, ajudando a pavimentar o caminho para o euro.”
FMI apoia a ideia
Nesse sentido, o próprio FMI publicou um documento sobre “se um papel mais amplo para os DES pode contribuir para o bom funcionamento [do sistema monetário internacional]”, e até mesmo lançou um vídeo em 8 de julho para explicar a natureza complicada do instrumento (ver acima).
Isso ecoa a ideia de Ocampo sobre empresas privadas emitirem títulos e bancos fazerem empréstimos em DES, ou uma versão especial disso chamada M-DES, presumivelmente com o significado de “instrumentos baseados no mercado”, como títulos.
O FMI experimentou com estes M-DES na década de 1970 e 1980, quando os bancos tinham 5-7 bilhões de DES em depósitos e as empresas tinham emitido 563 milhões de DES em títulos. Uma quantidade insignificante, mas o conceito funcionou na prática.
“M-DES surgiram na década de 1970 e início de 1980, antes de esse mercado desaparecer, mas tem havido um interesse renovado recentemente”, escreveu o FMI, embora não esteja claro se existe realmente interesse fora da imaginação do FMI e de algumas entidades controladas por governos, como organizações de desenvolvimento supranacionais.
Assim, em 25 de julho, logo após a reunião do G20, Zhu Juan, o vice-diretor do Departamento Internacional do Banco Popular da China (PBC), imediatamente rebateu a preocupação sobre a falta de demanda do mercado. Ele disse que uma organização de desenvolvimento internacional como a Banco de Infraestrutura e Investimento da Ásia (AIIB) poderia emitir títulos de DES na China a partir de agosto, segundo o jornal chinês Caixin.
Ecoando tanto Ocampo e o FMI, Zhu Juan disse que “títulos denominados em DES devem ser atraentes para os investidores oficiais em sua fase preliminar, porque eles podem fornecer produtos de investimento diversificados e reduzir os ricos das taxas de câmbio e de juros.”
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A China pediu abertamente que os DES substituíssem o dólar americano como moeda de reserva mundial. “A China tem pressionando por algum tempo para que os DES se tornem mais amplamente utilizado, como uma forma de desafiar o domínio do dólar mas sem forçar o yuan como um concorrente direto”, disse Julian Evans-Pritchard, um economista da Capital Economics, à Reuters.
O FMI fez uma análise e concluiu que os instrumentos financeiros denominados em DES teriam menor volatilidade e risco comparados à detenção de ativos em moedas individuais, bem como a redução de custos. “M-DES poderiam, portanto, ser atraentes para investidores e emissores, oferecendo uma opção de diversificação pré-agrupada”, escreveu o FMI.
Uma solução para as saídas de capital da China?
David Marsh, um especialista em China e cofundador do Official Monetary and Financial Institutions Forum (OMFIF), escreveu no Marketwatch em abril sobre outro benefício do lançamento dos M-DES na China, embora ele tenha abordado uma ampla gama de aplicações em vez de apenas a emissão pela instituição de desenvolvimento.
“A iniciativa de Pequim sobre o mercado de capitais de DES permitirá que investidores chineses no mercado interno possam participar nas emissões de títulos domésticos com um componente significativo de moeda estrangeira, um meio de ajudar a amenizar as saídas de capital que ganharam destaque nos últimos 18 meses, como resultado da progressiva liberalização de capitais.”
Em outras palavras, se os investidores chineses puderem comprar títulos ou outros instrumentos de dívida em DES na China, eles poderiam contornar os controles de capital e manter uma carteira diversificada de euros, dólares, ienes e libras com uma pequena quantidade combinada de renminbi. E assim eles não teriam de inventar formas de contrabandear ouro para Hong Kong ou comprar clubes de futebol italianos.
Apenas em 2015, a China perdeu 676 bilhões de dólares em capital e suas reservas de câmbio estão se aproximando do nível crítico de 2,7 trilhões de dólares (atualmente em 3,2 trilhões de dólares), o mínimo que o FMI acredita ser necessário para a China girar sua economia.
Portanto, é seguro dizer que o FMI tinha a mesma questão em mente quando publicou seu papel, cujos autores não são conhecidos. Em meados de julho, o FMI declarou: “Na China, pode haver demanda inexplorada entre os investidores domésticos para exposição a moedas de reserva à medida que controles de capital são gradualmente incrementados. A partir desta perspectiva, M-DES emitidos no mercado nacional poderiam potencialmente reduzir a demanda por moeda estrangeira e retardar as saídas de capital, permitindo que os participantes do mercado doméstico diversificassem seu risco cambial.”
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É claro, a China, o FMI e os acadêmicos globais encontrarão uma série de problemas para implementar seu plano, incluindo a inexistência de mecanismo de compensação de mercado e problemas de liquidez, ou simplesmente uma falta de demanda para um produto supérfluo que ninguém conhece ou entende.
Instituições desde bancos centrais até fundos soberanos já administram seus próprios e diversificados portfolios de câmbio e não precisam do FMI para lhes dizer como julgar ou equilibrar suas necessidades.
Não há demanda para o produto porque ele já existe há mais de 40 anos e este não foi adotado por agentes privados. As únicas pessoas que estão promovendo isso são funcionários governamentais e acadêmicos, e os únicos veículos para adoção inicial deste mecanismo são os bancos estatais chineses ou as instituições internacionais controladas pelo Estado que não podem tomar decisões por conta própria.
Mas problemas práticos como estes nunca dissuadiram o FMI ou a China e veremos mais sobre a viabilidade desse plano ao longo do ano.
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