Há dezoito anos, no dia 25 de abril, juntamente com mais de 10 mil praticantes do Falun Gong, eu estive de pé e em silêncio na Rua Fuyou, do lado de fora do complexo central da liderança do regime chinês em Pequim, conhecido como Zhongnanhai, onde está localizada a Secretaria de Apelações do Conselho de Estado. O regime estabeleceu onde as pessoas poderiam fazer suas queixar sobre a má conduta de seus funcionários e oficiais.
Era um dia de primavera quente e ensolarado e a temperatura estava agradável, não muito quente nem fria. Embora muitas pessoas estivessem lá, não parecia assim. Todos estavam em silêncio. Na maior parte do tempo, eu estava lendo meu “Zhuan Falun“, um livro que sempre carrego comigo e que expõe os ensinamentos fundamentais do Falun Gong, baseados nos princípios da verdade, compaixão e tolerância.
Eu me sentia muito calma. Eu nunca poderia imaginar o que aquele dia e esse apelo pacífico significariam para a China e para o mundo nos próximos anos. Na noite de 25 de abril, Jiang Zemin, o então chefe do Partido Comunista Chinês, enviou uma carta aos altos membros da liderança do regime, alertando que o apelo dos praticantes era um “novo sinal” de um movimento que ameaçava o Partido Comunista. Em julho, ele ordenaria uma campanha para erradicar a prática do Falun Gong.
No dia anterior, eu ouvi de um colega praticante do Falun Gong que He Zuoxiu, um propagandista do regime chinês que cobria cultura e ciência, tinha publicado pouco antes um artigo caluniando o Falun Gong. Muitos praticantes do Falun Gong na cidade de Tianjin protestaram contra esse artigo. Eles queriam que o público soubesse que o texto estava cheio de mentiras e pediram que ele fosse retraído. Por fim, eles acabaram sendo espancados e presos.
A polícia e as autoridades de Tianjin disseram aos praticantes que este caso só poderia ser resolvido apelando-se ao governo central. Portanto, muitos praticantes decidiram ir à Secretaria de Apelações em Pequim para expressar suas preocupações.
Depois de ler o artigo de He Zuoxiu, eu também decidi ir.
Naquela época, eu estava praticando Falun Gong há quase dois anos e tinha recuperado a minha saúde e descoberto o verdadeiro significado da minha vida. Eu acreditava firmemente que esta prática só poderia ser benéfica a todos e a cada sociedade. Entretanto, os ataques injustos e viciosos de He Zuoxiu contra o Falun Gong poderiam minar a oportunidade das pessoas de se beneficiarem dele. Portanto, eu assumi isso como minha responsabilidade e fiz o que pude para parar esses ataques.
Para mim, o processo de tomada de decisão foi simples assim. No entanto, na manhã de 25 de abril, enquanto eu observava tantos praticantes andando tranquilamente pela rua diante de mim, eu não pude deixar de derramar lágrimas. Eu não entendia por que eu estava chorando. Eu só vagamente senti que eu estava profundamente comovida e muito orgulhosa.
Talvez em algum nível mais profundo eu tenha tido uma premonição sobre exatamente o que esses praticantes do Falun Gong estavam destinados a enfrentar e sobre a coragem estupenda e as ações magníficas que eles exibiriam nos anos vindouros.
Mais tarde, eu soube que muitas pessoas haviam deixado notas antes de sair de casa pela manhã, no caso de algo acontecer com elas. Por trás da calma e da quietude daquele dia estava a coragem de deixar de lado o apego à vida e à morte.
O que falta à sociedade chinesa hoje? Não é exatamente o tipo de pessoas que têm a coragem moral de defender a justiça e se sacrificar pelos outros sem hesitação ou cálculo?
Alguns chineses alegaram que esses praticantes estavam envolvidos em política; alguns disseram que eles eram estúpidos; alguns também acreditavam que não havia chance de desafiar as pessoas no poder.
Assim se passaram dezoito anos, entre mal-entendidos e dúvidas. No entanto, após 18 anos, quando olhamos para trás naquele dia, vemos mais claramente o significado dele.
Aquelas eram pessoas que pareciam comuns e simples, mas tinham na verdade adquirido grande sabedoria e coragem. Eles tinham encontrado o sentido da vida e, sem hesitação ou sem um único olhar para trás, silenciosa e calmamente escolheram assumir as graves responsabilidades de defender a justiça e a verdade.
Por isso, muitos deles perderam suas vidas, casas ou famílias; muitos foram presos e torturados; ainda outros tantos foram assassinados para a extração forçada de seus órgãos ou foram obrigados a viver no exílio. Eles foram atormentados, difamados e ridicularizados.
A mesma coragem modesta e calma serena exibida por eles pela primeira vez ao mundo em 25 de abril, há dezoito anos, os acompanhou e permitiu que eles se elevassem acima da repressão mais cruel da história humana. Seu exemplo trouxe esperança e brilho a um mundo cheio de desespero e escuridão. Eles estão mudando a China e mudarão o mundo.
Jennifer Zeng é autora do livro “Testemunhando a História: a luta de uma chinesa pela liberdade e pelo Falun Gong“. Antes de ser perseguida na China por sua fé, ela foi pesquisadora e consultora no Centro de Pesquisa para o Desenvolvimento, um órgão do Conselho de Estado e do Gabinete de Estado da China. Sua história foi retratada no documentário premiado “China Livre: a coragem de acreditar“, coproduzido pela New Tang Dynasty Television e pela World2Be Productions. Zeng tem um blog e uma página no Facebook.