‘A Coroa’: a Miss Mundo que abalou o regime chinês

04/05/2017 06:30 Atualizado: 04/05/2017 10:52

Antes de Oprah Winfrey tornar-se famosa, ela foi Miss Prevenção de Incêndios 1971 e Miss Black Tennessee 1972. Você sabia disso?

Das vencedoras de concursos de beleza que mudaram o mundo, as únicas que ficaram famosas foram Hallie Berry, Diane Sawyer, Vanessa Williams e Oprah.

Ser uma miss é uma posição de evidência a partir da qual pode-se comunicar algo, mas a maioria não tem nada de substancial a dizer.

O documentário “A Coroa”, dirigido por Kacey Cox, fala sobre a vencedora de um concurso de beleza que, através de seu trabalho, está impactando positivamente a história da humanidade.

Anastasia Lin: Miss Mundo Canadá

Como conta Anastasia Lin, “No começo, existiam notícias muito boas na China sobre uma moça chino-canadense oriunda da província de Hunan que havia sido coroada Miss Mundo Canadá”.

O pai de Lin estava orgulhoso; publicou fotos na WebChat (similar chinês do Facebook) e falou efusivamente que sua filha estava buscando alcançar seus sonhos. Redes de TV e jornais queria entrevistá-la.

Lin achava que a possibilidade de ganhar era remota, porque competia contra uma série de beldades que eram experientes concorrentes. No entanto, a tiara brilhante desceu sobre ela.

No início, ela não tinha percebido a responsabilidade de ser rainha mas, prontamente, começou a sentir um peso enorme sobre seus ombros. Ela sabia que tinha uma mensagem que iria chocar o mundo, e era seu dever falar.

Mensagem bloqueada na China

Assim que Lin começou a expor as atrocidades cometidas pelo regime comunista chinês, o circo midiático parou. As notícias sobre ela na China desapareceram; seu nome foi mudado nas reportagens da mídia chinesa. Lin havia desferido um golpe fatal contra o Partido Comunista Chinês e o que antes era um sol brilhante, virou escuridão.

Onde na China o sol não brilha? Em muitos lugares. Basta assistir aos shows de Chris Chappell chamado “China Sem Censura” que mostram – de forma irreverente – os problemas da China que a grande mídia não divulga.

Em 2006, o mais hediondo dos segredos do regime comunista chinês foi revelado: a extração forçada de órgãos de pessoas vivas. Um mercado negro de milhões de prisioneiros de consciência sendo, em sua maioria, membros do Falun Gong.

O Falun Gong é um poderoso método de qigong. É uma prática milenar de cultivo do corpo e da mente, onde seus praticantes baseiam suas vidas nos princípios da verdade, compaixão e tolerância. A prática era muito popular na China no início dos anos 1990, alcançando 100 milhões de praticantes em 1999 (dados do regime chinês) incluindo políticos e militares do quadro do regime chinês.

Foi só depois que o Partido Comunista Chinês descobriu que havia um número muito maior de praticantes do Falun Gong do que havia no Partido (cerca de 60 milhões de membros, dados do regime chinês) que o regime chinês tornou a prática proibida e começou uma brutal perseguição contra seus praticantes.

“O que uma pessoa acredita é sua parte mais essencial, e se um governo tira seu direito de acreditar… considero como se fosse roubar sua humanidade”, disse Lin. Assim, a jovem Lin tomou o caminho da luta pacífica, combatendo o Partido Comunista Chinês (PCC) com fatos e informações que mostravam as falácias do regime. Ela focou em mostrar as características sanguinárias do PCC, começando pela bandeira do país onde a cor vermelha simboliza o sangue de milhões de vítimas do comunismo.

Como ela cumpriu sua missão

Criada na China, Lin começou sua missão muito jovem. Ela era uma garota popular, uma pequena força da natureza, uma “estudante modelo” que atendia à conformidade ideológica comunista. Ela frequentemente insistia aos seus colegas para que assistissem aos filmes de propaganda comunista sobre os chamados “inimigos do pátria.”

Foi só depois que se mudou para o Canadá que tornou-se capaz de sentir a profundidade da doutrinação que recebeu do Partido. Ela começou a fazer suas próprias investigações e descobriu verdades cada vez mais horríveis. As histórias das vítimas da perseguição do PCC a tocou profundamente.

Impedida de competir na China

Em 2015, o concurso de Miss Mundo seria realizado na China. Lin acreditava que a deixariam entrar no país, não importando o que ela tinha dito; caso contrário, seria uma enorme admissão de culpa. Ela estava errada.

Miss Mundo Anastasia Lin (Reprodução / A Coroa)
Miss Mundo Anastasia Lin (Reprodução / A Coroa)

Uma dia, ela recebeu uma suposta carta de seu pai pedindo para que ela parasse de falar com a imprensa, do contrário teriam que seguir por caminhos separados. Essa palavras não pareciam coisa dele. Na verdade, um agente de segurança chinês havia ameaçado seu pai. Foi assustador saber que o homem que sempre a tinha feito se sentir segura não estava a salvo.

Lin se sentiu sozinha e deprimida durante este tempo, mas sabia que se permanecesse em silêncio, em última análise, isso não ajudaria a ela nem a ele e nem a ninguém. Ele jurou então que nunca iria parar.

Ela entrou em contato com a mídia, contou sua história ao Washington Post e deu seu testemunho no Congresso dos Estado Unidos sobre a tortura e o assassinato de minorias religiosas e dissidentes praticados pelo regime chinês.

Sem visto

“Se você não obtém seu visto até a data do início da competição”, disse Lin, “você é automaticamente desclassificada.” Ela precisava de um convite do regime chinês. Havia uma possibilidade muito pequena.

Então, ela participou de programas de entrevista para chamar atenção sobre a opressão por parte das autoridades chinesas.

Em determinado ponto, o documentário mostra a sua visita à enorme estátua de Buda na ilha de Lantau em Hong Kong, e o momento em que fez a clássica saudação chinesa “Heshi” (que também é a saudação dos iogues indianos chamada “Namastê”).

Num trecho do filme, ela diz: “Meu objetivo não é promover uma certa crença, ou alguma ideologia, mas incentivar as pessoas a ter compaixão e bondade com os outros, independentemente de qualquer que seja a religião, ponto de vista ou conduta que você escolheu ter.”

No vídeo também podemos vê-la sentada na famosa posição de lótus, fazendo os mudras (gestos de mão), em preparação para a meditação do Falun Gong, o qual ela prática para manter sua mente clara e seu coração limpo.

Cumprindo sua verdadeira missão

“A perseguição não acabou. A pressão é a mesma, se não for maior, neste momento. É uma coisa difícil colocar sua família em perigo. Como posso manter meu pai em segurança sem trair minha consciência? A resposta está clara para mim. Mas emocionalmente ainda é muito difícil.”

De volta ao concurso Miss Mundo, Lin decidiu se levantar e ir para Sanya, onde seria realizada a competição. Ela precisava ir de avião até Hong Kong. Antes que conseguisse entrar no avião, alguém lhe entregou um telefone celular e um funcionário do governo lhe disse por telefone que ela não estava elegível para obter um visto. Ela havia sido declarada “persona non grata”, sem que lhe fosse dada qualquer razão.

Miss Mundo Anastasia Lin (Reprodução / A Coroa)
Miss Mundo Anastasia Lin (Reprodução / A Coroa)

“Eles estavam com medo de que eu voltasse com uma mensagem de esperança e que o povo chinês iria ouvi-la e talvez ganhassem a coragem de falar por si mesmos”, disse ela.

Então, Lin entrou em contato com a imprensa de Hong Kong e concedeu uma entrevista na qual falou um pouco mais. “Eu devo a todos aqueles que me apoiaram ao menos uma tentativa. Peço aos membros da imprensa que perguntem por que o regime chinês tem tanto medo de deixar entrar na China uma rainha da beleza.”

Depois de ficar detida em Hong Kong por oito dias, ela voltou ao Canadá, onde os fãs a saudaram com cartazes que diziam “beleza com um propósito.” A Espanha levou o título de Miss Mundo 2016. Como disse Lin, “eu senti essa enorme porta se fechando atrás de mim e outra porta na minha frente se abrindo”.

Ela agora fala corajosamente às pessoas no poder que elas podem contribuir para essa mudança. E ela sabe que seu pai, apesar de tudo o que aconteceu, está orgulhoso dela.

É possível que Lin jamais alcance a popularidade de Oprah ou Diane Sawyer, mas o estado pessoal e espiritual que ganhará por ser fiel à sua consciência, lutar contra o seu medo e defender uma causa que envolve os piores crimes contra a humanidade, sem dúvida, será profundo.

Anastasia Lin: “A Coroa” será exibido no Festival de Manhattan em 25 de abril.

A Coroa
Ficha Técnica
Diretor: Kacey Cox
Elenco: Anastasia Lin
Duração: 20 minutos
Classificação: sem classificação