Como sal cancerígeno chega às mesas na China

08/05/2016 06:00 Atualizado: 08/05/2016 22:46

A China é de longe o país que mais produz sal no mundo, cerca de 90 milhões de toneladas por ano. Deste total, 91% é sal industrial não comestível que contém metais pesados e outras substâncias perigosas à saúde. Mas com regulamentações frouxas, fraca aplicação da lei e priorizando ganhar dinheiro rápido, produtores de todo o país estão ignorando esses detalhes.

Em 26 de abril, foi relatado pela Rádio Nacional da China que 35 toneladas de sal industrial foram empacotadas como sal comestível e, quando uma investigação policial descobriu a atividade, parte da produção já havia sido distribuída aos mercados em Shijiazhuang, no norte da China.

A apreensão parcial é apenas a ponta do iceberg de uma enorme indústria ilícita operando em escala nacional, da capital de Pequim até as províncias chinesas distantes como Yunnan, Zhejiang ou na Mongólia Interior.

Sal industrial embalado e etiquetado na China para consumo humano pode conter substâncias danosas à saúde, como chumbo, arsênio, mercúrio ou nitritos. O acúmulo gradual destas substâncias no corpo causa danos no sistema nervoso e câncer.

Na fábrica em Shijiazhuang, alvo da operação policial, foi descoberto o processo simplista de produção efetuado no local: após a aquisição do sal industrial, os trabalhadores usavam pás para ensacar o sal em pequenos sacos plásticos, que seriam então vendidos em mercado de agricultores e estabelecimentos locais após ser misturado com sal de mesa genuíno.

Uma máquina utilizada para empacotar sal industrial, encontrada em Guangzhou, na província de Guangdong, em 5 de Maio de 2014. (Liu Yunfei/Jornal Rural do Sul da China)
Uma máquina utilizada para empacotar sal industrial, encontrada em Guangzhou, na província de Guangdong, em 5 de Maio de 2014. (Liu Yunfei/Jornal Rural do Sul da China)

Escala nacional

Em julho passado, uma pequena fábrica em Taizhou, na província de Jiangsu, foi flagrada vendendo sal contaminado. Ao longo de sete anos, a fábrica vendeu 20 mil toneladas de sal industrial para sete províncias e grandes cidades, incluindo Pequim e a metrópole vizinha de Tianjin.

De acordo com Zhou Lugang, o vice-diretor da administração salina em Taizhou, este caso revelou um valor extraordinariamente alto. Vinte mil toneladas de sal é suficiente para abastecer cinco milhões de pessoas — exatamente a população de Taizhou — por um ano.

O sal falsificado é usado diretamente por pessoas desavisadas, para produção industrial e caseira de conserva de legumes, vendido em supermercados e empregado em cantinas escolares e restaurantes. O sal produzido ilicitamente é muito barato e pode ser vendido abaixo do preço de mercado do sal de mesa autêntico, tornando-se uma opção atraente para quem não sabe.

Regulamentações frouxas

O comércio ilícito e rentável é ajudado pelo fato de que sal industrial pode ser comprado em grande quantidade por qualquer pessoa com documentação comercial da indústria química, incluindo uma vasta gama de empresas associadas.

Pior ainda, os órgãos legais chineses estipulam que apenas casos que envolvem mais de 20 toneladas de sal falsificado serão processados judicialmente. Por isso, grandes produções ou estoques são raros. De acordo com o funcionário de um órgão regulador da indústria no sul da China que falou com a mídia estatal local, fábricas tendem a produzir quantidades pequenas, fixas e vendem sua produção imediatamente.

Produtores de sal falsificado adotam metas de vendas constantes ou escondem seus produtos em depósitos secretos, enquanto esperam que haja demanda. Tudo isso, o funcionário regulador disse ao Jornal Rural do Sul da China, dificulta o trabalho das autoridades e “afeta severamente a capacidade do Judiciário de punir os criminosos”.

Em 2012, dos 182 casos envolvendo sal falsificado que foram processados pela Justiça de Guangzhou, no sul da China, a polícia efetuou apreensões em 21 casos e apenas 13 resultaram em sentenças de prisão. Em 2013, houve apenas 7 prisões e 4 sentenças.

As penalidades são leves: menos de dois anos de prisão pelo que é considerada uma transgressão menor, disse o funcionário regulador, o que resulta no retorno de muitos dos infratores a mesma atividade assim que cumprem suas sentenças.